A controvérsia do livre-arbítrio: As ideias de Robert Sapolsky

Por , em 22.10.2023

Séculos atrás, antes de a epilepsia ser compreendida como uma condição neurológica, ela era erroneamente atribuída a influências lunares ou a um excesso de fleuma no cérebro. Nesse período, as convulsões frequentemente eram mal interpretadas como prova de bruxaria ou possessão demoníaca, levando à perseguição e, por vezes, até à castração ou morte daqueles afligidos pela epilepsia, para evitar a suposta transmissão de linhagens contaminadas para as gerações futuras.

Em nossa compreensão contemporânea, a epilepsia é reconhecida como uma condição médica. A sociedade geralmente concorda que indivíduos que causam acidentes de trânsito fatais durante crises epiléticas não devem ser acusados de assassinato.

O renomado neurobiólogo Robert Sapolsky, vinculado à Universidade de Stanford, afirma que esse progresso é louvável, mas há ainda um longo caminho a percorrer. Baseado em mais de quatro décadas de estudo de seres humanos e primatas, Sapolsky chegou a uma conclusão profunda: praticamente todos os comportamentos humanos estão tão além de nosso controle consciente quanto funções corporais como convulsões, divisão celular ou batimentos cardíacos.

Essa afirmação se estende à ideia de que uma pessoa que comete um ato violento, como atirar em uma multidão, não tem mais controle sobre seu destino do que as pessoas que estão presentes no local. Isso implica que os indivíduos que dirigem sob a influência de álcool e causam acidentes devem ser tratados de maneira semelhante àqueles que sofrem um ataque cardíaco súbito enquanto dirigem.

De acordo com Sapolsky, atribuir ações e resultados ao livre-arbítrio é equivocado. Ele afirma: “O mundo está realmente desorganizado e torna-se muito mais injusto pelo fato de recompensarmos e punirmos as pessoas por coisas sobre as quais não têm controle”. Em sua visão, o livre-arbítrio é uma ilusão, e é essencial deixar de atribuir ações a algo que não existe.

A perspectiva de Sapolsky difere da crença predominante mantida pela maioria dos neurocientistas, filósofos e pela população em geral, que tende a sustentar o conceito de livre-arbítrio. A crença no livre-arbítrio desempenha um papel fundamental na forma como as pessoas se veem, influenciando seu senso de realização e responsabilidade por suas ações.

No entanto, a posição de Sapolsky é controversa, e ele inicialmente hesitou em escrever seu livro, “Determinado: Uma Ciência da Vida Sem Livre-Arbítrio”, pois prefere evitar conflitos. Seu temperamento moderado e sua preferência pela solidão são evidentes em sua escolha de estudar babuínos em regiões rurais do Quênia por longos períodos, longe da política acadêmica.

Sapolsky argumenta que examinar o comportamento humano a partir da perspectiva de uma única disciplina deixa espaço para a possibilidade de escolha nas ações humanas. No entanto, após uma extensa carreira interdisciplinar, ele acha intelectualmente desonesto concluir qualquer coisa além da inevitabilidade do livre-arbítrio como um mito. Ele acredita que aceitar essa noção levaria a uma sociedade mais justa.

Em “Determinado”, Sapolsky explora as influências neuroquímicas que contribuem para o comportamento humano, examinando os fatores que levam a ações como o disparo de um gatilho ou um toque sugestivo. Ele vai além ao argumentar que, como nenhum neurônio ou cérebro opera independentemente de influências externas, o conceito de livre-arbítrio carece de base lógica.

Embora muitos reconheçam o impacto de fatores biológicos, genéticos e ambientais na tomada de decisões humanas, a afirmação de Sapolsky de que tudo, até mesmo ações menores como pegar uma caneta, é predestinado por uma série de influências subconscientes permanece como um ponto de vista provocativo.

Ele exemplifica esse conceito comparando-o à forma como algoritmos preveem as preferências do usuário com base no comportamento online. Segundo Sapolsky, o ato de pegar uma caneta é moldado por inúmeros fatores inconscientes, tornando difícil determinar o quanto da ação pode ser atribuído à escolha consciente.

A origem de Sapolsky em um lar judaico ortodoxo no Brooklyn, seguida por sua mudança para a biologia e o ateísmo, destaca o potencial de mudança nos indivíduos. Ele reconhece que a mudança pode ocorrer, mas afirma que é iniciada por estímulos externos, assim como lesmas do mar aprendem a reagir a choques elétricos.

A perspectiva de Sapolsky encontra apoio entre os adeptos do determinismo, que argumentam que não somos moralmente responsáveis por nossas ações, uma vez que estão além de nosso controle. No entanto, essa visão está em minoria.

Críticos, incluindo o neurocientista Peter U. Tse, argumentam que a atividade neural humana é muito variável para concluir que os comportamentos são predestinados. Tse enfatiza que as entradas apenas estabelecem parâmetros em vez de resultados fixos, e há muita variabilidade em jogo para considerar o comportamento como predestinado.

Além disso, alguns argumentam que abraçar abertamente a ideia de ausência de livre-arbítrio pode ser prejudicial. O filósofo Saul Smilansky sugere que acreditar na possibilidade de transcender as limitações genéticas e ambientais é necessário para uma sociedade justa. Ele vê o abandono da crença no livre-arbítrio como potencialmente perigoso.

Pesquisas também indicam que a rejeição do livre-arbítrio pode levar a consequências negativas, como aumento da trapaça e menor motivação. Sapolsky reconhece essas preocupações em seu livro, mas argumenta que os efeitos observados são muito pequenos para ameaçar a civilização.

Em última análise, o objetivo de Sapolsky é promover a compaixão e a compreensão. Ele espera que, ao reconhecer como traumas precoces podem remodelar o cérebro de um indivíduo, a sociedade se torne mais empática. Ele questiona a ideia de atribuir culpa às máquinas, enfatizando que não devemos desprezá-las por suas deficiências.

Embora Sapolsky reconheça que suas opiniões podem não persuadir a maioria, seu objetivo é promover a compaixão e a compreensão, mesmo diante da adversidade. [Phys]

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