Membros da tribo indígena Mashco-Piro, uma das mais isoladas da planeta, recentemente tentaram fazer contato com pessoas de fora, resultando em um tenso impasse na região. Os índios vivem no sudeste da Amazônia, em território peruano, e fazem parte de uma das várias tribos designadas pelas autoridades como “pessoas isoladas”. Esta tribo particular, constituídas por centenas de pessoas, costuma evitar contato com quem não faz parte da tribo, embora já tenham tentado comunicação externa em 2011.
Agora, as imagens recentemente feitas pelo grupo ativista local AIDSEP aparentemente mostram os membros da tribo pedindo por bananas, cordas e facões à população local. Alguns membros da tribo podem ser vistos tentando atravessar o rio, próximos a uma canoa, que parece estar repleta de alimentos. O encontro todo levou três dias para ser resolvido. Os habitantes locais fizeram o possível para tentar dissuadir os índios Mashco-Piro de cruzar o rio.
De fato, o contato com a tribo Mashco-Piro tribo, ou qualquer outra tribo que viva isolada, pode ter consequências devastadoras. Na realidade, isso é proibido: há uma lei peruana que não endossa o contato físico entre os cidadãos locais e as cerca de 15 tribos perdidas da região. O contato não pode ser feito porque povos isolados ainda não desenvolveram imunidade a muitas das doenças consideradas normais para nós e que estão amplamente difundidas na Europa, Ásia e nas Américas. Além do mais, a transmissão cultural poderia também ser fatal para o modo de vida dos indígenas.
O incidente, que recebeu bastante atenção da mídia internacional, aconteceu na região de Las Piedras e foi filmado por um dos guardas, de acordo com os relatos da NBC. “Você pode ver pelas imagens que houve muita ameaça por parte do índios em cruzar o rio. Eles praticamente chegaram no meio do rio”, conta Klaus Quicque, presidente da federação indígena regional FENAMAD. O vídeo mostra Mashco-Piro de todas as idades e sexos, incluindo homens com lanças, arcos e flechas. Em uma imagem fotografada durante um momento de tensão, um homem flexiona o seu arco, pronto para atirar.
Quicque relata que os cerca de 110 a 150 habitantes da área do Monte Salvado “temiam por suas vidas”. Ele creditou o sucesso da operação ao guarda Rommel Ponciano, por ter mantido a cabeça fria. Há relatos de que 23 índios apareceram no primeiro dia, 110 no segundo e 25 no terceiro. Depois disso, o grupo foi embora e não voltou mais. “Eles falavam uma variante da língua Yine”, diz Quicque, mas ele conta que Ponciano entendida apenas cerca de dois terços das palavras.
De acordo com a AIDESEP, o desenvolvimento urbano tem diminuído a área em que a tribo vive. Além disso, as suas áreas de caça tradicionais têm sido afetados por um aumento na quantidade de aeronaves voando baixo na região, relacionadas à extração de gás natural e à exploração de petróleo.
Especialistas locais dizem que é estranho ver os membros da tribo tão perto da cidade. Os índios podem estar zangados porque as pessoas de fora estão tomando os recursos de seus territórios, o que pode explicar por que eles exigiam objetos e alimentos dos moradores. Estima-se que existam entre 12 mil e 15 mil pessoas que vivem nas selvas a leste dos Andes.
O incidente no Peru traz à tona alguns questionamentos. Afinal, como devem as sociedades ocidentais responder a essas chamadas tribos isoladas?
Quantas tribos isoladas ainda restam no mundo?
Ninguém sabe ao certo. “Numa estimativa aproximada, há provavelmente mais de 100 em todo o mundo, principalmente na Amazônia e em Nova Guiné”, responde Rebecca Spooner, da Survival International, uma organização com sede em Londres que defende os direitos dos povos indígenas. A contagem do Brasil é provavelmente a mais correta: o governo identificou 77 tribos isoladas por meio de levantamentos aéreos e conversando com grupos indígenas mais ocidentalizados sobre seus vizinhos.
