O espaço, como Douglas Adams apontou em “O Guia do Mochileiro das Galáxias”, é grande. Realmente grande. É tão grande, na verdade, que obras de sci-fi empurram para debaixo do tapete o problema das distâncias colossais entre as estrelas, apelando para a magia, na forma de uma espécie de “condução mais rápida do que a luz”, na esperança de os leitores perdoem o absurdo em favor de desfrutar de uma boa história.
Mas há cientistas, engenheiros e escritores de ficção científica que gostam de um desafio. No último dia 22 de outubro, um pequeno, mas dedicado público se reuniu na Sociedade Real de Astronomia (RAS), em Londres (Reino Unido), para ouvir alguns deles discutirem as últimas ideias sobre o que pode ser feito para que uma viagem interestelar funcione no mundo real. O simpósio seguiu um evento maior realizado no início deste ano em San Diego, na Califórnia (EUA).
A pesquisa por um meio de transporte intergalático está passando por uma espécie de boom. “Há alguns anos atrás, havia apenas uma organização no mundo trabalhando em viagens interestelares”, explicou o físico Jim Benford durante a conferência. “Agora, há cinco”. No dia seguinte, muitos dos oradores no evento iriam visitar a Sociedade Interplanetária Britânica (BIS, a organização venerável da qual o Dr. Benford falou) para discutir detalhes do projeto para uma nave estelar chamada Icarus.
Este campo de pesquisa sempre foi pequeno, cheio de iconoclastas e sonhadores ajustando a atividade em torno de seus postos de trabalho “adequados”. Um trabalho sério no campo remonta a 1968, quando Freeman Dyson, um físico de espírito independente, investigou as possibilidades oferecidas pelos foguetes alimentados por uma série de explosões nucleares. Então, na década de 1970, a BIS projetou a Daedalus: uma nave não tripulada que usaria um foguete de fusão para atingir 12% da velocidade da luz, permitindo-lhe alcançar a estrela de Barnard, localizada a seis anos-luz de distância da Terra, em 50 anos. Esse alvo, embora não seja a estrela mais próxima em relação ao sol, era a mais próxima que, à época, se suspeitava ter pelo menos um planeta.
Depois de Daedalus, o interesse havia sido sinalizado. Ultimamente, porém, vários acontecimentos deram um novo impulso a esse campo.
A internet tornou mais fácil para os sonhadores de mentes parecidas entrarem em contato uns com os outros. Os astrônomos descobriram milhares de planetas alienígenas (incluindo, possivelmente, um em torno de Alpha Centauri B que, a “meros” 4,4 anos-luz de distância, é parte do sistema de estrelas mais próximo do sol que temos conhecimento), e este crescimento capturou a imaginação do público, assim como deu a pesquisadores uma nova lista de destinos.
A ascensão da indústria espacial privada, que tem como objetivo reduzir drasticamente o custo de entrar em órbita, traz a esperança de que o tipo de infraestrutura orbital necessária para construir uma nave espacial poderia um dia ser desenvolvido. Além disso, ainda temos o envolvimento da DARPA, um braço do departamento de defesa norte-americano, que está patrocinando um projeto de longo prazo para desenvolver o tipo de tecnologia que tal nave exigiria.
O principal problema, como Adams observou, é a distância. Durante a Guerra Fria, os EUA gastaram vários anos e um grande tesouro (com um pico em 1966 de 4,4% dos gastos do governo) para enviar duas dúzias de astronautas à lua e voltar. Mas, em escalas astronômicas, a viagem à lua não é nada. Se a Terra – que tem 12.742 km de diâmetro – fosse encolhida até chegar ao tamanho de um grão de areia e colocada sobre uma mesa em Curitiba (Paraná), a lua seria um grão de areia menor, a cerca de 3 centímetros de distância. O sol seria uma bola maior a aproximadamente 12 metros de distância. E Alpha Centauri B estaria 3.200 km distante, em algum recanto da Bolívia.
Foguetes químicos simplesmente não pode gerar energia suficiente para atravessar essas distâncias em qualquer tipo de tempo útil. A sonda espacial Voyager 1, lançada em 1977 para estudar o sistema solar exterior, foi mais longe da Terra do que qualquer outro objeto já construído. Uma combinação de foguetes químicos e forças gravitacionais de planetas do sistema solar têm impulsionado a sua velocidade para 17 quilômetros por segundo. A essa velocidade, levaria (se fosse apontada na direção correta) mais de 75 mil anos para chegar a Alfa Centauri.
