A vida poderia evoluir de plásticos, fios e metais?

Por , em 24.06.2013
Um dos robôs quadrúpedes usado para ajudar a evoluir máquinas no laboratório

Um dos robôs quadrúpedes usado para ajudar a evoluir máquinas no laboratório

Em um laboratório no campus da Universidade de Cornell (EUA), os robôs de Hod Lipson estão evoluindo.

O cientista já produziu um robô autoconsciente capaz de reunir informações sobre si mesmo, conforme aprende a andar. Essa máquina está cercada de outras ex-estrelas do pesquisador, como um conjunto de cubos modulares, uma engenhoca que apreciou os holofotes em 2005 como um dos primeiros robôs autorreplicantes do mundo, e outras esculturas de plástico de forma estranha, incluindo peças de xadrez que são produtos da impressora 3D do laboratório.

Em 2006, o laboratório Creative Machines Lab de Lipson foi pioneiro em desenvolver uma impressora 3D de baixo custo, disponível para qualquer pessoa com acesso à internet que também deseje construir uma. Por cerca de US$ 2.500 (R$ 5.000) e com algum know-how em tecnologia, qualquer um pode fazer a máquina e imprimir objetos tridimensionais, como uma capinha para iPod.

O objetivo dessa invenção, no entanto, não era criar uma máquina premiada por popularizar a impressão 3D. Ela era apenas um projeto paralelo, uma maneira de fabricar todos os bits necessários para a robótica de autorreplicação.

“Eu quero evoluir algo que seja vida a partir de plástico, fios e materiais inanimados”, diz Lipson.

Irresponsável?

Sim, Lipson pretende criar uma máquina de autoconhecimento e automontagem que possa sair andando de seu laboratório – mas ele está ciente dos riscos que envolvem tal empreitada.

No canto de seu escritório fica uma caixa com cópias do livro “Out of Control” (em português, “Fora de Controle”), de Kevin Kelly.
Publicado pela primeira vez em 1994, quando Kelly era editor executivo da revista Wired, o livro contempla a aparentemente iminente fusão dos reinos biológicos e tecnológicos – “o nascido e o feito” – e a imprevisibilidade inevitável de um evento como esse.

“Quando alguém quer fazer um doutorado neste laboratório, eu lhes dou este livro e peço que leiam antes de se comprometerem”, disse Lipson. “Nós somos malucos por controle quando se trata de engenharia, mas a direção desta pesquisa é a perda de controle. Quanto mais automatizarmos, mais não sabemos o que vai sair disso”, explica.

Evolução inanimada

A primeira incursão de Lipson na pesquisa para escrever algoritmos evoluíveis para a construção de robôs foi em 1998, quando ele estava trabalhando com Jordan Pollack, professor de ciência da computação na Universidade de Brandeis, em Massachusetts (EUA).

Juntos, eles escreveram um algoritmo e o testaram. No início, nada aconteceu. Mais tarde, obtiveram máquinas bonitas e formas malucas. Eventualmente, um motor ligado a um cabo, o que causou sua vibração. Por fim, eles chegaram a máquinas que rastejavam.

A criatura foi transferida do domínio virtual para o real por meio da impressora 3D criada no Creative Machines Lab. Então, deu seus primeiros passos. Sua existência fez manchetes de jornais e alguns se perguntaram se este arranjo de barras e fios seria o equivalentes do mundo das máquinas à célula primordial.

Segundo Lipson, não é bem assim: o robô ainda não podia operar sem intervenção humana. Mas foi a primeira vez que a evolução produziu robôs físicos.

O início da pesquisa

No final de 1940, cerca de cinco décadas antes do primeiro robô de Lipson ter “evoluído”, físicos, matemáticos e cientistas da computação da Universidade de Princeton (EUA) estavam dando os últimos retoques em uma das primeiras máquinas de computação digital universal do mundo – o MANIAC.

