Os ancestrais humanos pararam de andar em quatro patas para se tornarem bípedes a cerca de 4,2 milhões da anos atrás, quando apareceram as primeiras mudanças morfológicas em nossos ancestrais australopitecos relacionadas à andar ereto.
Em 2005, foi descoberta uma família em que cinco de seus membros, quatro mulheres e um homem, se locomoviam “de quatro”, usando pés e mãos. A revelação foi anunciada em um estudo feito pelo cientista Uner Tan, da Universidade de Cukurova (Turquia), que deu ao fenômeno o nome de “Síndrome de Uner Tan”. Segundo ele, tratava-se de uma “evolução reversa” ou “desevolução”, e oferecia uma chance de estudarmos as mudanças que a humanidade experimentou naquele período de transição milhões de anos atrás.
Nós já conhecíamos casos de atavismo, quando características genéticas silenciadas há milhões de anos acabam sendo expressas em indivíduos, apresentando-se geralmente como muitos pelos no corpo todo ou até mesmo uma cauda. Seria este o caso? Seria esta família uma oportunidade para estudar o passado distante de nossa espécie?
Quadrupedalismo – atavismo ou resultado de doença mental?
A família ficou famosa em um documentário da BBC, que pode ser conferido abaixo. Apesar de algumas contestações de estudiosos sobre as alegações em relação a essas pessoas, tudo teria ficado por isto mesmo, não fosse o trabalho de uma cientista, a Dra. Liza Shapiro, antropóloga da Universidade do Texas em Austin (EUA), especializada no estudo da evolução da locomoção humana.
A Dra. Shapiro considerou um dos argumentos do Dr. Tan sobre a “desevolução”, o de que o quadrupedalismo da família era semelhante aos padrões de quadrupedalismo de primatas não humanos. Para verificar esta alegação, a equipe da Dra. analisou o andar de mais de quinhentas espécies animais quadrúpedes, e comparou com a forma de andar da família em questão.
A partir desta análise, ela concluiu que eles não se moviam como um primata não humano, e sim como um humano adulto forçado a andar de quatro, um comportamento que pode ser explicado usando simples princípios de biomecânica, sem precisar apelar para “evolução reversa”.
Este não é o primeiro estudo que refuta a tese do Dr. Uner Tan, mas é o primeiro que refuta a alegação de que a forma de andar daquela família é assemelhada à de primatas não humanos. A Dra. Shapiro conseguiu demonstrar que o Dr. Tan interpretou de forma incorreta a passada da família, chamando-a de sequência diagonal (os membros de lados opostos tocam o chão alternadamente) enquanto ela é de sequência lateral (os membros do mesmo lado tocam o chão em sequência e depois os membros do outro lado fazem o mesmo).
Para quem assistir ao documentário, a parte mais emocionante, a meu ver, está no final. Não vou estragar a surpresa de vocês. Quem estiver interessado em ver o estudo da Dra. Shapiro, ele foi publicado no PLOS ONE. [io9, IBTimes, Science 2.0, Wikipedia]