Sempre que se fala em espionagem e mulheres, a maioria deve lembrar de Mata Hari e alguns até podem lembrar de Josephine Baker, mas estas não são as únicas que se dedicaram a tal arte.
Existem muitas espiãs que tiveram vidas fascinantes e poderiam servir de roteiro para qualquer filme ou seriado.
1. Noor Inayat Khan
Filha de um muçulmano indiano pacifista que ensinava o sufismo e de uma mãe americana, Noor Inayat Khan cresceu na França, onde estudou psicologia infantil na Sorbonne e música no Conservatório de Paris. Depois de formada, escrevia poesia e histórias infantis.
Mas veio a guerra e Khan, com seu irmão Vilayat, decidiram ajudar a causa Aliada, em parte para combater os nazistas e em parte na esperança que seus esforços de guerra ajudassem a criar um laço entre os ingleses e indianos. Noor alistou-se na Women’s Auxiliary Air Force e foi treinada como operadora de rádio, sendo recrutada para trabalhar na França ocupada. Lá, depois da prisão de vários operadores, acabou sendo por um tempo a única operadora de rádio trabalhando em Paris, enviando mensagens para Londres.
A história de Khan tem um final trágico: ela foi traída e presa. Não revelou nada sob interrogatório, mas infelizmente copiava todas as mensagens que enviava em um caderno de notas, que os alemães conseguiram encontrar. Usando o caderno, eles se fizeram passar por Khan e conseguiram várias outras prisões. Ela acabou sendo enviada ao Campo de Concentração Dachau, onde foi executada com outros operadores.
Na minissérie “A Man Called Intrepide“, ela é representada pela artista Barbara Hershey. Um filme foi lançado recentemente retratando sua vida, “Enemy of the Reich“.
2. Nancy Wake
Nancy Wake nasceu em Wellington, em 1912, e se mudou para Sidney quando criança, mas acabou fugindo de casa aos 16 anos. No início, trabalhou como enfermeira, mas acabou se tornando jornalista em viagens de Nova Iorque a Londres. Quando começou a guerra, ela era correspondente europeia para o jornal Hearst.
Em Viena, presenciou gangues de nazistas agredindo homens e mulheres judeus e, na primeira oportunidade, uniu-se à Resistência Francesa. Usando seu charme para distrair os oficiais da Gestapo, ela trabalhava como correio, e fez parte de uma rede de fuga que ajudava os aliados a fugir de Marselha. Ela acabou se tornando a espiã mais procurada pela Gestapo, com o apelido de “Rato Branco” por suas escapadas. Havia até um prêmio de cinco milhões de francos pela sua captura quando ela conseguiu fugir da França, indo pela Espanha e chegando à Inglaterra.
Mas este não foi o fim de sua carreira. Ela se uniu ao SOE, onde destacou-se nos treinamentos e foi para Auvergne. Ela saltava de paraquedas, se tornou responsável pela organização dos lançamentos de armas e suprimentos e até mesmo entrou em combate, liderando ataques e missões de sabotagem. Em uma ocasião, sua equipe foi vista por uma sentinela da SS e ela empregou uma técnica de combate desarmado que aprendera no SOE, um golpe na garganta. Segundo ela, foi a única vez que usou o golpe e ficou surpresa quando o sujeito caiu morto.
Ela também descobriu uma moça que estava espionando para a Alemanha e que seus homens estavam protegendo, sem coragem de executá-la à sangue-frio, coisa que Wake fez e que mais tarde disse não se arrepender. Ela acabou sendo a operativa feminina mais condecorada no fim da guerra, mas isso teve seu preço: seu marido, Henri Edmond Fiocca, não deixou Marselha e acabou sendo preso pela Gestapo, torturado e executado. Wake faleceu em 2011, aos 98 anos de idade.
3. Mary Bowser
Quando se fala em espiões da Guerra Civil Americana, a espiã confederada Belle Boyd é a mais lembrada, mas muitos homens e mulheres negros (incluindo Harriet Tubman) arriscaram a vida e liberdade para espiar a favor da União. Mary Bowser nasceu escrava na família Van Lew em Richmond, Virginia. Sua dona a enviou para o Norte para ser educada e mais tarde conseguiu que ela fosse junto com missionários para a Libéria. Bowser odiou a Libéria, e retornou para Richmond, onde se casou. Após a morte de John Van Lew em 1843, a esposa, filho e filha de Van Lew libertaram todos seus escravos, incluindo Mary Bowser.