Uma das primeiras tarefas do computador, em 1952, era avançar o potencial humano de destruição, ajudando a desenvolver a bomba de hidrogênio.

Mas, dentro dessa mesma máquina, compartilhando a execução de cálculos de aniquilação, um novo tipo de organismo numérico foi tomando forma. Como o vírus da gripe, ele se multiplicou, mutou, competiu e entrou em relações parasitárias. Evoluiu em segundos.

Esses chamados “simbio-organismos”, entidades autorreprodutoras representadas no código binário, eram fruto da imaginação do virologista norueguês-italiano Nils Barricelli. Ele queria observar a evolução em ação e, naqueles dias pré-genômicos, o MANIAC proporcionou uma rara oportunidade de testar e observar o processo evolutivo.

Assim como o DNA, o código do Barricelli podia sofrer mutação. Mas ele tinha algumas ideias incomuns sobre como a evolução trabalhava. Além de mutações de ponto único, ele acreditava que a evolução dava saltos através de relações simbióticas e parasitárias entre entidades como vírus – caso contrário, não seria rápida o suficiente. Talvez, as primeiras células surgiram quando criaturas semelhantes a vírus começaram a trabalhar em conjunto, como peças de Lego. “De acordo com a teoria da simbiogênese, o processo de evolução que conduziu à formação da célula foi iniciado por uma associação simbiótica entre vários organismos semelhantes a vírus”, simplifica Barricelli.

Até agora, esta não parece ser a forma como as coisas aconteceram de fato. Alguns pesquisadores acreditam que o vírus surgiu pela primeira vez depois das células. Mas alguns dos resultados de Barricelli não estavam de todo errados.

Uma vez que ele “inoculou” MANIAC, passou-se minutos até que o universo digital estivesse cheio de organismos numéricos que se reproduziam, tinham “relações” numéricas, reparavam danos “genéticos” e parasitavam outros organismos. Quando a população não tinha mais desafios ambientais ou pressões de seleção, estagnava. Em alguns casos, um parasita altamente bem sucedido provocava uma devastação. Esses padrões de comportamento são típicos dos seres vivos, desde as células mais simples até os seres humanos.

A forma geral da sua simulação imitou bem a vida, particularmente a do vírus. Vírus são parasitas: eles são simbiontes, o que significa que precisam assumir as células vivas de outros organismos para reproduzir. E, como todos os seres vivos, vírus, inevitavelmente, sofrem mutações durante a replicação. Também, como trabalham dentro e fora de células hospedeiras, podem roubar genes do hospedeiro ou deixar seus próprios genes para trás (segundo algumas estimativas, 8% do genoma humano vem por meio de vírus).

Quando um vírus da gripe evolui através de simples mutação e seleção, chamamos isso de deriva antigênica. É por conta disso que temos que tomar vacinas anuais, por exemplo – porque os vírus sofrem mudanças. Mas, de vez em quando, um vírus da gripe faz um salto evolutivo – ou seja, troca um segmento grande de genoma com uma cepa muito diferente e sofre o que chamamos de mudança antigênica. Os vírus da gripe que mais tememos -as cepas pandêmicas, como o vírus da gripe aviária – são muitas vezes produtos de tais mudanças.
Programas de computador evoluíveis também trocam código conforme se envolvem em “sexo algorítmico”. Tal como acontece com os vírus, a capacidade de fazer essas trocas aumenta o poder de evolução de um programa.

E, no entanto, mesmo sendo tão próximos de reais, os organismos digitais de Barricelli eram apenas códigos numéricos: tinham um genótipo, mas nenhum fenótipo, ou seja, nenhuma característica corporal para a evolução peneirar.

A seleção natural atua sobre o hardware, mas o software, seja ele DNA ou código numérico, é apenas um “placar”. As criaturas de Barricelli podem ter se comportado como organismos vivos, mas nunca escaparam do computador e tiveram a chance de enfrentar o mundo lá fora.

