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O altruísmo de Madre Teresa: mito ou realidade?

Madre Teresa de Calcutá é reconhecida por muitos como símbolo do altruísmo e do serviço aos mais necessitados. Ela fundou a congregação Missionárias da Caridade e, por sua atuação em lugares de extrema miséria, é também chamada de “santa das sarjetas” – embora não tenha sido canonizada, e sim beatificada (em 2003). A ausência de “manchas” na figura de Madre Teresa no imaginário popular, contudo, despertou a curiosidade de pesquisadores do Canadá.

Eles analisaram 287 documentos sobre Madre Teresa (96% da literatura disponível sobre ela) e encontraram problemas que não teriam sido levados em conta em seu processo de beatificação, como “a maneira duvidosa como cuidava dos doentes, seus contatos políticos questionáveis, sua administração suspeita de enormes somas de dinheiro recebidas, e suas posições excessivamente dogmáticas, em particular, a respeito de aborto, contracepção e divórcio”.

Madre Teresa abriu 517 missões para acolher pobres e doentes em mais de 100 países. Porém, mesmo com milhões de dólares arrecadados pela congregação, muitas dessas missões seriam insalubres, apontam os pesquisadores, baseados em testemunhos de médicos que visitaram algumas delas.

Ao receber o Prêmio Nobel da Paz, em 1979, Madre Teresa declarou: “Eu sinto que o grande destruidor da paz hoje em dia é o aborto, porque é uma guerra direta, uma morte direta – um assassinato direto por parte da própria mãe”. Tal declaração sem dúvida desagradou pessoas que defendem o aborto em caso de gestações indesejadas. Outro posicionamento polêmico seria a respeito do sofrimento: por considerar que a dor seria uma forma de partilhar o sofrimento de Cristo e, dessa forma, colaborar com a redenção da humanidade, Madre Teresa tinha ressalvas quanto ao uso de analgésicos, mesmo em casos de dor intensa causada por doenças terminais.

No livro The Missionary Position Christopher Hitchens demonstra que Madre Teresa se soltava da sua religião e circulava pelo cenário político mundial apoiando e promovendo déspotas e vigaristas conhecidos em troca de doações para sua missão. Dois anos antes de morrer Madre Teresa já era amplamente divulgada como forte candidata a beatificação e futuramente a santidade dada sua fama. Isso de fato ocorreu em 2003, quando o Vaticano reconheceu um suposto milagre dela na cura de um tumor de uma mulher na Índia. Foi amplamente divulgado tanto pelo marido quanto por médicos da mulher que o problema que a afligia não era um tumor e sim um cisto e que a cura havia ocorrido pelo tratamento médico convencional, fato que não interrompeu o Vaticano de continuar com o processo de beatificação.

À seguir você pode conferir um trecho de um programa em que Hitchens participa sobre Madre Teresa. O vídeo está em inglês:

Frutos, mesmo da imperfeição

Mesmo considerando pouco o espaço que as falhas da beata receberam na mídia, a equipe reconhece o valor da imagem excessivamente positiva. “Se a extraordinária imagem de Madre Teresa carregada no imaginário coletivo encorajou iniciativas humanitárias que genuinamente se comprometeram com aqueles esmagados pela pobreza, só podemos nos contentar”, escrevem, em artigo publicado no periódico Studies in Religion. “É provável que ela tenha inspirado muitos trabalhadores humanitários cujas ações realmente aliviaram o sofrimento de necessitados e que lidaram com as causas da pobreza e do isolamento sem serem exaltados pela mídia”.

Diante das controvérsias, porém, eles ressaltam que “a cobertura midiática de Madre Teresa poderia te sido um pouco mais rigorosa”.

O estudo pode surpreender pessoas que estão acostumadas a ver Madre Teresa como uma pessoa infalível. Quanto a isso, a escritora Sarah Albertini-Bond faz um questionamento: “Por que nós temos essa necessidade de defender com afinco santos (ou, no caso de Madre Teresa, aqueles que foram beatificados) de questionamentos, ou lavar algumas de suas mais interessantes falhas humanas?”.

“Eu tenho um respeito saudável por santos, então meu questionamento não é para derrubá-los, mas sim para apontar que, se alguém é santo, então certamente suportou em vida mais do que poderíamos”, diz. Para ela, retratar os santos como criaturas perfeitas poderia torná-los distantes e, assim, menos inspiradores. “Nós precisamos que os santos retenham sua humanidade. Nós precisamos saber, e acreditar, que eles são como nós – imperfeitos e, ainda assim, próximos de Deus”.

Agradecimento: ao pesquisador Serge Larivée, um dos autores do estudo, por encaminhar a pedido do Hypescience uma cópia de seu artigo. [DNAIndia, The Times of India, Studies in Religion, Patheos, The Groover]

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