Elizabeth “Bet” Van Lew, a filha de Van Lew, se tornou uma abolicionista que ficou famosa por liderar um grupo de espiões durante a Guerra Civil, e a melhor fonte de informações de Bet era Mary Bowser. O motivo era simples: Bowser trabalhava dentro da Casa Branca Confederada. Se fazendo de empregada competente, mas meio burra, ela se infiltrou na mansão de Jefferson Davis. Como os donos achavam que ela não sabia ler nem escrever, papéis importantes eram deixados à vista. Bowser os lia e memorizava, e passava a informação para a rede de Van Lew.
Perto do fim da guerra, alguns confederados começaram a suspeitar dela. Ela fugiu da casa em 1865, e tentou incendiar a mansão durante a fuga, mas não teve sucesso. Ela sobreviveu à guerra, dava aulas e escrevia sobre suas atividades, mas a incerteza sobre detalhes de sua vida continua. Até mesmo a foto usada como sendo dela é de uma outra Mary Bowser.
4. Chevalier d’Éon
Chevalier D’Éon é uma pessoa fascinante, mesmo sem considerar sua carreira de espiã/espião. Nascida Charles-Geneviève-Louis-Auguste-André-Timothée d’Éon de Beaumont, d’Éon foi registrada como menino e viveu como homem durante os primeiros 49 anos de sua vida. Ela trabalhou para o Secret du Roi do rei Luis XV, e como parte de uma cabala contra a monarquia Habsburgo foi enviada para a Rússia, para encontrar com a Imperatriz Elizabeth. Como somente mulheres e crianças podiam viajar à Rússia naquela época, d’Éon teve que se vestir como mulher, chamando-se Lea de Beaumont e servindo como dama de honra da Imperatriz Elizabeth.
Enquanto estava no exílio em Londres, correram rumores sobre o verdadeiro gênero de d’Éon, e após a morte de Louis XV, ela retornou à França e exigiu ser reconhecida como mulher. A corte do rei Louis XVI concordou, desde que ela se vestisse como uma, e foram enviados fundos para que ela renovasse o armário. D’Éon vivou o resto de sua vida como Mademoiselle La chevaliére d’Éon de Beaumont.
5. Yoshiko Kawashima
Yoshiko Kawashima era chinesa de nascimento, filha de um membro da família imperial Manchu – basicamente, uma princesa Qing. Com a idade de 8 anos, foi adotada pelo espião e aventureiro japonês Naniwa Kawashima, e após a morte de seus pais biológicos, foi enviada a Tóquio. Uma bela moça, embora um tanto andrógina, treinada em artes marciais ocidentais e orientais, Kawashima se tonou uma heroína como a dos romances de espionagem graças às suas proezas no estado de Manchukuo, controlado pelos japoneses, trabalhando para eles. Nos anos 1930, ela apareceu em novelas de rádio e histórias reais e fictícias.
Obviamente, um espião famoso não tem muita utilidade como espião, e Kawashima tornou-se uma crítica vocal das práticas do Exército Kwantung em Manchukuo. Isto causou algum atrito entre ela e seus empregadores, e eventualmente a moça desapareceu da mídia. Mas não encerrou sua carreira como espiã: em 1945, ela foi capturada pela contra-inteligência em Pequim, e executada aos 40 anos como traidora pelo Governo Nacionalista.
Ela acabou tendo sua vida retratada em um filme recente, “The Last Princess of Manchuria” (“A Última Princesa da Manchúria”, em tradução livre), que pode ser visto completo, com legendas em inglês:
6. O Esquadrão Voador
Não está muito claro o quanto disto é história ou mito nascido de uma campanha de propaganda, mas muitos historiadores apontam Catarina de Médici (1519 – 1589), esposa do rei Henrique II de França, como criadora de seu próprio círculo de espiões, L’escadron volant, ou O Esquadrão Voador. Segundo a lenda, Catarina recrutava mulheres lindas para se tornarem amantes de homens poderosos na corte, de forma que elas pudessem descobrir os segredos destes homens e passá-los à Catarina.
