Por que cientistas colocaram um furão em um acelerador de partículas

Por , em 7.04.2019

Em fevereiro de 1971, cientistas do Laboratório Nacional de Aceleradores em Illinois (EUA) começaram a testar a maior máquina do mundo até então: um acelerador de partículas de 200 bilhões de elétrons-volt (BeV) em formato de anel.

As apostas eram altas. O diretor do laboratório, Bob Wilson, havia dito ao Departamento de Energia dos Estados Unidos que tal máquina estaria funcionando dentro de cinco anos por US$ 250 milhões.

Acontece que já haviam se passado quatro anos, e a equipe se encontrava diante de um problema desconcertante: ímãs essenciais para sua operação continuavam falhando. Eles precisavam de uma solução rápida e barata.

Qual? Um furão chamado Felicia.

O primeiro acelerador

O antigo Laboratório Nacional de Aceleradores é o atual Fermilab (Fermi National Accelerator Laboratory, em homenagem ao físico Enrico Fermi).

Hoje, ele possui uma cadeia de aceleradores. Em 1971, seu design era bem diferente, no entanto. As partes agora chamadas de anéis injetores e recicladores não existiam. O que existia era um anel principal de pouco mais de 6 quilômetros.

Esse anel era equipado com ímãs para guiar feixes através do acelerador: “774 imãs dipolares – que orientavam o feixe de partículas – e 240 ímãs quadrupolares – que focalizavam o feixe”, lembra o físico Ryuji Yamada.

Estes ímãs não eram como os da sua geladeira: cada um tinha 6 metros de comprimento e pesava quase 13 toneladas.

Falha

No início, apenas dois ímãs falharam quando o isolamento de fibra de vidro ao redor de suas bobinas quebrou. Logo, o problema aumentou: começaram a falhar dois por dia. Nos próximos meses, a equipe precisou substituir 350 ímãs.

Em 30 de junho de 1971, os cientistas finalmente conseguiram enviar um feixe de partículas por todo o anel pela primeira vez. Em agosto, foram capazes de enviar um feixe a cada 10.000 tentativas. Mas, quando experimentaram acelerar as partículas acima de 7 BeV, os ímãs sofriam curto-circuito.

Yamada finalmente percebeu a causa: lascas de metal deixadas para trás na construção dos tubos de vácuo. Elas precisavam ser retiradas. Mas como?

Robert Sheldon, engenheiro contratado pelo laboratório para encontrar “atalhos e ideias para poupar dinheiro”, sugeriu que um furão, equipado com uma ferramenta de limpeza, poderia fazer o trabalho correndo através dos tubos.

Felicia

A ideia era boa. Foi assim que a equipe adquiriu Felicia, o menor furão que puderam encontrar. Eles colocaram uma coleira personalizada em volta de seu pescoço e uma fralda em sua bunda – cocô de furão no tubo também interromperia os feixes.

Por fim, anexaram uma corda a sua coleira. Felicia deveria levar a corda de uma ponta a outra do tubo. Assim, os cientistas poderiam colocar um “cotonete” limpador nessa corda, e puxá-la por toda a extensão do acelerador.

Mas Felicia se recusou a entrar no tubo de vácuo do anel principal. Talvez ela estivesse assustada com a escuridão e estreiteza do canal, bem como a vastidão do anel. Assim, a equipe a transferiu para uma seção menor de tubos, de 30 centímetros de largura, no Laboratório Meson, uma instalação de testes que ainda estava em construção.

Felicia foi ensinada a correr através de túneis progressivamente mais longos até que estivesse pronta fazer um trajeto maior. Nesses tubos em construção, ela puxou uma corda por todo o caminho que mais tarde foi usada para limpá-los. Quando os funcionários puxaram o cotonete pelos tubos, ele saiu coberto com partículas de poeira e aço.

Criatividade

Valerie Higgins, arquivista e historiadora do Fermilab, esclarece que Felicia provavelmente não estava em perigo durante suas corridas.

“As seções que ela percorreu ainda estavam em construção, então eu acho que não tinham energia. No que diz respeito a ficar presa ou sufocada, acho que a equipe estava contando com o instinto de um furão para explorar túneis. Eu não acho que ela teria descido por um túnel pequeno demais para ela”, argumenta.

Ao mesmo tempo, o engenheiro Hans Kautzky passou a desenvolver um “furão magnético” para lidar com os detritos no anel principal do acelerador do laboratório, que Felicia não quis entrar.

Usando uma haste de aço inoxidável, um cabo flexível de 700 metros (o equivalente à corda de Felicia) e um ímã que atrai metal (o “cotonete de limpeza”), Kautzky criou um dispositivo que foi disparado para dentro do anel em 12 operações separadas, a fim de limpá-lo totalmente.

O método não era perfeito, mas funcionava bem. Ao longo dos meses seguintes, a equipe pode aumentar os níveis de energia sem causar curtos-circuitos no sistema e, em 1º de março de 1972, conseguiram que o acelerador alcançasse a meta de energia de 200 BeV.

Sucesso

Depois de uma dúzia de corridas pelos tubos do Laboratório Meson, Felicia se aposentou e passou a maior parte do tempo como um animal de estimação. Em 9 de maio de 1972, o corajoso furão faleceu. Uma necropsia revelou um abscesso rompido em seu trato intestinal.

Hoje, o Fermilab possui múltiplos aceleradores de partículas. Das 13 partículas subatômicas conhecidas do Modelo Padrão – seis quarks, seis léptons e o bóson de Higgs -, três foram descobertas lá: o quark bottom em 1977, o quark top em 1995 e o neutrino do tau em 2000.

O complexo opera 24 horas por dia, o ano todo, exceto por alguns períodos planejados nos quais é fechado para manutenção. São nessas pausas que os tubos podem ser limpos.

Nas seções mais curtas, os operadores do acelerador prendem usam um pano preso a um bastão longo. Já nos túneis mais longos, eles usam o método que Felicia tornou famoso: “Algum tipo de corda com uma espécie de cotonete, que depois é puxada”, conta Andre Salles, porta-voz do Fermilab. [AtlasObscura]

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