Esse truque matemático mostra como o universo pode mesmo ser uma simulação
O tecido do espaço-tempo é amplamente aceito pelos físicos como emergente, costurado a partir de fios quânticos de acordo com um padrão desconhecido.
O espaço-tempo emergente pode ser estudado a partir de um modelo teórico conhecido como “universo em uma garrafa”. Embora seja um “universo de brinquedo” interessante, ele não é ideal – isso porque se refere ao holograma de um espaço que seria o oposto do nosso.
Agora, cientistas podem ter descoberto um modelo que explique o nosso espaço-tempo real como um holograma.
Espaço de Sitter x anti-de Sitter
Por 22 anos, os cientistas utilizaram principalmente um modelo de como tal espaço-tempo emergente pode funcionar: o “universo em uma garrafa”, criado por Juan Maldacena.
O espaço-tempo que preenche a região dentro da garrafa – um contínuo que se curva e ondula, produzindo a força chamada gravidade – é formado de uma rede de partículas quânticas que vivem na superfície rígida e livre de gravidade da garrafa, enquanto o interior se projeta da fronteira inferior como um holograma.
Essa proposição deu aos físicos um exemplo prático de uma teoria quântica da gravidade, mas não significa necessariamente que é assim que o espaço-tempo e a gravidade emergem em nosso universo real.
O interior da garrafa é um espaço dinâmico conhecido como “espaço anti-de Sitter” (AdS), negativamente curvado, como uma sela. As curvas tendem para a vertical quando nos afastamos do centro, dando ao espaço AdS seu limite externo – uma superfície onde as partículas quânticas podem interagir para criar o universo holográfico no interior.
No entanto, nós habitamos um “espaço de Sitter” (dS) de curvatura positiva, que se assemelha à superfície de uma esfera se expandindo sem limites.
Correspondência Ads/CFT
Em 1997, Maldacena descobriu uma correspondência entre o AdS e a teoria do campo conformal (CFT), um subconjunto das teorias quânticas de campo.
Desde então, os físicos buscam uma descrição análoga para o nosso universo dS. O problema é que a única “fronteira” do nosso universo é o futuro infinito.
A dificuldade conceitual de projetar um holograma a partir de partículas quânticas que vivem no futuro infinito há muito tempo frustra os esforços para descrever o espaço-tempo real holograficamente.
No último ano, porém, três físicos fizeram progressos em direção a um holograma do espaço de Sitter. Como a correspondência AdS/CFT, a deles também é apenas um modelo teórico, mas alguns dos princípios podem se estender a hologramas espaço-temporais mais realistas.
A nova pesquisa
A pesquisa foi conduzida por Xi Dong, da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara (EUA), Eva Silverstein, da Universidade de Stanford (EUA), e Gonzalo Torroba, do Centro Atômico de Bariloche (Argentina).
Eles construíram um holograma do espaço dS utilizando dois universos AdS, cortando-os, distorcendo-os e colando suas fronteiras.
O corte é necessário para lidar com um infinito problemático: o fato de que o limite do espaço AdS está infinitamente distante de seu centro. Os cientistas tornaram o espaço AdS finito cortando a região do espaço-tempo em um raio grande, criando o que é conhecido como “modelo Randall-Sundrum”, em homenagem aos físicos Lisa Randall e Raman Sundrum.
Em seguida, os pesquisadores adicionaram ingredientes da teoria das cordas para energizar as fronteiras, dando-lhes uma curvatura positiva. Esse procedimento, chamado de “elevação”, transformou os dois espaços AdS em forma de sela em espaços dS em forma de tigela.
Por fim, a equipe “colou” as duas tigelas ao longo de suas bordas. As CFTs descrevendo ambos os hemisférios se tornaram acopladas, formando um único sistema quântico holograficamente dual para todo o espaço esférico de Sitter. Esse modelo foi chamado de “correspondência dS/dS”.
Ciência da computação
Silverstein propôs esta ideia já em 2004, mas novas ferramentas teóricas permitiram que ela, Dong e Torroba estudassem o holograma dS/dS em maior detalhe, mostrando que ele passa por importantes verificações de consistência.
O trio calculou que a entropia de entrelaçamento – uma medida de quanta informação é armazenada nas CFTs acopladas que vivem no equador – corresponde à fórmula de entropia conhecida para a região esférica correspondente do espaço de Sitter.
Eles e outros pesquisadores estão explorando o holograma de Sitter usando ferramentas da ciência da computação. Os cientistas já sabem que a correspondência AdS/CFT, por exemplo, funciona exatamente como um “código quântico de correção de erros”, um esquema para codificar informações de forma segura em um sistema quântico. A correção quântica de erros pode ser a forma como o tecido emergente do espaço-tempo alcança sua robustez, apesar de ser construído de partículas quânticas frágeis.
“Acredito que o holograma de Sitter também funciona como um código quântico de correção de erros, e eu gostaria muito de entender como”, afirmou Dong.
Ainda é cedo para dizer se os insights sobre como o espaço-tempo é tecido e como a gravidade quântica funciona no espaço AdS serão transferidos para um modelo de Sitter, mas esse é um novo caminho a ser percorrido pelos físicos. [QuantaMagazine]