“Midi-chlorians são formas de vida microscópicas que residem em todas as células vivas”, publicam revistas científicas
Revistas conhecidas como “predatórias” aceitaram um artigo de paródia que tematiza a história de Star Wars. O manuscrito é uma bagunça absurda de erros factuais, plágio e citações de filmes.
Inspirado em publicações anteriores, um autor testou se jornais predatórios publicariam um documento claramente absurdo. Então, ele criou um manuscrito de paródia sobre “midi-chlorians” – as entidades ficcionais que vivem dentro das células e dão aos Jedi seus poderes em Star Wars. Ele preencheu o artigo com outras referências à galáxia distante e o enviou para nove revistas, assinando-o com os nomes de Dr. Lucas McGeorge e Annette Kin.
Quatro revistas caíram na pegadinha. O American Journal of Medical and Biological Research (SciEP) aceitou o documento, mas pediu uma taxa de US$ 360, que o autor não pagou. Surpreendentemente, três outras revistas não só aceitaram, mas também publicaram a falsificação, dentre elas o International Journal of Molecular Biology: Open Access (MedCrave); o Austin Journal of Pharmacology and Therapeutics (Austin) e o American Research Journal of Biosciences (ARJ). O autor afirma que não esperava isso, pois todas essas revistas cobram taxas de publicação – mas nunca pagou a elas um centavo.
Então, o que eles publicaram? Uma travessura que deveria ter sido rejeitada em menos de cinco minutos – ou dois, se o revisor estivesse familiarizado com Star Wars. Alguns trechos:
– “Além de fornecer energia celular, os midi-chlorian executam funções como a sensibilidade da força …”
– “Envolvido na produção de ATP está o ciclo do ácido cítrico, também conhecido como o ciclo de Kyloren após sua descoberta”
– “Midi-chlorians são formas de vida microscópicas que residem em todas as células vivas – sem os midi-chlorians, a vida não poderia existir, e não teríamos conhecimento da força. Distúrbios midicloriais muitas vezes acarretam doenças cerebrais, como o autismo”.
– “DNA dos midi-chlorians (mtDNRey)” e “ReyTP”
E assim por diante. O autor até mesmo inseriu no texto a lendária Tragédia de Darth Plagueis num monólogo.
Ironias autorais
Ironicamente, ele afirma que sequer é um grande fã das Star Wars. “Eu simplesmente gosto dos memes”, disse, em texto publicado no Discover Magazine.
Para gerar o texto principal do artigo, ele copiou a página da Wikipedia que define a mitocôndria (que, ao contrário dos midi-chlorians, de fato existe) e, em seguida, realizou uma simples cópia e substituição para transformar a mitocôndria em midi-chlorians. Então escreveu o texto, ou seja, ele o reformulou (mal), porque o foco principal da pegadinha era descobrir se os periódicos publicariam um artigo ridículo, e não se eles utilizam um detector de plágio (embora considere esse procedimento como plágio também).
Por motivos de transparência, ele admitiu o que fez no próprio documento. A seção Métodos apresenta o trecho: “a maioria do texto deste artigo foi ‘rogeted’ [modificações que alteram palavras por sinônimos de um texto original]”. A referência 7 citou um artigo seguido da informação: “A maioria do texto aqui contido foi adaptado da Wikipédia: https://en.wikipedia.org/wiki/Mitochondrion. Pede-se desculpa aos autores originais dessa página”.
Pegadinha realizada com sucesso
Com todos os créditos adequados, uma série de revistas rejeitou o artigo: o Journal of Translational Science (OAText); o Advances in Medicine (Hindawi); e o Biochemistry & Physiology, de acesso livre e aberto.
Duas revistas pediram ao autor para revisar e reenviar o manuscrito. Na JSM Biochemistry and Molecular Biology (JSciMedCentral), uma dupla de revisores aparentemente apreciou a paródia de Star Wars. Um deles comentou que “os autores negligenciaram a adição das seguintes referências: Lucas et al., 1977, Palpatine et al. , 1980, e Calrissian et al., 1983”. Depois, o jornal pediu revisão e reenvio.
No Journal of Molecular Biology and Techniques (Grupo Elyns), os dois revisores não pareciam ter notado a brincadeira e recomendaram algumas mudanças, como reverter os midi-chlorians de volta às mitocôndrias.
Finalmente, ele observa que, como um bônus, “Dr. Lucas McGeorge” recebeu um convite ( que não respondido) para atuar no conselho editorial do periódico.
Destino das publicações
Essa pegadinha, questiona o autor, comprova que a publicação científica está irremediavelmente falida? Não, na verdade não. É apenas um lembrete de que, em alguns periódicos revisados por pares, realmente não há nenhuma revisão significativa – o que já sabíamos.
Isso importa porque as editoras científicas são empresas que vendem um produto e o produto é uma revisão paritária. É verdade que eles também publicam documentos (eletronicamente, no caso desses periódicos), mas se você quisesse publicar algo eletronicamente, poderia fazer isso sozinho e de graça. Arquivos, blogs, seu próprio site – é fácil conseguir suporte na internet. A revisão paritária é o que supostamente justifica o preço da publicação.
Todas as nove editoras enganadas pelo autor são conhecidos por enviar spam para acadêmicos, impelindo-os a enviar textos para suas revistas. O autor afirma que foi pessoalmente “vítima” de spans de quase todas elas. Tudo o que fez, enquanto Lucas McGeorge, foi testar a qualidade dos produtos anunciados. [DiscoveryMagazine]