Modelo Padrão da Física: o que é e de onde veio?

Por , em 10.07.2013

Já abordamos aqui o Modelo Padrão da Física de Partículas, uma coleção de 17 partículas e quatro forças. Ele é considerado um triunfo da ciência e os físicos o chamam de “elegante”, mas aparentemente só eles veem elegância no modelo. Você já se perguntou por que estas 17 partículas? Por que não 18? Ou 16? Ou se você pode desenhar mais um quadrinho e inventar a sua partícula, o “bóson do leitor do HypeScience”?

Modelo Padrão da Física

O universo é cheio de coisas, que por sua vez são feitas de átomos, que por sua vez são feitos de coisas menores ainda, os prótons, nêutrons e elétrons.

Mas estas partículas não são fundamentais. Prótons e nêutrons são feitos de quarks, que são mantidos unidos por glúons. Existem os neutrinos, que não interagem com a matéria, e também os bósons de Higgs, que desaparecem rapidamente, decaindo em outras partículas. Chamamos de Modelo Padrão o conjunto destas partículas e a forma como interagem.

Mas no coração de toda esta física está a simetria. Praticamente todas as partículas saem do mesmo molde, e o que parecem ser duas partículas diferentes são também duas formas de ver a mesma partícula, ou quase isso.

Existem dois tipos fundamentais de partículas: os férmions, que incluem os quarks, elétrons e neutrinos (os dois primeiros são as partículas que fazem a matéria), e os bósons, que são as partículas que fazem a transmissão ou comunicação de várias forças. Temos aí os fótons, os bósons W e Z, os glúons e o famoso bóson de Higgs.

Férmions, spin e SU(2)

Uma das ideias básicas do modelo padrão é que realmente só existe um tipo de férmion, uma espécie de meta-partícula da qual todas as outras são originadas.

Não vamos aqui fazer a derivação de todo o modelo; existe uma matemática muito complexa por trás disso. Mas vamos ver como tudo se encaixa.

Comecemos com o spin. O que é o spin? Em termos simples, podemos imaginar que todos os elétrons – e todos os férmions – estão girando, como um pião. Esta é uma simplificação, e você precisa ter isto em mente quando for brincar de Modelo Padrão.

De qualquer forma, um elétron pode estar girando no sentido anti-horário quando visto de cima (“spin-up”) ou horário (“spin-down”), e como a rotação de uma partícula carregada cria um campo magnético, é fácil descobrir que tipo de elétron você tem – basta testar o campo magnético criado por ele.

Elétrons spin-up e spin-down são muito parecidos: têm a mesma carga, a mesma massa e se repelem de forma idêntica. E é extremamente fácil transformar um elétron de um tipo em outro, basta jogá-lo em um campo magnético variante.

Mas, dependendo da forma que você vê isso, você pode pensar em elétrons spin-up e spin-down como sendo dois tipos diferentes de partículas ou uma partícula com dois estados diferentes. Esta é uma simetria, e recebeu o nome matemático de SU(2) e é o tipo de simetria que aparece o tempo todo no dia-a-dia, como quando descrevemos algo como estando “à sua esquerda” ou “à sua direita” – ou seja, depende do seu ponto de vista. Basicamente, o SU(2) é um formalismo que descreve a mecânica da rotação dos spins mecânicos quânticos.

A diferença entre partículas com spin-up e down parece ser pequena, mas é importante: o  princípio de exclusão de Pauli afirma que dois elétrons com o mesmo spin não podem ocupar o mesmo orbital.

Força fraca

Outra simetria que é parecida com a dos spins é a relação entre elétrons e neutrinos. Elétrons e neutrinos têm muito em comum: são bastante leves (embora o neutrino seja muito mais leve), têm o mesmo spin e são classificados como léptons. Da mesma forma que elétrons spin-up e spin-down, elétrons e neutrinos podem ser intercambiados, mas só em certas circunstâncias. A “força nuclear fraca”, que, apesar do nome, é em parte responsável pela energia do sol, não faz diferença entre elétrons e neutrinos.

O interessante é que a mecânica da força fraca foi descoberta muito antes de existir um modelo matemático para descrevê-la, e a estrutura conceitual ficou incompleta até o desenvolvimento do modelo e a descoberta do neutrino. Outro detalhe interessante é que neutrinos e elétrons, simétricos em relação à força fraca, não são simétricos em relação à força eletromagnética, pois o neutrino é eletricamente neutro, diferente do elétron.