Animados, sim, mas vivos?

Não são muitas as pessoas que chamariam criaturas criadas de plástico, fios e metais de bonitas. No entanto, vê-las passear deliberadamente pelo chão de um laboratório, pegar blocos e construir réplicas de si mesmas têm uma beleza biológica.

E os “brinquedos tecnológicos” de Lipson têm um propósito mais profundo do que apenas trazer esses sistemas para fora do computador.
Como Barricelli, Lipson espera lançar luz na própria evolução. Recentemente, sua equipe forneceu alguns insights sobre modularidade – o curioso fenômeno pelo qual sistemas biológicos são compostos de unidades funcionais distintas, de modo que, por exemplo, as redes do cérebro de mamíferos são compartimentadas.

Esta característica é conhecida por permitir a rápida adaptação na vida baseada em DNA. “Nós descobrimos que era a pressão evolutiva que fazia com que as coisas se tornassem modulares. É muito difícil verificar isso na biologia”, conta Lipson.

Barricelli sempre contornou a questão de dizer se os seus organismos estavam vivos, insistindo que não podia defini-los como uma coisa ou outra até que houvesse uma definição “clara” da vida. Lipson, no entanto, afirma que alguns de seus robôs estão vivos, em um sentido rudimentar. “Não há nada mais preto ou branco do que vivo ou morto”, disse ele, “mas, sob a superfície, não é tão simples. Existe uma grande quantidade de incerteza entre as duas coisas”.

Como você define a vida depende de qual teoria ou autor você apoia, mas há algum consenso científico sobre critérios básicos. Seres vivos se envolvem em atividade metabólica. São autossuficientes, no sentido de que podem manter seu próprio material genético separado dos seus vizinhos. Se reproduzem. Têm a capacidade de se adaptar ou evoluir. Suas características são especificadas no código, e esse código é hereditário.

Os robôs de Lipson cumprem muitos critérios para a vida, mas não são completamente autônomos – ainda não. Eles precisam de empurrões humanos para replicar-se. Isso pode ser resolvido algum dia, no entanto, talvez por meio de uma impressora 3D, que funcionaria como fornecimento de matérias-primas, e uma mão humana para apertar o botão “ligar” apenas uma vez.

Em seguida, caberia aos filósofos determinar se devemos ou não conceder certidões de nascimento para robôs.

Por que iríamos criar máquinas vivas?

Essa ainda é a grande questão para muitos de nós. Por que iríamos querer dar vida à máquinas, sendo que elas podem – como mostrou a ficção inúmeras vezes – se voltar contra nós ou até mesmo nos destruir?

Talvez não seja a criação de uma nova vida a coisa da qual temos medo, mas sim do potencial para comportamento imprevisível. A evolução certamente oferece esse risco.

Tomemos o vírus como exemplo: assim como as máquinas de Lipson, esses organismos existem na “área nebulosa” entre vida e não vida, mas ainda estão entre as entidades mais rápidas em evolução do planeta. Também são alguns dos organismos mais destrutivos do mundo. A gripe espanhola de 1918, por exemplo, matou cerca de 50 milhões de pessoas, e alguns cientistas temem que o surgimento de algum tipo de vírus Armageddon seja apenas uma questão de tempo. Deste ponto de vista, não importa se os vírus estão vivos ou mortos. Tudo o que importa é que eles são altamente evolutivos e imprevisíveis.

E é aqui que as coisas ficam realmente assustadoras: se os vírus podem evoluir em poucas horas, códigos de computador podem evoluir em frações de segundo. Eles têm processadores que podem algum dia superar os nossos próprios cérebros – alguns diriam que já superaram.
Se vamos correr o risco de dar tal liberdade às máquinas, precisamos de uma boa razão, não é mesmo?

