De acordo com um novo estudo, extraterrestres humanoides deveriam ter evoluído em outros planetas como a Terra, tornando-se cada vez mais paradoxal o fato de que ainda não demos de cara com algum deles.
O argumento é um dos vários que emerge do livro “Runes of Evolution” (“Runas da Evlução”, em tradução livre), obra na qual o proeminente biólogo evolucionista Simon Conway Morris defende um “mapa da vida” onipresente que governaria a forma como todas as coisas vivas se desenvolvem.
A ideia baseia-se no princípio de evolução convergente, uma teoria amplamente apoiada – embora ainda contestada por alguns biólogos – na qual diferentes espécies evoluem características semelhantes de forma independente. O pesquisador argumenta que a convergência não é apenas comum, mas está em todos os lugares, e que tem governado todos os aspectos do desenvolvimento da vida na Terra. Proteínas, olhos, pernas, inteligência, a habilidade de fazer ferramentas – até mesmo a nossa capacidade de ter orgasmos – são, argumenta ele, inevitáveis uma vez que a vida emerge.
O livro afirma que a evolução é, portanto, longe de ser aleatória, mas um processo previsível que opera de acordo com um conjunto bastante rígido de regras. Se for esse o caso, então formas de vida semelhantes às da Terra também se desenvolveriam nas condições certas em outros planetas equivalentes. Dado o número crescente de planetas como a Terra que os astrônomos descobrem, Conway Morris acredita ser cada vez mais extraordinário que seres extraterrestres parecidos conosco ainda não tenham sido encontrados.
Padrão evolutivo
“A convergência é um dos melhores argumentos para a adaptação darwiniana, mas a sua quase onipresença não é apreciada”, diz o professor, que é membro da Faculdade de St John da Universidade de Cambridge, no Reino Unido. “Muitas vezes, pesquisas sobre a convergência são acompanhadas por exclamações de surpresa, descrevendo-a como estranha, notável e surpreendente. Na verdade, ela está em todos os lugares, e isso é uma indicação notável que a evolução está longe de ser um processo aleatório. E se os resultados da evolução são pelo menos amplamente previsíveis, então o que se aplica na Terra se aplicará em toda a Via Láctea e além”.
Na Conferência Royal Society em Londres, em 2010, o biólogo já havia levantado a possibilidade de que a vida alienígena, se existir, seria semelhante aos terráqueos – com membros, cabeças e troncos. Seu novo livro vai ainda mais longe, porém, acrescentando que qualquer planeta como a Terra também deve evoluir predadores tuniformes (como tubarões), plantas carnívoras, manguezais e cogumelos, entre muitas outras coisas.
Membros, cérebro e inteligência seriam, assim, “quase garantidos”. Traços de inteligência semelhante à humana evoluíram em outras espécies – o polvo e algumas aves, por exemplo, exibem brincadeiras sociais – e isto, o livro sugere, indica que a inteligência é uma consequência inevitável da evolução que também caracterizaria extraterrestres.
Conway Morris alega que a convergência é demonstrável em cada grande trampolim na história evolutiva, indo das células iniciais até o surgimento de tecidos, sistemas sensoriais, membros e a capacidade de fazer e usar ferramentas.
A teoria da evolução convergente
Em essência, a teoria diz que espécies diferentes irão evoluir soluções para problemas semelhantes por meio de caminhos diferentes. Um exemplo comumente citado é o polvo, que evoluiu um olho muito semelhante ao dos humanos, ainda que distinto em aspectos importantes que refletem a sua própria história. Embora os polvos e os seres humanos tenham um ancestral comum, possivelmente uma criatura parecida com uma lesma, este viveu há 550 milhões de anos e não dispunha de inúmeras funcionalidades complexas que ambos têm agora. Os olhos de cada um deles deve, portanto, ter evoluído de forma independente.
Conway Morris argumenta que este processo oferece um quadro evolutivo subjacente que define toda a vida e leva a inúmeras surpresas no mundo natural. O livro cita exemplos, tais como o colágeno, a proteína encontrada no tecido conjuntivo, que surgiu independentemente nos fungos e nas bactérias; ou o fato de que as moscas da fruta parecem se embebedar da mesma maneira que os seres humanos. Além disso, também cita o nojo dos seres humanos – um instinto que nos ajuda a evitar infecções e doenças -, que também é exibido por formigas cortadeiras.
O estudo ainda identifica “análogos” evolutivos muitos menos óbvios, nos quais as espécies evoluíram certas propriedades e características que não aparentam ser iguais, mas são, na verdade, muito semelhantes. Por exemplo, “hábitos semelhantes aos de pica-paus” são vistos em lêmures e marsupiais extintos, enquanto a mecânica de tentáculos do polvo é muito mais próxima à de um braço humano do que poderíamos esperar, e até mesmo suas ventosas podem funcionar de maneira que lembra um pouco as nossas mãos.
Conway Morris alega que toda a vida navega por este mapa evolucionário, a base do que ele descreve como uma “biologia preditiva”. “A biologia viaja através da história, mas acaba muitas vezes no mesmo destino”, escreve.
Vários mundos de possibilidades
Tudo isso, no entanto, levanta questões fascinantes e problemáticas sobre a possibilidade de vida em outros planetas. “O número de planetas como a Terra parece ser muito maior do que se pensava possível até poucos anos atrás”, diz o autor. “Isso não significa necessariamente que eles têm vida, porque nós não necessariamente entendemos como a vida se origina. O consenso oferecido pela convergência, no entanto, é que a vida vai evoluir sempre que puder”.
O biólogo evolucionista afirma que qualquer zona habitável que não ferva ou congele dará origem a vida inteligente, “porque a inteligência é convergente”. “Pode-se dizer com confiança razoável que a probabilidade de algo análogo a uma evolução humana é realmente muito alta”, garante. Para ele, não importa que a inteligência só aconteça em, por exemplo, um a cada 100 destes planetas; mesmo assim haveria um grande número de inteligências espalhadas por aí, que podem ser semelhantes a nós.
O que falta?
Se as coisas realmente forem assim, como sugere o livro em sua introdução, então o famoso paradoxo de Enrico Fermi – por que, se os alienígenas existem, nós ainda não fomos contactados – fica ainda mais desorientador. “A quase certeza de que os ETs estão lá significa que algo não se encaixa, e de maneira ruim”, aponta Conway Morris. “Nós não deveríamos estar sozinhos, mas estamos”.
Produzido ao longo de seis anos, “Runes of Evolution” baseia-se em milhares de fontes acadêmicas e traz várias novas descobertas surpreendentes. Dentes de sabre, por exemplo, são convergentes, e o professor explica por que o leopardo-nebuloso (Neofelis nebulosa) desenvolveu características que poderiam, ao longo do tempo, “trazer o presságio do surgimento de um novo dente de sabre” – contudo, infelizmente, parece que a espécie vai ser extinta antes que isso aconteça. Em outro momento, o estudo sugere que outras criaturas pré-históricas, além de morcegos e aves, podem ter tentado evoluir a habilidade de voar.
“As pessoas ficam um pouco desconfortáveis com o fato de que a evolução chegar as mesmas soluções para perguntas sobre como pegar algo, como digerir alguma coisa”, diz o cientista, explicando que, apesar de o número de possibilidades da evolução ser, a princípio, mais do que astronômico, as coisas que realmente funcionam formam uma fração infinitesimal menor. [Phys.org]