A Matemática é uma Invenção ou uma Descoberta?

Por , em 16.10.2024

Há muito tempo, filósofos e cientistas se perguntam: será que a matemática é uma criação engenhosa da mente humana ou uma descoberta de algo que sempre existiu, como uma lei natural secreta? Essa questão desperta debates que envolvem filosofia, ciência e uma pitada de existencialismo. A resposta a essa pergunta envolve uma exploração profunda dos conceitos de realidade e a forma como os seres humanos se relacionam com o universo ao seu redor. De um lado, temos a visão de que a matemática reflete um conjunto de verdades imutáveis e universais, e, do outro, a ideia de que a matemática nada mais é do que um conjunto de ferramentas inventadas para descrever o mundo.

Explorando o universo matemático: invenção ou verdade oculta?

O platonismo matemático defende que a matemática é uma revelação, como se números e formas geométricas estivessem lá fora, esperando pacientemente que alguém os encontrasse, como fósseis matemáticos. Platão acreditava que os números, os triângulos e todas aquelas fórmulas que te faziam suar frio no colégio não são invenções nossas, mas sim parte de um mundo ideal que existe além do nosso. Nesse contexto, descobrir um teorema seria como encontrar uma nova espécie de planta no jardim cósmico.

Os números primos, por exemplo, têm propriedades que parecem ter vida própria. Leonhard Euler, ao explorar a distribuição desses números misteriosos, revelou padrões que sempre estiveram presentes, como segredos da própria matemática. De forma parecida, Euclides, o pai da geometria, revelou a ordem e simetria que permeiam o espaço, como se ele estivesse apenas levantando a cortina sobre um palco que já estava montado.

Eugene Wigner, ao notar como a matemática é “assustadoramente” eficaz na física, comentou que ela descreve o mundo com precisão desconcertante. Equações como as de Maxwell, que regem o eletromagnetismo, ou a relatividade de Einstein, parecem ser mapas de um território universal. Será que a matemática é um idioma secreto do cosmos, e nós apenas descobrimos suas palavras e gramática?

As equações como criação humana: inventando a realidade ou apenas rascunhando?

Por outro lado, muitos argumentam que a matemática é um jogo que nós mesmos inventamos, como criar um tabuleiro e definir as regras para jogar. Os formalistas e construtivistas acreditam que a matemática é mais como montar um quebra-cabeça, onde as peças são definidas por axiomas que nós decidimos aceitar. Para eles, os números e formas não são achados, mas inventados.

David Hilbert, um famoso matemático, comparava a matemática a um jogo com regras estabelecidas. Em vez de buscar verdades ocultas, ele via os matemáticos como aqueles que criam os tabuleiros e peças do jogo. A lógica é que a matemática precisa ser coerente e fazer sentido dentro das regras estabelecidas, mesmo que isso signifique criar um mundo onde 2 + 2 seja igual a “peixe”, desde que isso respeite as regras do jogo.

Um exemplo interessante é a criação das geometrias não euclidianas. Quando Lobachevsky e Riemann questionaram os axiomas de Euclides, abriram portas para novos mundos matemáticos onde os ângulos dos triângulos somam mais ou menos de 180 graus. Essas geometrias se tornaram essenciais para entender a relatividade geral de Einstein, mas não foram “encontradas”. Elas foram criadas a partir da nossa vontade de desafiar a realidade.

Quando a matemática e o mundo físico se encontram: um encontro arranjado ou amor verdadeiro?

A relação entre a matemática e o mundo físico é quase um romance complicado. A matemática parece descrever o universo de forma incrivelmente precisa, mas será que essa precisão é fruto de um relacionamento profundo ou apenas uma coincidência bem planejada? Quando observamos as leis da física, como as que descrevem as partículas subatômicas ou a gravidade, vemos fórmulas que encaixam quase perfeitamente, como se o universo tivesse passado na aula de matemática.

O físico Roger Penrose, famoso por sua visão poética do cosmos, acredita que a matemática é mais do que uma invenção humana. Para ele, a matemática revela estruturas que são intrínsecas ao universo. Em seu livro The Road to Reality, ele sugere que as leis matemáticas são fundamentais para entender a natureza do universo, como se elas fossem a partitura de uma sinfonia cósmica que toca desde o início dos tempos.

Max Tegmark, por outro lado, tem uma visão ainda mais radical. Para ele, o universo não é apenas descrito pela matemática — ele é matemática. Segundo Tegmark, toda a realidade física pode ser vista como uma estrutura matemática, onde tudo, desde uma pedra até uma galáxia, é uma expressão de equações e fórmulas. Se ele estiver certo, viveríamos literalmente dentro de um “manual de álgebra”, e o universo seria um grande laboratório de cálculos.

Inventando para descobrir ou descobrindo para inventar? um equilíbrio delicado

No fim das contas, a matemática talvez não precise escolher um lado nesse debate. Em muitos casos, conceitos fundamentais são tratados como descobertas, enquanto as ferramentas que usamos para explorá-los são vistas como invenções engenhosas. Pode-se imaginar a matemática como uma linguagem inventada por nós, mas que descreve verdades profundas e misteriosas que existem fora da mente humana.

Pense na música: as ondas sonoras e as frequências que formam notas existem no mundo físico, mas as escalas musicais, as harmonias e as sinfonias são invenções humanas que organizam esses sons em algo significativo. De forma semelhante, os números podem ser comparados a essas notas, e os teoremas e teorias que construímos seriam as nossas sinfonias matemáticas.

Talvez a matemática seja como uma lanterna, criada por nós, mas que ilumina paisagens que sempre estiveram lá, apenas esperando para serem vistas.

Fontes de reflexão e mais algumas perguntas

Para aqueles que se perguntam até onde vai essa discussão, algumas obras oferecem visões intrigantes. The Road to Reality, de Roger Penrose, é um mergulho profundo na estrutura matemática do universo, enquanto Max Tegmark nos provoca a imaginar que vivemos em um mundo feito de equações em Our Mathematical Universe. E Eugene Wigner nos desafia a pensar sobre a eficácia da matemática em descrever o mundo físico em seu artigo clássico.

Referências:

  1. Penrose, R. (2004). The Road to Reality: A Complete Guide to the Laws of the Universe. Vintage Books.
  2. Tegmark, M. (2014). Our Mathematical Universe: My Quest for the Ultimate Nature of Reality. Knopf.
  3. Artigo de Eugene Wigner: Link para leitura.

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