A energia nuclear pode derrubar esses números. Mas mesmo ela encontra problemas. A nave movida a bomba de propulsão projetada pelo Dr. Dyson levaria cerca de 130 anos para fazer a viagem, mas não teria a capacidade de diminuir a velocidade ao chegar ao seu destino (que mais do que duplica a energia necessária), o que faria com que passasse pelo sistema solar alienígena em uma questão de dias. Daedalus, embora mais rápida, também voaria além de seu objetivo final, coletando os dados que conseguisse ao longo do caminho. Icarus, sua sucessora espiritual, seria capaz de, pelo menos, frear. Apenas Project Longshot, executado pela NASA e pela marinha norte-americana, prevê desenvolver algo que realmente pare ao chegar no destino, ou seja, que entre em órbita em torno da estrela a ser estudada.
Foguetes nucleares também tendem a ser grandes. Daedalus pesaria 54 mil toneladas, em parte porque teria que carregar todo o seu combustível com ele. O próprio combustível tem massa e, portanto, requer ainda mais combustível para acelerá-lo, um problema que rapidamente entra em uma espiral fora de controle. E o combustível em questão, um isótopo do hélio chamado 3He, não é fácil de se conseguir. A equipe Daedalus assumiu que ele poderia ser extraído da atmosfera de Júpiter por seres humanos, que já teriam se espalhado pelo sistema solar.
Uma abordagem diferente, iniciada pelo engenheiro aeroespacial Robert Forward, morto em 2002, foi defendida pelo Dr. Benford e seu irmão Gregory, que, como Forward foi, é tanto físico como autor de ficção científica. A ideia é deixar o combustível problemático para trás. Suas naves seriam equipadas com velas. Em vez de enchê-las com o vento, um transmissor em órbita as encheria de energia, na forma de lasers ou feixes de micro-ondas, dando-lhes um impulso feroz a uma fração significativa da velocidade da luz, que seria seguido – com sorte – por um passeio tranquilo até o seu destino.
Sem combustível, as naves podem ser pequenas, e, portanto, fáceis de acelerar. Elas podem até mesmo serem capazes de parar em seus destinos, usando o vento solar da estrela alvo para se desacelerar com uma segunda vela, chamada de vela-magnética. Já existem os conceitos básicos da tecnologia: velas de micro-ondas já voaram em laboratórios. E o transmissor pode ser reutilizado, o que tornaria tais naves mais baratas do que foguetes nucleares que só poderiam voar uma vez.
“Mais barato”, porém, é algo relativo. Jim Benford calcula que mesmo uma sonda pequena e lenta, projetada para explorar o espaço fora do sistema solar, ao invés de voar até uma outra estrela, exigiria tanta energia elétrica quanto um país pequeno – irradiada, provavelmente, a partir de satélites que orbitam a Terra. Uma máquina interestelar de verdade, se movendo a um décimo da velocidade da luz, iria consumir mais eletricidade do que toda a civilização atual. As enormes distâncias envolvidas significam que as estimativas de custos vêm em vários trilhões de dólares.
Essa questão também ilustra outra pergunta sobre naves espaciais, além de elas serem ou não possíveis. Cinquenta anos de estudos de engenharia ainda não revelaram um motivo técnico óbvio pelo qual uma nave não tripulada não poderia ser construída (naves tripuladas podem ser realizáveis, embora tragam uma série de novos problemas). Contudo, não responderam à pergunta de por que alguém iria querer passar por todos os percalços da construção de uma.
Ian Crawford, astrônomo do Birkbeck College, de Londres, destacou que o envio de uma sonda robótica para outra estrela seria muito melhor, cientificamente, que estudá-la através de telescópios. Ele ainda apresentou uma lista dos instrumentos que tal missão deve levar e perguntas – em física estelar, ciência planetária e astronomia geral – as quais ela poderia ser projetada para responder. Porém, para muitos dos participantes dessas conferências, “porque podemos” seria resposta e motivo suficientes para tentar.
Vários palestrantes da RAS concordaram que uma nave não seria viável até que os seres humanos se espalhassem pela maior parte do sistema solar da Terra, e possuíssem uma economia capaz de gerir os recursos de mais de um planeta. Se esse dia vai chegar é uma questão ainda em aberto.
Gregory Benford disse que Thomas Jefferson, terceiro presidente dos Estados Unidos, afirmou que poderia levar milhares de anos para a fronteira norte-americana avançar para o Oceano Pacífico. Ou seja, os seres humanos são ruins em previsão, e muitas vezes coisas praticamente inimagináveis acontecem mais rápido do que ninguém teria acreditado.
É claro, o passado não é necessariamente guia para o futuro, e a magnitude dos problemas envolvidos na exploração do espaço se sobrepõem a qualquer analogia terrena. Gregory Benford pode estar errado. Mas ele e seus colegas são, por necessidade, um bando de otimistas. [The Economist]