Teoria quântica retrocausal: o futuro altera o passado

Por , em 7.07.2017
This is an artist’s impression of the quasar 3C 279. Astronomers connected the Atacama Pathfinder Experiment (APEX), in Chile, to the Submillimeter Array (SMA) in Hawaii, USA, and the Submillimeter Telescope (SMT) in Arizona, USA for the first time, to make the sharpest observations ever, of the centre of a distant galaxy, the bright quasar 3C 279. Quasars are the very bright centres of distant galaxies that are powered by supermassive black holes. This quasar contains a black hole with a mass about one billion times that of the Sun, and is so far from Earth that its light has taken more than 5 billion years to reach us. The team were able to probe scales of less than a light-year across the quasar — a remarkable achievement for a target that is billions of light-years away.

Embora haja muitas formulações contraintuitivas na teoria quântica, a ideia de que as influências podem viajar para trás no tempo (do futuro para o passado) geralmente não é uma delas. No entanto, recentemente, alguns físicos têm examinado essa ideia, chamada “retrocausalidade”, porque ela pode resolver de maneira estratégica alguns enigmas de longa data na física quântica. Em particular, se a retrocausalidade for permitida, os famosos testes de Bell podem ser interpretados como evidências desse fato e não de ação à distância, resultado que Einstein e outros céticos quanto a essa propriedade “fantasmagórica” de voltar no tempo poderiam ter apreciado.

Em um novo artigo publicado em Proceedings of The Royal Society A, os físicos Matthew S. Leifer, da Universidade de Chapman, e Matthew F. Pusey, do Instituto Perimeter de Física Teórica, prestaram um novo suporte intelectual ao argumento de que, se certos pressupostos razoáveis ​​forem seguidos, então a teoria quântica deve ser retrocausal.

O apelo da retrocausalidade

Primeiro, para esclarecer o que retrocausalidade e o que não é: ela não significa que sinais possam ser comunicados e transmitidos do futuro ao passado – essa sinalização seria proibida mesmo em uma teoria retrocausal, por razões termodinâmicas. Em vez disso, a retrocausalidade significa que, quando um experimentador escolhe a configuração de medição com que medir uma partícula, essa decisão pode influenciar as propriedades dessa partícula (ou outra partícula) no passado, mesmo antes que o experimentador faça sua escolha. Em outras palavras, uma decisão tomada no presente pode influenciar em algo no passado.

Nos testes originais de Bell, físicos assumiram que as influências retrocausais não seriam possíveis de acontecer. Consequentemente, para explicar suas observações de que as partículas distantes parecem saber imediatamente qual medida está sendo feita na outra, a única explicação viável foi a ação-a-distância. Ou seja, as partículas estão de alguma forma influenciando-se, mesmo quando separadas por grandes distâncias, de modos que não podem ser explicadas por nenhum mecanismo conhecido. Mas, ao reconhecer a possibilidade de que a configuração de medição de uma partícula possa influenciar retrocausivamente o comportamento da outra partícula, não há necessidade de falar em ação-a-distância – apenas influência retrocausal.

Generalizando a retrocausalidade: com ou sem um estado quântico real

Um dos principais defensores da retrocausalidade na teoria quântica é Huw Price, professor de filosofia da Universidade de Cambridge. Em 2012, Price apresentou um argumento sugerindo que qualquer teoria quântica que suponha que 1) o estado quântico é real e 2) o mundo quântico tem simetria temporal (ou seja, que os processos físicos podem correr para frente e para trás enquanto seguem pas mesmas leis da física) deve permitir influências retrocausais. Compreensivelmente, no entanto, a idéia de retrocausalidade não foi aceita pelos físicos em geral.

“Há um pequeno grupo de físicos e filósofos que pensam ser possível perseguir essa ideia, incluindo Huw Price e Ken Whartor [professor de física da Universidade Estadual de San José]”, disse Leifer à Phys.org. “Até onde sei, não existe uma interpretação de amplo consenso sobre a teoria quântica que recupere toda a sua base teórica e explore essa proposta. Trata-se, muito mais, de uma ideia de interpretação pontual, então acredito que os outros físicos têm certa razão em seu ceticismo, e recai sobre nós o ônus de comprová-la”.

No novo estudo, Leifer e Pusey buscam fazer isso numa generalização do argumento de Price, o que talvez gere algum interesse entre as linhas de pesquisa recentes. Começam por negar o primeiro pressuposto de Price, de modo que o argumento mantém a questão sobre o estado quântico ser ou não uma possibilidade real, debate pouco analisado e que ainda rende algumas reflexões. Um estado quântico irreal descreveria o conhecimento e as teorias sobre o sistema quântico, sem necessariamente representar uma verdadeira propriedade física do sistema. Embora a maior parte das pesquisas sugira que o estado quântico seja real, é difícil confirmá-lo em qualquer uma delas, e aceitar a tese da retrocausalidade pode fornecer novos pontos e descobertas na questão. “Permitir essa abertura em relação à realidade do estado quântico é um dos principais motivos que incentivam o estudo da retrocausalidade em geral”, explicou Leifer.

