O experimento da Prisão de Stanford teve falhas graves

Por , em 18.06.2018

Cinquenta anos depois da realização do estudo psicológico mais famoso do mundo, da Prisão de Stanford, os participantes e organizador Philip Zimbardo ainda recebem pedidos frequentes de entrevistas. O experimento durou apenas seis dias, e ainda assombra os envolvidos nele e faz parte do imaginário social do mundo todo.

Inicialmente, o estudo foi aclamado nos EUA como uma justificativa perfeita para a falta de eficácia na reabilitação de prisioneiros das cadeias americanas. Já na Europa, foi visto como uma explicação para o comportamento sanguinário de nazistas durante o holocausto. Mas desde a virada o século psicólogos e pesquisadores do mundo inteiro têm encarado o estudo com outros olhos.

Ele contém falhas importantes de metodologia, e tentativas de replicação do experimento por outros pesquisadores não encontraram o mesmos resultados. Agora, novos documentos sobre o experimento foram colocados à disposição do público, e um escritor dos EUA realizou novas entrevistas com o organizador e participantes para escrever um livro sobre um julgamento de um criminoso que recebeu uma pena bastante branda ao usar o estudo de Stanford em sua defesa.

Este escritor se chama Ben Blum, e escreveu um livro sobre seu próprio primo, Alex Blum, um soldado do exército americano de 19 anos que em 2006 assaltou um banco com seu superior do exército, e defendeu-se dizendo que só fez o que fez porque acreditava se tratar de um treinamento. Sua defesa utilizou o estudo de Stanford para argumentar que o jovem não tinha consciência do que fazia por conta de seu contexto no exército e por estar seguindo ordens de seu superior.

Anos depois, porém, Alex admitiu para Ben que sabia exatamente o que estava fazendo, e que assumir responsabilidade por sua ação tinha sido muito benéfico para ele. Intrigado com o caso, Ben começou sua extensa pesquisa sobre o experimento, e entrevistou Zimbardo duas vezes, assim como voluntários que nos anos 1970 cumpriram papéis de guardas ou prisioneiros no estudo.

Prisioneiro fingiu psicose

O voluntário mais famoso foi Douglas Korpi, um estudante que fez papel de prisioneiro e nos vídeos do experimento é ouvido berrando que estava pegando fogo por dentro. Baixinho e descabelado, ele foi preso em um quartinho no porão do departamento de psicologia da universidade de Stanford, vestindo apenas uma camiseta larga com o número 8612. Na época, ele tinha 22 anos, e topou participar do estudo pelos US$15 diários que receberia.

Hoje um psicólogo forense, ele relembra sua participação no experimento: “qualquer psicólogo saberia que eu estava fingindo. Se você ouvir a fita, não é nada sutil. Não sou um bom ator. Quero dizer, eu acho que eu fiz um bom trabalho, mas eu estava mais histérico do que psicótico”, disse ele em 2017 a Ben Blum em uma das poucas longas entrevistas concedidas recentemente.

Korpi admitiu que seu comportamento histérico foi causado por medo, mas não por medo dos guardas, como defendido no estudo. Ao invés disso, ele estava com medo de não passar em uma prova seletiva para um programa de pós-graduação que ele faria dali alguns dias.

“O motivo que eu aceitei este emprego foi que pensei que eu teria o dia inteiro para sentar e estudar para o exame”. Mas assim que o experimento começou, ele pediu para ter acesso aos livros e cadernos para estudar, mas os guardas negaram o pedido. Então ele precisava sair de lá o quanto antes. Primeiro, Korpi fingiu que estava com dor de barriga. Quando isso não ajudou, ele fingiu ter uma crise nervosa.

Ao invés de sair traumatizado, conforme descrito no estudo, ele conta que se divertiu no porão do departamento de psicologia da universidade. “O primeiro dia foi divertido. A rebelião foi divertida. Não houve repercussões. Nós sabíamos que os guardas não poderiam nos machucar. Eles eram universitários brancos como nós, então era uma situação segura. Foi apenas um trabalho. Eu podia gritar e berrar e agir histericamente. Eu podia agir como um prisioneiro. Eu fui um ótimo empregado”, descreveu ele.

O problema foi quando disseram que ele não podia desistir do experimento para poder estudar para a prova. “Eles mudaram o jogo ao dizer que eu não podia sair”, relata.

Sequestro

Outros prisioneiros, Richard Yacco e Clay Ramsay, contaram a mesma coisa. Eles ficaram surpresos ao descobrir que não podiam sair, e um deles fez greve de fome. Apesar de o experimento ter sido interrompido apenas seis dias depois do início ao invés dos 15 dias planejados, todos os presos voluntários poderiam ter recebido uma grande compensação ao processar o pesquisador por sequestro.