Imagina-se que existam em torno de 15 tribos isoladas no Peru, mais um punhado em outros países amazônicos, algumas dezenas na parte indonésia da ilha de Nova Guiné e duas tribos nas Ilhas Andaman, na costa da Índia. Também pode haver algumas na Malásia e na África Central.
Será que essas tribos realmente nunca tiveram contato algum com o mundo exterior?
A maioria já teve algum tipo de comunicação, pelo menos indiretamente. “Há sempre algum tipo de contato com outras tribos isoladas, que se comunicam com outros povos indígenas, que por sua vez entram em contato com o mundo exterior”, diz Spooner.
Muitas das tribos amazônicas escolhem evitar o contato com pessoas de fora porque tiveram encontros desagradáveis no passado. Os Mashco-Piro, por exemplo, abandonaram suas terras e fugiram para a floresta. De acordo com Glenn Shepard, etnólogo do Museu Emílio Goeldi, em Belém, no Pará, a fuga aconteceu depois que empresas de borracha massacraram indiscriminadamente tribos indígenas da região, na virada do século 20. Por esta razão, alguns investigadores referem-se a tais tribos como “voluntariamente isoladas”, em vez de apenas “isoladas”.
Incursões mais recentes, especialmente por mineiros, trabalhadores de petrolíferas e madeireiras, podem ter reforçado a xenofobia das tribos. Em 1995, campos de petróleo foram invadidos nas terras do povo isolado Huaorani, no leste do Peru. Um repórter da New Scientist foi avisado de que qualquer nativo nu deveria ser considerado um isolado e, portanto, muito perigoso.
Existem diretrizes para a melhor forma de abordar tais tribos?
No Peru, as leis proíbem estrangeiros de iniciar o contato com grupos isolados na maioria dos casos. Eles determinam quais são as áreas protegidas onde as tribos possam viver em paz – mas há brechas nas leis que permitem que empresas de petróleo e mineração adentrem essas regiões. O Brasil possui leis e políticas semelhantes, que permitem o contato apenas em situações de risco de vida.
Os antropólogos têm a obrigação ética de não fazer mal aos seus sujeitos de pesquisa, de acordo com a Declaração de Ética da Associação Americana de Antropologia. “No entanto, eles raramente são os primeiros a fazer contato com grupos indígenas – missionários e funcionários de empresas com interesses econômicos na áreas quase sempre chegam lá primeiro”, conta Kim Hill, antropólogo da Universidade Estadual do Arizona, que já trabalhou com várias tribos recentemente contactadas. “Como resultado, não existe uma prática padrão para o contato inicial”, resume.
Por que as tribos optar por quebrar o isolamento?
“Muitas vezes os grupos indígenas se sentem forçados a invadir a civilização”, afirma Spooner. A organização Survival International documentou alguns casos em que o lugar onde os índios moravam foi demolido e as tribos, atormentadas – ou até mesmo mortas. Isso deixa os sobreviventes se sentindo como se não tivessem outra opção a não ser desistir.
Outros veem que há a possibilidade de um processo mais benigno. As tribos podem buscar o contato com pessoas de fora quando começam a confiar em suas intenções, segundo Hill. “Assim que as tribos acreditam que pode haver algum contato pacífico, todos esses grupos passam a querer algum tipo de interação de fora”, diz. “É uma característica humana querer expandir os nossos contatos”. A medicina moderna, as ferramentas de metal e a educação também podem exercer uma atração poderosa.
O que acontece após esse contato?
Muitas vezes, há uma assustadora contaminação de doença porque os índios são expostos a novos agentes patogênicos. “Não é incomum que metade de uma população morra de doenças respiratórias, a menos que pessoas de fora providenciem a assistência médica adequada”, explica Hill. Além disso, os índios recém-integrados frequentemente acabam no patamar mais baixo da sociedade de que começam a participar. Mesmo assim, Hill conta que, quando entrevista as pessoas ex-isoladas, anos mais tarde, nunca encontra alguém que gostaria de voltar para a antiga situação. [io9 e New Scientist]