O que sabemos sobre os caóticos primeiros segundos após o Big Bang (e o que não sabemos)

Por , em 29.03.2021

Acredite ou não, os físicos estão tentando entender o universo quando ele tinha apenas alguns segundos de idade.

Mas a situação aqui é complexa, para dizer o mínimo, e embora tenhamos feito progressos significativos, ainda há muito a aprender. De buracos negros em miniatura a interações exóticas, o universo infantil era um lugar movimentado.

O que sabemos

Vamos começar com a estrutura geral: 13,77 bilhões de anos atrás, nosso universo era incrivelmente quente (uma temperatura de mais de um quadrilhão graus) e incrivelmente pequeno (do tamanho de um pêssego). Os astrônomos suspeitam que, quando nosso cosmos tinha menos de um segundo de idade, ele passou por um período de expansão incrivelmente rápida, conhecido como inflação.

Este evento de inflação foi talvez a época mais transformadora já ocorria na história do nosso universo. Em menos de um piscar de olhos, nosso universo tornou-se incrivelmente maior (ampliando por um fator de pelo menos 10^52). Quando essa fase de expansão rápida diminuiu, o que causou a inflação em primeiro lugar (não temos certeza do que) decaiu, inundando o universo com matéria e radiação (não temos certeza como).

Poucos minutos depois (literalmente), os primeiros elementos surgiram. Antes desse tempo, o universo era muito quente e muito denso para formar qualquer coisa estável, era apenas uma sopa gigante de quarks (os blocos fundamentais de construção de núcleos atômicos) e glúons (os portadores da força nuclear forte). Mas uma vez que o universo tinha 12 minutos de idade, ele se expandiu e esfriou o suficiente para que os quarks pudessem se unir, formando os primeiros prótons e nêutrons. Esses prótons e nêutrons fizeram o primeiro hidrogênio e hélio (e um pouco de lítio), que levou centenas de milhões de anos para construir as primeiras estrelas e galáxias.

A partir da formação dos primeiros elementos, o universo apenas se expandiu e resfriou, finalmente se tornando um plasma, e depois um gás neutro.

Embora saibamos que essa história básica está correta, também sabemos que estamos deixando para trás muitos detalhes, especialmente no tempo anterior à formação dos primeiros elementos. Física muito interessante pode estar em operação quando o universo tinha apenas alguns segundos de idade, e está atualmente além do nosso entendimento teórico, mas isso não nos impede de tentar.

Esta ilustração mostra uma linha do tempo do universo baseada na teoria do Big Bang e nos modelos de inflação. (Crédito da imagem: NASA/WMAP)

As conhecidas incógnitas

Um artigo recentemente publicado na revista pré-impressão arXiv, e aceito para publicação no The Open Journal of Astrophysics, expõe alguns dos cenários mais exóticos do universo muito antigo.

Por exemplo, há toda a questão sobre matéria escura. Não sabemos do que a matéria escura é feita, mas sabemos que ela é responsável por mais de 80% da matéria no universo. Temos uma história bem contada de como a matéria normal se originou na sopa quente e densa do cosmos primitivo, mas não temos ideia de quando ou como a matéria escura apareceu. Apareceu nos primeiros segundos? Ou muito mais tarde? Isso estragou a química cósmica que levou aos primeiros elementos, ou ficou em segundo plano?

Não sabemos.

E a inflação? Não sabemos o que forneceu a fonte de energia para o incrível evento de expansão, não sabemos por que durou o tempo que durou, e não sabemos o que finalmente o freou. Talvez a inflação tenha durado mais tempo do que pensávamos, e tornou sua presença conhecida por um segundo completo, ao invés da pequena fração de segundo que estamos assumindo.

Outra incógnita: há uma pulga gigante atrás da orelha de todos os cosmólogos conhecida como assimetria matéria-antimatéria. Vemos a partir de experimentos que a matéria e a antimatéria são perfeitamente simétricas: para cada partícula de matéria feita em reações em todo o universo, há também uma partícula correspondente de antimatéria. Mas quando olhamos ao redor do cosmos, vemos montes e montes de matéria normal e nem sequer uma gota de antimatéria. Algo enorme deve ter acontecido nos primeiros segundos da existência do universo para desequilibrar essa proporção. Mas a respeito de quem ou o que foi responsável por isso, e o mecanismo exato, não temos certeza.

E caso a matéria escura, a inflação e a antimatéria não fossem suficientes, há também a possibilidade de que o universo primitivo estivesse repleto de pequenos buracos negros. Os buracos negros no cosmos atual (ou seja, os últimos 13 bilhões de anos) se originaram na morte de estrelas massivas. Esses são os únicos lugares onde a densidade da matéria pode atingir os limiares críticos necessários para desencadear a formação de buracos negros. Mas no exótico universo primitivo, manchas aleatórias do cosmos podem ter alcançado densidade suficiente, desencadeando a criação de buracos negros sem ter que passar pelo processo de formação estelar. Talvez.

Cavando mais fundo

Embora nossa teoria do Big Bang seja apoiada por uma riqueza de dados observacionais, há muitos mistérios para satisfazer a curiosidade de gerações de cosmólogos. Felizmente, não somos completamente cegos quando tentamos estudar esta época inicial.

Por exemplo, mesmo que não possamos ver diretamente o estado do universo quando ele tinha apenas alguns segundos de idade, podemos tentar recriar essas condições em nossos poderosos colisores de partículas. Não é perfeito, mas pode pelo menos nos ensinar sobre a física desses tipos de ambientes.

Também podemos procurar pistas que deixadas dos primeiros segundos. Qualquer coisa estranha ocorrida lá teria deixado sua marca no universo posterior. Mudar a quantidade de matéria escura ou uma inflação persistente perturbaria a criação de hidrogênio e hélio, algo que podemos medir hoje.

E o universo passou de um plasma para um gás neutro quando tinha 380 mil anos. A luz liberada então sobreviveu como a radiação cósmica microondas de fundo. Se em algum momento do universo aparecesse em um monte de pequenos buracos negros, eles afetariam esse padrão de radiação.

Podemos até talvez observar diretamente esta época. Não com luz, mas com ondas gravitacionais. Esse inferno caótico deve ter lançado uma corrente de ondulações no tecido do espaço-tempo, que — como o fundo cósmico de micro-ondas — teria sobrevivido até os dias atuais. Ainda não temos a capacidade tecnológica de observar diretamente essas ondas gravitacionais, mas a cada dia chegamos mais perto.

E talvez quando o fizermos, teremos um vislumbre do universo como era quando recém-nascido.

Saiba mais: “The First Three Seconds: A Review of Possible Expansion Histories of the Early Universe” [Live Science]

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