Já Zimbardo afirmou em entrevista a Ben que ninguém ficou preso contra a vontade, e que havia uma frase de segurança, “eu desisto do experimento”, que poderia ser usada em casos de emergência. Mas o contrato de participação assinado por todas as partes não menciona esta frase.

Além deste problema ético e legal, há ainda o problema da manipulação da performance dos guardas. Na reunião de orientação do grupo de guardas, Zimbardo deixou bem claro aos voluntários que o papel deles era induzir um estado mental de impotência e medo nos prisioneiros. Ele deveria ter deixado este grupo agir naturalmente para avaliar o comportamento deles.

Os guardas que não agiam com a brutalidade esperada levavam bronca, e isso causava o comportamento que Zimbardo alegou depois ter surgido de forma orgânica.

Replicação na Inglaterra

Uma tentativa de replicação do estudo realizada na Inglaterra em 2001 permitiu que os guardas agissem da forma que preferissem, e também permitiu que os voluntários prisioneiros desistissem quando quisessem. O resultado foi que os prisioneiros se uniram e conseguiram muitos privilégios dos guardas, que passaram a se comportar cada vez mais de forma passiva.

Os pesquisadores desse estudo britânico, Alex Haslam e Stephen Reicher, afirmam que um fator crítico para pessoas que cometem atrocidades é haver um líder que diga elas estão ajudando uma boa causa, por exemplo o progresso científico ou a reforma do sistema prisional. Haslam e Reicher acreditam que os guardas do estudo de Stanford agiram com brutalidade porque se identificaram com a causa defendida por Zimbardo. Assim, Zimbardo teria agido de forma mais política do que científica, defendendo uma reforma no sistema de punição dos EUA e do mundo.

Desde o início do experimento, Zimbardo lançou mão da mídia para tornar seu trabalho conhecido. Ele chamou a estação de TV de São Francisco KRON para filmar a simulação de prisão dos voluntários prisioneiros, e enviava press releases frequentes para o canal. O estudo finalizado, ao invés de ser enviado para uma revista de psicologia para ser avaliada pela comunidade científica, foi enviada para a revista da New York Times. Mais tarde, quando finalmente o artigo científico foi publicado, isso não aconteceu em revistas de psicologia, mas sim em revistas sobre o sistema prisional dos EUA.

Já o estudo de 2001 encontrou dificuldade de publicação, uma vez que Zimbardo enviava cartas para as revistas científicas acusando os pesquisadores de fraude. O trabalho finalmente foi publicado na revista British Journal of Social Psychology, com a adição do comentário de Zimbardo, que dizia: “eu acredito que este chamado ‘estudo de campo psicológico’ é fraudulento e não merece mérito da comunidade de psicologia da Inglaterra, dos EUA ou de qualquer outro lugar além da mídia de psicologia”.

Este estudo deve ser ignorado?

Com tantos problemas éticos e de metodologia, muitos autores de materiais sobre psicologia para universitários não incluem o estudo em livros acadêmicos, enquanto outros o fazem com muitas críticas. Alguns preferem não se referir a ele como um “estudo”, e sim como um “acontecimento”.

Muitos professores de psicologia, porém, preferem continuar usando o caso nas disciplinas de introdução ao curso. Um deles, o professor Kenneth Carter da Universidade Emory (EUA), diz que mesmo não sendo cientificamente perfeito, o estudo da prisão de Stanford ainda é valioso para estudantes lembrarem que situações em que há excesso de poder podem alterar o comportamento dos indivíduos. “Essa história é maior que a ciência”, diz ele.

Zimbardo afirmou na segunda entrevista para Ben Blum que não pretende mais falar publicamente sobre o assunto, por ver este tipo de entrevista como uma perda de tempo. Mesmo confrontado com críticas de outros pesquisadores, Zimbardo diz que o estudo continuará no imaginário de todos porque é o experimento psicológico mais famoso do mundo. Mesmo assim, ele conta que preferia ser famoso não por este experimento, mas sim pelo trabalho com pacientes extremamente tímidos que desenvolveu muito mais tarde em sua carreira.

Para Ben Blum, o mais atraente no experimento da prisão vai além da validação científica. “Talvez ele nos conte uma história sobre nós mesmos que queremos desesperadamente acreditar: que nós, como indivíduos, não podemos ser responsabilizados por coisas repreensivas que fazemos às vezes”, escreve ele. Isso é libertador e é uma forma de redenção em uma época de valorização da ciência.

Confira o relato completo de Ben Blum aqui, em inglês.

Confira aqui vídeo sobre o Experimento da Prisão de Stanford, que mostra imagens de 1971:

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