Se alguém negar a ciência usando “bom senso” use esse argumento perfeito para contradizê-lo

Por , em 14.07.2020
Crianças jogando xadrez

Todos cruzamos com essas pessoas em algum momento da nossa vida (ou o tempo todo, nos dias de hoje): alguém que oferece seus conselhos desinformados sobre todo tipo de tópico desde economia, política, problemas sociais a pandemias mundiais, mesmo que você nunca tenha pedido. Caso você não concorde com eles, mesmo deixando isso claro através de fatos sólidos, o recurso que usam é continuar negando. Esse é o efeito Dunning Kruger, talvez ignorância pluralística: quando uma pessoa acha que sabe muito mais do que na realidade sabe, quando a ignorância gera um senso de intitulação, fortalecendo ainda mais suas crenças ignorantes.

Recentemente um britânico chamado Tom Denton postou no Facebook uma analogia perfeita sobre o assunto usando os níveis de experiência de jogadores de xadrez: um jogador inexperiente contra um experiente, um experiente contra um expert e o resultado é brilhante.

Criança sem treino vs adulto sem treino

Aqui vão alguns fatos sobre como todos nós somos estúpidos…

O adulto médio sem treinamento em xadrez vencerá uma criança de cinco anos sem treinamento em xadrez 100 vezes a cada 100 jogos em condições normais.

O jogador médio [que alcançou rating] Elo 1600 — que provavelmente será um jogador com vários anos de experiência — vencerá 100 partidas contra adultos comuns a cada 100 jogos.

Um dos principais “super” Grandes Mestres derrotará aquele jogador com classificação [Elo] 1600 100 vezes a cada de 100 partidas.

Essa distribuição é bem semelhante em outros domínios que exigem habilidades puramente mentais e não físicas, mas é fácil de medir no xadrez, porque há um sistema de classificação muito preciso e um registro de milhões de jogos como base.

As chances são literalmente nulas:

Uma pessoa comum nas ruas, sem treinamento ou experiência, nem se registraria como um desafio. Para um super Grande Mestre, não haveria diferença quantificável entre eles e uma criança de cinco anos não treinada em como eles são fáceis de vencer. Suas chances são literalmente zero.

Os melhores desempenhos em um domínio intelectual superam até mesmo um amador experiente por uma margem semelhante àquela com a qual o adulto médio superaria a criança média de cinco anos de idade. Aquele amador experiente pode inventar um ou dois movimentos, o que faria o super Grande Mestre pensar um pouco, mas suas chances de ganhar são efetivamente nulas.

Porque isso é interessante

O que realmente está sendo medido pela sua classificação Elo no xadrez é a sua capacidade de compreender uma posição, levar em conta os fatores que a tornam favoráveis ​​para um lado ou outro e escolher uma jogada que melhore sua posição. Faça isso melhor do que as outras pessoas com regularidade, você terá uma classificação mais alta do que elas.

Portanto, a capacidade de alguém como Magnus Carlsen, Alexander Grischuk ou Hikaru Nakamura de compreender e processar de forma inteligente uma posição de xadrez ultrapassa o adulto médio em maior extensão do que a capacidade desse adulto supera a de uma criança de cinco anos.

Traduzindo isso para a realidade do mundo

Dado isso, parece provável que os melhores desempenhos em outros domínios intelectuais superem o adulto médio por uma margem semelhante. E isso parece se confirmar por artistas de elite que eu classificaria como os “super-mestres” de seus campos, como, por exemplo, Collier em teoria musical ou Ramanujan em matemática. Em seus respectivos domínios, sua capacidade de compreender e processar de forma inteligente informações específicas de seu domínio está, aparentemente — embora menos quantificável do que no xadrez — muito além das capacidades de até mesmo um amador experiente que seu pensamento seria praticamente impenetrável para um novato total.

Isso finalmente quer dizer

Isso significa que as tentativas das pessoas de aplicar o “senso comum” — isto é, o pensamento destreinado — para criticar pesquisas científicas, ou históricas, ou análises estatísticas, ou um modelo matemático ou uma política econômica são como uma criança de cinco anos aparecendo no trabalho de seus pais e insistindo que sabem como fazer melhor.

Imagine.

Eles não apenas estariam errados, como dificilmente entenderiam a explicação de por que estavam errados. E então eles choram, ainda sem entender, ainda acreditando que estão certos e que todo o mundo adulto deve estar contra eles. Você sabe, como os “pesquisadores” no Facebook.

É a isso que confiar no “senso comum” te leva. Para um especialista de verdade você parece uma criança que está tendo uma birra porque o mundo é muito complicado para você entender.

E isso, meus amigos, é ciência.

Tom Denton

O poder das previsões do sistema matemático de rating Elo

De acordo com Valério Vivekananda Zilber, enxadrista e economista formado pela UFPR “o ponto alto [no sistema Elo] do xadrez é que um jogador forte é forte em uma quantidade infinita de partidas, pois somente com treinos em aberturas, estratégias, táticas e finais se chega a uma boa compreensão do jogo.

O enxadrista também afirma que “o senso comum em xadrez (alguém que sabe mover as peças ou conhece algo de estratégia) é um alvo fácil e sem chances contra qualquer jogador de clube. Não teria a menor chance mesmo! O rating no xadrez é um dos modelos matemáticos que medem de fato a força de um jogador. É um método muito eficaz.”

Se um jogador forte de nível avançado que tenha cerca de 2150 de rating jogar contra o Magnus Carlsen (2880 de rating) é fato consumado que a cada 100 partidas o Carlsen o esmagará nas 100 sem qualquer chance de empate.

Valério Vivekananda Zilber

“O rating no xadrez mede os jogadores de forma muito precisa, pois se calcula com a média ponderada de pontuações em torneios fortes, o que fica evidente que não há montanha russa em resultados no xadrez”, Valério conclui.

2 comentários

  • Jagal:

    Teria que fazer um treinamento em genética, por exemplo, o contribuinte comum para estar apto a votar e escolher um político segundo este defenda ou não alimentos transgênicos? A continuar nesta linha de descredenciar a opinião do leigo não levará a submissão apática da sociedade a um governo só de tecnocratas prepotentes? Xeque mate na democracia? Meu senso comum me leva a crer que melhor atitude era a de Carl Sagan: Divulgar ciência ao invés de querer transformá-la num hermetismo ao entendimento do homem comum, precisamente aquele que mais sofre as nefastas consequências do mau uso da ciência. E o mau uso desta não é nada raro.

    • Cesar Grossmann:

      Sir Bertrand Russell sugeriu que as pessoas não tomassem por verdadeiro o que fosse contrário ao consenso dos especialistas, e se abstivessem de formar opinião ou julgamento quando os especialistas não chegassem a um consenso ou concluíssem que não há dados suficiente para chegar a um consenso. O artigo em inglês é “On the Value of Scepticism”.

      Basicamente é verificar se uma frase foi proferida por um especialista e se ela representa o consenso dos especialistas. Agora, se um candidato fala de alguma coisa que o leigo não conhece e não quer ou não tem tempo para ir atrás, o que é melhor fazer? Ignorar aquela afirmação e verificar outros parâmetros para conhecer.

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