Como a matemática descrevendo a relação de simetria entre elétron e neutrino é idêntica à que descreve o elétron spin-down e spin-up, dizemos que ela tem uma simetria SU(2). Mas as simetrias não terminam aqui. Da mesma forma que um campo magnético pode mudar o spin de um elétron através da interação com um fóton, é possível transformar neutrinos em elétrons e vice-versa através da interação com uma ou mais partículas, os hipotéticos bósons W e Z – que deixaram de ser hipotéticos quando foram descobertos em 1983.

Só que a descoberta dos bósons W e Z foi um choque. O modelo dizia que eles não tinham massa, mas eles tinham bastante massa – cerca de 100 vezes a massa dos prótons. Para consertar o quadro, inventaram o bóson de Higgs, uma gambiarra para corrigir um problema de “a teoria e os fatos não concordam”, até que também encontraram o bóson de Higgs.

Quarks

Para completar nosso modelo, temos os quarks. Da mesma forma que elétrons e neutrinos são “a mesma partícula” de uma certa maneira, na interação com a força fraca, um quark up pode ser transformado em um quark down e vice-versa pelo mesmo mecanismo.

E os quarks também tem uma outra propriedade, que foi chamada de “cor”, mas é mais parecida com um tipo de carga elétrica. Só que, diferente da carga elétrica, existem três “cores” de quarks, “vermelho”, “verde” e “azul” (só para deixar claro: eles não são coloridos).

Da mesma forma que podemos trocar neutrinos e elétrons sem afetar as interações fracas, todos os quarks “vermelhos” podem ser trocados por “verdes” ou qualquer outra combinação de cor, sem afetar a força forte. Esta é uma simetria SU(3). E a partícula inventada para permitir a mudança de cor é o glúon, partícula que mantém prótons e nêutrons unidos no núcleo atômico.

Agora, já podemos visualizar a simetria do Modelo Padrão de uma forma diferente:

ku-xlarge

Perguntas ainda sem resposta

Parece bacana: você começa com algumas suposições sobre as simetrias na natureza, chega a uma partícula, e logo tem uma família inteira. Mas o Modelo Padrão ainda deixa muitas perguntas não respondidas.

  • Por que estas simetrias e não outras? As interações fundamentais foram observadas na natureza antes de existir um modelo para elas. As simetrias SU(2) e SU(3) das forças fraca e forte, junto com a simetria U(1) do eletromagnetismo, são coisas que foram modeladas de acordo com observações. Se fôssemos apenas cérebros dentro de vidros, provavelmente não teríamos chegado a estes princípios.
  • Por quê 3 gerações? Você vai notar que não há apenas elétrons, mas múons e partículas tau, que são versões mais pesadas daquelas partículas. Todos os férmions têm praticamente três gerações, cada uma mais massiva que a anterior. Mas não há razão para existir 3 versões da mesma partícula (e cada uma destas 3 gerações é apenas uma outra forma diferente de ver a mesma partícula). As três versões de neutrinos, por exemplo, transformam-se espontaneamente uma na outra.
  • Por que as simetrias não são perfeitas? Mesmo as simetrias não são perfeitas. Quando elas são produzidas em reações nucleares, todos os neutrinos são criados de forma que giram no sentido horário quando viajam na sua direção, ou seja, são o que chamamos “canhotos”. Mas o que a força fraca sabe sobre direita e esquerda? Mais ainda – se as simetrias fossem perfeitas, não precisaríamos de uma partícula de Higgs.
  • Por que existem tantos parâmetros livres? Apesar das simetrias descreverem as relações das partículas em um sentido geral, elas não nos dizem por que a carga elétrica tem o valor que tem, ou por que a força fraca tem aquele valor de força, ou a massa do elétron, ou qualquer um dos 25 parâmetros livres do modelo.

O fato é que existe muita coisa escondida por baixo do tapete do Modelo Padrão da Física. Aguardem os próximos capítulos. [io9]

5 comentários

  • Fernandu Z-luciu:

    de fato precisaremos de 100 a 500 anos de tecnologia no meio da física quântica para resolvermos o básico. mas conseguiremos sim, tais desilusões. não de uma só vez. creio que tal modelo pode se estender ao infinito. no entanto a nós é interessante a menos 99,999% de tudo, o demais é infinito-puro, e não se pode “alcançar” o infinito.

  • D:

    Muito bom texto, bem completo no que se propos.

  • Lucas Noetzold:

    “Por que estas simetrias e não outras?” porque algo teria que ser!
    mas ainda acho que há algo para se descobrir que vai tornar as simetrias perfeitas, pelo menos minha intuição diz que no final tudo tem que ser zero.

    • D:

      …ou precisaremos de “um novo modelo de intuição não intuitivo”.. ahaha

  • Islan Victor Oliveira:

    E existem quantas partículas teóricas? Me recordo de ter lido sobre o táquion que viajaria mais rápido que a luz, teoricamente.

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