“A razão pela qual penso valer a pena investigar a retrocausalidade é que agora temos uma série de resultados irrelevantes a partir de interpretações realistas da teoria quântica, incluindo o teorema de Bell, Kochen-Specker e as provas recentes da realidade do estado quântico”, ele disse. “Essas teses dizem que qualquer interpretação que se enquadre no quadro padrão para interpretações realistas deve ter características que eu consideraria indesejáveis. Portanto, as únicas opções parecem ser abandonar o realismo ou sair do quadro padrão”.

“Abandonar o realismo é uma prática bastante popular, mas acho que isso rouba a maior parte do poder explicativo da ciência e, portanto, é melhor encontrar contas realistas sempre que possível. A outra opção é investigar possibilidades realistas mais exóticas, que incluem a retrocausalidade, relacionalismo e a Interpretação de muitos mundos (IMM). Com exceção da IMM, os demais não foram investigados o suficiente, então penso que vale a pena perseguir mais detalhes sobre o assunto. Não estou pessoalmente comprometido com a solução retrocausal mais do que meus colegas, mas parece possível formulá-la com rigor e investigá-la. Acho que essa prática deve ser aplicada em várias das possibilidades mais exóticas”.

Simetria de tempo e não-retrocausalidade

Em seu artigo, Leifer e Pusey também reformularam a ideia usual da simetria do tempo na física, que se baseia na reversão de um processo físico, substituindo t por -t nas equações de movimento. Os físicos desenvolvem um conceito mais forte de simetria de tempo, na qual reverter um processo não é apenas possível, mas também que a probabilidade de sua ocorrência é a mesma, tanto para frente ou como para trás.

O principal resultado dos físicos é que uma teoria quântica que presuma que esse tipo de simetria de tempo e a retrocausalidade não acontecem de modo simultâneo entra em contradição. Eles descrevem um experimento que ilustra essa contradição, na qual a suposição de simetria de tempo exige que os processos para frente e para trás ocorrem com a mesma probabilidade, mas a hipótese da não retrocausalidade exige que sejam diferentes.

Então, em última instância, tudo se resume à escolha de manter a simetria do tempo ou a não retrocausalidade, já que o argumento de Leifer e Pusey mostra que as duas situações não podem ocorrer ao mesmo tempo. Como a simetria do tempo parece ser uma simetria física fundamental, eles argumentam que é mais sensato permitir a retrocausalidade. Isso eliminaria a necessidade de ação à distância nos testes de Bell, e ainda seria possível explicar por que é proibido o uso de retrocausalidade para enviar informações.

“A postura de abraçar a retrocausalidade parece mais forte para mim pelas seguintes razões”, disse Leifer. “Primeiro, tê-la, potencialmente, é algo que nos permite resolver as questões levantadas por outros teoremas vistos como impossíveis, ou seja, isso nos permite aplicar as correlações de Bell sem ação à distância. Então, embora ainda precisemos explicar por que não existem sinalizações que se direcionam para o passado, parece que podemos colapsar vários enigmas em apenas um. Esse não seria o caso se, em vez disso, abandonássemos a simetria de tempo.

“Em segundo lugar, sabemos que a existência de uma flecha de tempo já deve ser explicada por argumentos termodinâmicos, ou seja, é uma característica que se refere às condições especiais do limite do universo e não uma lei da física. Como a capacidade de enviar sinais apenas ao futuro e não ao passado faz parte da definição da seta do tempo, parece-me provável que a incapacidade de sinalizar o passado em um universo retrocausal também possa surgir de condições especiais, que não precisa ser necessariamente uma lei da física. A simetria do tempo parece ser menos provável dessa maneira (de fato, costumamos usar a termodinâmica para explicar como a aparente assimetria do tempo que observamos na natureza decorre de leis simétricas do tempo, mais do que o contrário disso).”

À medida que os físicos aprofundam-se nas explicações, toda a ideia de retrocausalidade tem aceitação tão difícil porque não a vemos em nenhum outro lugar. O mesmo se aplica à ação à distância. Mas isso não significa que possamos assumir que a não-retrocausalidade e a não-ação à distância sejam verdades da realidade em geral. Em ambos os casos, os físicos querem explicar por que uma dessas propriedades emergem apenas em certas situações muito distantes das nossas observações cotidianas.

“Há uma série de pressupostos sobre o funcionamento do aparelho experimental que é necessário aceitar para concluir que o experimento mostra o efeito que se buscava. Só que, no caso das fundações quânticas, o assunto é muito controverso, portanto, é mais provável que questionemos seus pressupostos básicos do que estamos acostumados no caso de, digamos, um teste de medicamentos. No entanto, tais pressupostos estão sempre lá e é sempre é possível questioná-los”. [Phys.Org]

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