Uma das supostas membros do Esquadrão Voador era Charlotte de Sauve, que também espionou Isabelle de Limeuil. Isabelle teria tido um filho, que ela alegou ser de Louis, Príncipe de Condé. De acordo com o historiador Mark Strage, Catarina dispensou Isabelle da corte, em parte por causa de sua falha em ser discreta sobre o affair.
7. Manuela Sáenz
Manuela Sáenz é outra mulher cuja vida é simplesmente fascinante, ligada à luta da América Latina para se libertar do domínio espanhol. Sáenz é mais conhecida como a amante do revolucionário venezuelano Simón Bolívar, mas seu envolvimento com a política era anterior a seu encontro com Bolívar. Em 1819, Sáenz e seu marido, o comerciante inglês James Thorne, envolveram-se na conspiração para depor José de la Serna e Hinojosa, o vice-rei do Peru.
Bolívar se tornou conhecido como El Libertador ainda durante sua vida, mas chamava Sáenz Libertadora del Libertador, por ajudá-lo a escapar de Bogotá em 1828, quando oficiais amotinados tentaram assassiná-lo. Após a morte de Bolívar em 1830, Sáenz foi exilada na Colômbia, onde acabou morrendo na pobreza e obscuridade. Mas durante sua vida, ela foi ativa em muitos dos movimentos políticos da América do Sul.
8. Melita Norwood
Melita Norwood foi uma das mais valiosas espiãs da KGB, e começou suas atividades em 1930, prosseguindo até 1972, quando se aposentou aos 60 anos de idade. Norwood era inglesa, mas também uma simpatizante comunista, e decidiu fazer espionagem pela União Soviética porque queria apoiar o “novo sistema” do país.
Usando seu emprego na Associação Britânica de Pesquisa de Metais Não Ferrosos, ela passava aos comunistas documentos relacionados ao programa de armas nucleares, aparentemente acelerando o progresso soviético neste campo. Curiosamente, seu marido, filho de pais russos, sabia de suas atividades, mas não as aprovava.
A inteligência britânica tomou conhecimento do papel de Norwood na Guerra Fria em 1992, após a fuga do arquivista da KGB Vasili Mitrokhin, mas isso só veio a público em 1999. Norwood recebeu uma pensão soviética pelos seus serviços e nunca foi julgada por espionagem em seu próprio país, embora tenha se tornado uma figura notória no fim da vida, conhecida como a infame “vovó espiã”.
9. Sarah Emma Edmonds
Se as suas memórias têm alguma credibilidade, Sarah Emma Edmonds foi a mestra dos disfarces do Exército da União durante a Guerra Civil Americana. Sua entrada na Guerra já começou com um disfarce: ela alistou-se no 2nd Michigan Infantry vestida de homem, sob o nome falso de Franklin Flint Thompson. Tendo servido sob o General McClellan como enfermeira de campo, ela conquistou uma posição como espiã da União.
Edmonds alega ter frequentemente viajado nos Estados Confederados disfarçada, algumas vezes como mulher ou homem negro, procurando informação e roubando documentos do escritórios confederados. Sua carreira como espiã acabou quando contraiu malária e desertou o exército, temendo que descobrissem que ela era mulher. Acabou servindo o resto da guerra como enfermeira, desta vez com uniforme feminino.
10. Marthe Cnockaert
Marthe Cnockaert não era apenas uma espiã da Primeira Guerra Mundial; ela também escrevia novelas de espionagem. Em 1915, ela estava trabalhando como enfermeira em um hospital militar alemão em Roulers, Bélgica, quando sua amiga Lucelle Deldonck recrutou-a como agente da inteligência britânica. Ela espionava os militares alemães durante seu trabalho, junto com outras espiãs belgas. Mas suas atividades não estavam limitadas à bisbilhotar – ela também sabotou uma linha de telefone usada por um padre que estava espionando para os alemães.
A sua carreira acabou com uma missão de sabotagem. Depois de entrar em um sistema de esgotos abandonados, Cnockaert colocou explosivos sob um depósito de munições alemão, mas acabou perdendo seu relógio, com suas iniciais, durante a missão. Ela foi capturada e ficou durante dois anos em uma prisão em Ghent, sendo libertada depois da guerra. Acabou casando com um oficial do exército britânico que serviu de escritor fantasma para suas memórias, “I Was a Spy!” (“Eu fui uma espiã!”, em português), adaptado para filme em 1933. Além do filme, ela também publicou algumas histórias de espionagem. [io9]