Potencial fonte de energia para a vida encontrada em lua de Saturno
Mesmo chegando ao final de sua missão, os dados coletados pela sonda Cassini continuam trazendo descobertas incríveis. Nesta quinta-feira, dia 13, a Nasa anunciou que os mesmos tipos de reações químicas que sustentam a vida perto de fontes hidrotermais de profundidade aqui na Terra poderiam estar ocorrendo dentro do oceano subterrâneo de Encélado.
Essas reações dependem da presença de hidrogênio molecular (H2), que, segundo o novo estudo, publicado na revista “Sciente”, provavelmente está sendo produzido continuamente por reações entre água quente e rocha no fundo do mar de Encélado.
“A abundância de H2, juntamente com as espécies de carbonato previamente observadas, sugere um estado de desequilíbrio químico no oceano Encélado que representa uma fonte de energia química capaz de sustentar a vida”, escreveu Jeffrey Seewald, do Departamento de Química e Geoquímica Marinha do Instituto Oceanográfico de Woods Hole em Massachusetts, nos Estados Unidos, que não estava envolvido no estudo, em um comentário que acompanhava o artigo na “Science”.
Um mundo de gêiseres de oceano
Com apenas 314 quilômetros de largura, Encélado é só a sexta maior lua de Saturno, mas tem se destacado na astrobiologia desde 2005. Naquele ano, a nave espacial Cassini, que está terminando sua missão na órbita de Saturno, viu pela primeira vez gêiseres de água gelada saindo das fissuras perto do pólo sul de Encélado, semelhantes em formato a “listras de tigre”.
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Os cientistas acreditam que estes gêiseres estão jorrando o material de um oceano de tamanho considerável enterrado sob a crosta de gelo do satélite. Este oceano permanece líquido porque o imenso puxão gravitacional de Saturno movimenta a lua, gerando calor interno de “maré”.
Receita para a vida
Portanto, Encélado tem água líquida, um dos ingredientes-chave necessários para a vida como a conhecemos. E o novo estudo sugere que o satélite possui outro ingrediente chave: uma fonte de energia.
Uma equipe de pesquisadores liderada por Hunter Waite, do Instituto de Pesquisa do Sudoeste (SwRI, do inglês Southwest Research Institute) em San Antonio, nos Estados Unidos, analisou as observações feitas em de outubro de 2015 pela Cassini durante um mergulho através da pluma dos gêiseres de Encélado. Pluma, em hidrodinâmica, é uma coluna de fluido se movendo dentro ou ao redor de outro.
Este mergulho foi especial de várias maneiras. Por um lado, foi o mergulho mais profundo da Cassini através da pluma; a sonda chegou a uma distância de apenas 49 quilômetros da superfície de Encélado. Além disso, o instrumento de espectrometria de massa de íon e neutro (INMS) da Cassini alternou entre os modos “fonte aberta” e “fonte fechada” durante o encontro, ao invés de ficar apenas com a fonte fechada (o modo que normalmente usa).
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O INMS é apenas 0,25% tão sensível no modo fonte aberta quanto no modo de fonte fechada, Waite e seus colegas escreveram no novo artigo da “Science”. Mas a fonte aberta tem uma vantagem chave: minimiza fatores que complicaram as tentativas anteriores de medir os níveis de H2 na pluma. Com este obstáculo analítico removido, Waite e sua equipe foram capazes de calcular que H2 constitui entre 0,4% e 1,4% do volume da pluma dos gêiseres de Encélado. Outros cálculos revelaram que o dióxido de carbono (CO2) compõe um adicional de 0,3% a 0,8% do volume da pluma.
O hidrogênio molecular provavelmente está sendo produzido continuamente por reações entre água quente e rocha dentro e ao redor do núcleo de Encélado. A equipe considerou outras possíveis explicações e descobriram que elas não eram suficientes. Por exemplo, nem o oceano de Encélado nem sua concha de gelo são reservatórios viáveis a longo prazo para o volátil H2 e os processos que desassociam H2 do gelo de água na crosta não parecem capazes de gerar o volume medido na pluma.
A explicação baseado nas fontes hidrotermais também é consistente com um estudo de 2016 realizado por outro grupo de pesquisa, que concluiu que minúsculos grãos de sílica detectados pela Cassini somente poderiam ter sido produzidos em água quente em profundidades significativas.
“A história parece estar se encaixando”, disse Chris Glein, da SwRI, co-autor do novo artigo da “Science”, ao portal Space.com.
Reações químicas em profundidade
Na Terra, as aberturas hidrotermais do fundo do mar sustentam comunidades ricas em vida e são ecossistemas alimentados por energia química em vez de luz solar. “Algumas das vias metabólicas mais primitivas utilizadas pelos micróbios nesses ambientes envolvem a redução do dióxido de carbono (CO2) com H2 para formar metano (CH4), em um processo conhecido como metanogênese”, escreveu Seewald.
As indicações da presença de H2 e CO2 no oceano de Encélado sugere, portanto, que reações semelhantes poderiam estar ocorrendo bem abaixo da concha gelada da lua. De fato, os níveis de H2 observados indicam que uma grande quantidade de energia química está potencialmente disponível no oceano, explicou Glein durante a coletiva de imprensa da Nasa. “É bem mais do que a energia mínima necessária para apoiar a metanogênese”, disse.
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Glein sublinhou, no entanto, que ninguém sabe se tais reações estão realmente ocorrendo em Encélado. “Isso não é uma detecção de vida”, ressaltou Glein. “Isso aumenta a habitabilidade, mas eu nunca sugeriria que isso faz com que Encélado seja mais ou menos provável de abrigar vida”. De acordo com o cientista, ainda faltam dados para afirmar isso com certeza.
Seewald também aconselhou cautela em interpretações astrobiológicas. Ele observou, por exemplo, que o hidrogênio molecular é raro na água do mar da Terra, porque os micróbios famintos o devoram rapidamente.
“A presença de H2 no oceano de Encélado é um indicador da ausência de vida ou é um reflexo do ambiente geoquímico e dos ecossistemas associados muito diferentes de Encélado?”, questiona. “Ainda temos um longo caminho a percorrer em nossa compreensão dos processos que regulam o intercâmbio de massa e calor através das interfaces geológicas que definem a estrutura interna de Encélado e de outros corpos planetários cobertos de gelo”. [Space.com]