A mudança climática atual não tem nada de natural, dizem dois grandes estudos
Dois novos estudos demonstram que eventos de resfriamento e aquecimento climático antes da Era Industrial foram drasticamente menores do que o fenômeno global que estamos observando atualmente. Os trabalhos foram publicados nas revistas Nature e Nature Geoscience.
Os principais eventos de mudança climática registrados nos dois últimos milênios foram a Pequena Era do Gelo (entre os séculos XIV e XIX, no hemisfério norte) e o Período Quente Medieval (entre o século X e XIV, na Europa). Mas eles são localizados e pontuais em comparação com o aquecimento que estamos observando atualmente.
Gráficos brutalmente simples mostram as mudanças de temperatura nos últimos anos em vários países
Para chegar à esta conclusão, os pesquisadores estudaram 700 registros de temperaturas históricas, que incluem características de árvores, sedimentos, corais, depósitos em cavernas e documentos feitos por pessoas e registros de equipamentos. Assim, eles criaram um retrato global das mudanças climáticas deste a época dos romanos.
“A conclusão principal é que a variável climática no período contemporâneo é muito diferente do que tem acontecido nos últimos 2 mil anos. O calor e frio do passado eram regionais, enquanto o que vemos agora é global”, diz o cientista atmosférico Nathan Steiger, em uma coletiva de imprensa recente.
Se você estiver pensando que a Pequena Era do Gelo foi um evento global, saiba que uma extensa análise publicada na revista Nature não encontrou nenhuma evidência que confirme esta ideia. O que os pesquisadores encontraram foram temperaturas baixas em locais e épocas diferentes, mas mesmo assim este evento só atingiu metade do planeta.
Já no Período Quente Medieval, apenas 40% da superfície da Terra atingiu temperaturas altas.
Assim, a variação atual se destaca desses outros eventos. Este é o período mais quente dos últimos 2 mil anos, e isso pode ser observado em 98% do globo.
Já o estudo publicado na revista Nature Geoscience examinou as causas dos eventos climáticos, e concluiu que o aquecimento e resfriamento pré-industrial acontecia de forma primária por influência vulcânica.
Os dois trabalhos juntos concluem que esses eventos antes da Revolução Industrial eram locais e curtos, sem produzir mudanças globais. O evento climático atual, porém, está acontecendo em uma escala muito maior e não pode ser explicado apenas por variáveis naturais.
Apartheid Climático
As Nações Unidas acabam de publicar um relatório que alerta para um “Apartheid Climático” conforme as mudanças climáticas se intensificam.
Philip Alston, especialista em pobreza extrema e direitos humanos da ONU, explicou no Conselho de Direitos Humanos da ONU em Genova que milhões de pessoas vão passar por insegurança alimentar, migração forçada, doença e morte neste século por conta de crises causadas pelas mudanças climáticas.
“Isso poderia empurrar mais de 120 milhões de pessoas para a pobreza até 2030. A mudança climática ameaça desfazer os últimos 50 anos de progresso no desenvolvimento, saúde global e redução de pobreza”, diz ele.
Os maiores riscos são para as populações mais pobres dos países em desenvolvimento. Essas nações nem sequer são as mais responsáveis pela poluição por carbono, mas são as que vão sofrer seus impactos de forma mais severa.
“As pessoas em situação de pobreza tendem a viver em áreas mais suscetíveis às mudanças climáticas e em habitações que são menos resistentes; elas perdem relativamente mais quando afetadas; têm menos recursos para mitigar os efeitos; e recebem menos apoio de redes de segurança social ou do sistema de financiamento para prevenir ou se recuperar do impacto”, diz o relatório da ONU.
Eles estão mais vulneráveis aos desastres naturais que trazem doenças, destruição das plantações, alta de preço de alimentos, morte ou incapacidade.
Isso tudo ajuda a explicar porque apenas neste século atual, pessoas de países mais pobres têm morrido em desastres em uma taxa até sete vezes mais alta que cidadãos de países ricos. Este fenômeno será exacerbado conforme mais desastres naturais acontecerem.
“Arriscamos um ‘apartheid climático’ em que os ricos pagam para escapar do aquecimento, fome e conflito enquanto o resto do mundo é abandonado para sofrer”, alerta Alston.
Estes são os países com maiores chances de sobreviver ao aquecimento global
O relatório identifica falhas das lideranças dos governos e do setor privado como fator principal por trás da falta de ação para diminuir a velocidade em que as mudanças climáticas estão acontecendo.
A solução, explica Alston, é “fazer mudanças estruturais profundas na economia mundial”, adotando uma economia sustentável, ao mesmo tempo em que se oferece uma rede de segurança para trabalhadores que perderem seus trabalhos neste meio tempo.
O relatório admite que esses são desafios enormes, mas que não há outra alternativa. “Algumas pessoas e países ficaram incrivelmente ricas através de emissões sem pagar pelos custos disso. Ações climáticas não devem ser vistas como um impedimento de crescimento econômico, mas como uma motivação para dissociar o crescimento econômico das emissões e extração de recursos”, diz Alston.
[Science Alert, Science Alert, Relatório da ONU, Phys.org, Science Direct]