Cientistas Brasileiros Descobrem o Composto da Maconha em uma outra Planta

Por , em 9.10.2024
Um tipo de Trema micrantha. (Daniel Pineda Vera/iNaturalist/CC BY 4.0)

Imagine encontrar um tesouro escondido no seu próprio quintal. É exatamente o que aconteceu com uma equipe de pesquisadores no Brasil, que encontrou canabidiol (CBD) — um dos compostos mais conhecidos da cannabis — em uma planta que muitos consideravam apenas uma erva daninha. Essa descoberta pode revolucionar a forma como produzimos o CBD e abrir novos caminhos para a medicina.

Uma Erva Daninha com Segredos

A planta em questão é a Trema micrantha blume, um arbusto de folhas verdes que se espalha facilmente por boa parte do Brasil. Ela é vista por muitos como uma planta invasora, mas, para os cientistas, revelou-se um verdadeiro baú de possibilidades. Rodrigo Moura Neto, biólogo molecular da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e sua equipe descobriram que essa planta contém CBD em seus frutos e flores.

O CBD tem ganhado destaque nos últimos anos por suas aplicações na medicina, especialmente no alívio de sintomas de condições como epilepsia, dores crônicas e ansiedade. Diferente de seu primo famoso, o THC, que é responsável pelos efeitos psicoativos da cannabis, o CBD oferece benefícios terapêuticos sem “a viagem”.

A pesquisa de Neto revelou algo ainda mais interessante: a Trema micrantha não contém THC, o que significa que ela poderia ser uma alternativa legal ao cultivo de cannabis em lugares onde a planta ainda é proibida, como no Brasil.

A Promessa de um Ouro Verde

Transformar a Trema em uma nova fonte de CBD pode ser uma solução tanto econômica quanto ambiental. Essa planta cresce de maneira espontânea e abundante em todo o país, o que tornaria a produção de CBD mais simples e acessível, sem a necessidade de infraestrutura complexa. Em termos práticos, seria como trocar uma plantação de orquídeas raras por um jardim de margaridas.

Com a ausência de THC, a Trema também tem o potencial de contornar barreiras legais e regulatórias que dificultam o uso medicinal da cannabis em muitas partes do mundo. Se a Trema pudesse fornecer CBD legalmente, seria um alívio para muitos pacientes que dependem do composto para aliviar seus sintomas.

Rodrigo Neto e sua equipe agora planejam aprofundar as pesquisas, buscando métodos eficazes para extrair o CBD dessa planta pouco valorizada e avaliar seu impacto em tratamentos já consolidados com cannabis medicinal.

Um Futuro Promissor e Desafiante

A pesquisa recebeu um impulso financeiro considerável: uma bolsa de 500 mil reais (aproximadamente US$ 104 mil) do governo brasileiro. Neto estima que serão necessários ao menos cinco anos para compreender plenamente como extrair o CBD de forma eficiente e testá-lo em tratamentos clínicos.

O mercado global de CBD está em plena expansão, avaliado em cerca de 5 bilhões de dólares (aproximadamente 25 bilhões de reais) e com previsão de crescer para mais de 47 bilhões de dólares (cerca de 235 bilhões de reais) até 2028. A demanda crescente vem, sobretudo, do setor de saúde e bem-estar, onde o CBD tem sido usado para tratar uma série de condições. No entanto, encontrar uma forma mais barata e acessível de obter o composto poderia ser um divisor de águas para pacientes e para a economia.

A Ciência por Trás do CBD e Seus Desafios

O que torna o CBD tão especial? O canabidiol interage com o sistema endocanabinoide do corpo humano, uma rede de receptores que ajuda a regular funções como sono, dor e resposta imunológica. Diferente do THC, que ativa receptores de forma intensa, o CBD age mais como um maestro discreto, coordenando de maneira sutil o equilíbrio do corpo sem causar euforia.

Ainda que o potencial terapêutico do CBD seja promissor, muitos estudos são preliminares, e há questões sobre a dosagem e a forma ideal de consumo. Por isso, as descobertas de Neto podem ajudar a fornecer uma fonte mais pura e acessível do composto, permitindo que mais pesquisas avancem sem os desafios legais associados à cannabis.

O Futuro da Trema: Uma Alternativa Sustentável

O uso da Trema micrantha como fonte de CBD poderia também trazer benefícios ecológicos. Sendo uma planta nativa e abundante, seu cultivo em larga escala seria menos invasivo ao meio ambiente do que a expansão de plantações de cannabis em locais onde a planta não é natural. Em vez de desmatar para plantar, os cientistas poderiam transformar a paisagem natural em aliada na produção de medicamentos.

E quem sabe, num futuro não tão distante, o arbusto antes desprezado como uma praga se torne um símbolo de inovação e esperança para aqueles que dependem do CBD para melhorar sua qualidade de vida.

Essa história mostra que, no mundo da ciência, até o que parece ser um simples mato pode esconder segredos valiosos, transformando a forma como cuidamos da saúde e do bem-estar. Às vezes, a resposta para grandes questões está onde menos esperamos — às margens das estradas, disfarçada de erva daninha.

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