Em “Out of Control”, Kelly propõe uma razão possível. Talvez, diz ele, o mundo se tornará um lugar tão complicado que não teremos outra escolha a não ser permitir o casamento entre o biológico e o tecnológico. Sem isso, os problemas que enfrentaremos serão muito difíceis para os nossos cérebros humanos resolverem.

Segundo Lipson, um sistema evoluível é a inteligência artificial final. É tanto assustador quanto promissor, dado seu poder estrondoso.[AeonMagazine]

9 comentários

  • Felipe_2:

    Só tem pontos negativos algo assim. Os seres humanos não precisam disso, seria um desastre! Uma boa série que expõe a fragilidade humana em relação à vida e nossa relação com a tecnologia, etc… é Akta Manniskor, que foi exibida no HBO com o nome de Real Humans. Na série a humanidade evoluiu a ponto de ter robôs inteligentes na casa de cada um. Os robôs pensam sozinhos e para facilitar a familiarização são iguais os seres humanos, no entanto alguns se rebelam, buscando “direitos iguais”, outros acabam se envolvendo com seres humanos, enquanto um grupo de seres humanos cria uma espécie de “seita” contra eles. É interessante que a série coloca em questão uma pergunta: Se os robôs podem pensar sozinhas, se eles têm inteligência artifical, o que os impede de
    “amarem” os seres humanos? O amor deles é artificial, mas é verdadeiro o bastante para eles e para alguns seres humanos também. Gostei muito dessa série, não sei se já tem ou se vai ter segunda temporada, mas é muita boa ao colocar questões assim na mente dos telespectadores.

  • Tibulace:

    Bem, a meu ver, a VIDA, poderia, perfeitamente EVOLUIR a partir de plásticos, fios e metais.O que NÃO CONSIGO imaginar, é ela COMEÇAR SÓZINHA, dessa maneira!

  • Marcos Pedroso:

    Cruz credo, Ave Maria.
    Sempre fui convicto de que a ciência não pode ser detida, mas quando o assunto é inteligência artificial confesso que tenho medo e acho extremamente perigoso perdermos o controle das maquinas. Nesse caso seria nosso fim?

  • Gabriel Costa:

    Depende do ponto de vista, por um lado é uma coisa boa e por outro é ruim!
    Se for pensar, a nanotecnologia é uma tecnologia perigosa, e no entanto é a próxima fase na evolução humana.
    Eu só acho que dar vida e inteligência a uma máquina (que pode ser incotrolável e indestrutível) é um risco não só pra humanidade mais sim pra todos os seres vivos no planeta!
    Mais vamos ver no que vai dar, agora a pergunta é: Quem vai ferrar quem?

  • buhrer:

    Acho que a chave para a AI é fazer com que ela tema a extinção, assim vai força-la a evoluir numa competição, semelhante a seleção natural. Depois desse empurrãoozinho e algumas outras coisas, já poderemos temer nosso fim.

  • Danilo Couto de Souza:

    Parasitismo é uma coisa e simbiose é outra.
    Deriva genética ocorre quando NÃO há seleção natural envolvida. Isto é, pela falta de uma pressão evolutiva, os genes tendem a ter uma distribuição aleatória ao longo das gerações, podendo fixarem-se ou não. Isso é conhecido como seleção neutra.

  • Naldo Soares:

    A vida poderia evoluir de plásticos, fios e metais: se foi capaz de evoluir de “CHONPS” Carbono Hydrogenio Oxygenio Nitrogenio Phosphorus Sulfur(enxofre)a unica pergunta é quando?

  • Genioso Irreligioso:

    Parabéns Natasha & Hypescience! Se não for a melhor reportagem que já li por aqui… =]

  • D:

    “Os robôs de Lipson cumprem muitos critérios para a vida, mas não são completamente autônomos – ainda não. Eles precisam de empurrões humanos para replicar-se.”

    Assim como os vírus precisam das células, pois não possuem as primeiras características que historicamente nos fizeram chamar entidades de “vivas”: autonomia e metabolismo.

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