Detonando 5 mitos sobre descobertas científicas reais

Por , em 13.12.2012

Trabalhos científicos exigem raciocínio, racionalidade, pés firmes. Mas a história da ciência tem seus mitos, lendas urbanas e contos. Às vezes, experimentos mentais são interpretados erroneamente como experimentos reais, cientistas com as histórias mais interessantes são os que levam o crédito por uma descoberta, e enganos são repetidos de professores de ciência para alunos de ciência.

Apesar desses contos de cientistas fantasticamente sortudos serem provavelmente exagerados, as descobertas científicas e teorias envolvidas são bem reais:

1 – Benjamin Franklin e a pipa

Esta é uma das histórias difíceis de provar ou refutar: Benjanmin e sua pipa na tempestade. De acordo com a história, em 1752, Ben Franklin saiu em uma tempestade com uma pipa presa a uma chave, que por sua vez foi ligada a uma garrafa de Leyden (um tipo de capacitor elétrico, que é capaz de acumular eletricidade estática).

Quando a chave foi atingida por um raio, a eletricidade viajou para a garrafa, provando assim que o raio era feito de eletricidade. Um grande momento; mas pode ser que isto nunca tenha acontecido.

Alberto A. Martinez, em seu livro “Science Secrets: The Truth about Darwin’s Finches, Einstein’s Wife, and other Myths” (“Segredos da ciência: a verdade sobre os tentilhões de Darwin, a esposa de Einstein, e outros mitos”) aponta que um dos indícios de que a história pode não ter acontecido é a falta de detalhes.

Em agosto de 1752, Franklin escreveu no jornal Pennsylvania Gazette não um relato de uma experiência, mas um roteiro básico para a mesma, descrevendo como alguém poderia fazê-la. Em contraste, quando o cientista francês Jacques de Romas executou um experimento similar em 1753, forneceu inúmeros detalhes do experimento: hora do dia, comprimento do fio e arame usados, e a sensação de tocar o fio quando a tempestade se aproximou.

Baseado na falta de detalhes por parte de Franklin e no relato bastante detalhado de Romas, a Academia de Ciências de Paris (França) reconheceu Romas como sendo o primeiro a completar a experiência com sucesso.

Apesar do Mythbusters considerar o mito como “detonado” (“Busted”) e do escritor Tom Tucker escrever um livro inteiro tentando derrubá-lo, ainda tem gente que defenda a história do americano.

E como ela surgiu? Se a considerarmos falsa, O próprio Benjamin deve tê-la inventado. Jack Gitt, autor de livros sobre personagens históricos, sugeriu que Franklin criou o mito precisamente por que era uma ótima estória e poderia fazer com que as pessoas lembrassem de sua contribuição para a pesquisa da eletricidade. Como se ser um dos Pais da América, ser talentoso e um polímata prolífico não fossem suficientes.

2 – Galileu jogando objetos da Torre de Pisa

Segundo a história, Galileu Galilei subiu a Torre Inclinada de Pisa em 1589 e largou dois objetos com massa diferente do topo. Desse modo, ele teria demonstrado que a afirmação de Aristóteles de que a velocidade da queda depende da massa dos objetos era falsa.

A história tem alguns problemas: o primeiro deles é que Galileu nunca alegou ter feito esta experiência. Seu tratado “Sobre o Movimento” inclui um experimento mental sobre largar dois objetos de uma torre, mas ele mesmo nunca alegou ter feito tal experimento.

Mas mesmo que ele tivesse executado a experiência, não teria sido o primeiro. O historiador Benedetto Varchi menciona testes similares em 1534, e, em 1576, Giuseppe Moletti, que precedera Galileu na cadeira de matemática na Universidade de Pádua, relatou que objetos feitos do mesmo material com massas diferentes atingiam o solo ao mesmo tempo se soltos ao mesmo tempo.

E quem começou a história? Esta é fácil de descobrir. O biógrafo e pupilo de Galileu, Vincenzo Viviani, menciona o experimento quando fala da vida do cientista. Este episódio já foi desacreditado universalmente por historiadores, mas isto não impede que ele continue sendo repetido em aulas de física até hoje.

3 – Os tentilhões de Galápagos que inspiraram Darwin no desenvolvimento de sua teoria evolucionária

Segundo a história, o naturalista Charles Darwin viajou à bordo do HMS Beagle e visitou a flora e fauna notáveis das Ilhas Galápagos. Ali, ele teria se interessado nas várias espécies de tentilhões, que eram bem adaptados ao ambiente em que viviam. Estudar esses animais colocou-o no caminho certo das teorias apresentadas em “A Origem das Espécies”.

Essa história tem todos os elementos de um mito clássico elegante. Um jovem abandona seu lar e viaja para um país estrangeiro, e o que ele descobre lá revela segredos sobre a natureza do mundo. E com lindas ilustrações de bicos de tentilhões para interessar todos na evolução humana, de quebra.

Mas os tentilhões não têm papel importante ou talvez papel nenhum na compreensão de Darwin da macroevolução. Ele de fato documentou os tentilhões e seus bicos, mas não há menção deles em “A Origem das Espécies”. Os tentilhões e seus bicos têm uma menção significante, mas breve, no diário “Viagem do Beagle”.

Entretanto, não foram os tentilhões a inspiração chave para o trabalho de Darwin na seleção natural e evolução. Durante o tempo em que estava no Beagle, Darwin tentou reconciliar tudo que havia visto nas Galápagos com as várias teorias da criação. Os tentilhões altamente especializados encaixariam em algumas teologias da lei natural que propunham que Deus havia projetado cada animal para se adaptar a seu ambiente.

Muito mais importantes para Darwin foram os casos em que esta noção não parecia certa, onde os animais não pareciam bem adaptados para um ambiente, mas ainda assim haviam sobrevivido. Ou casos nos quais os animais eram extremamente adaptados para um ambiente que não existia. Os tentilhões poderiam ser excelentes exemplos de microevolução, mas a presença destes tentilhões era menos influente que a ausência de, por exemplo, sapos e mamíferos pequenos nas Galápagos.

E como a história foi criada? Os historiadores a atribuem ao biólogo evolucionário David Lack, que realmente estudou os tentilhões de Galápagos e a ligação entre sua fisiologia e a seleção natural. Seu livro de 1947 recebeu o título de “Tentilhões de Darwin”, e apesar dele não ter inventado o termo, o livro serviu para conectar o nome de Darwin a aqueles pássaros com bico especializado.

Como a variedade no tamanho e forma dos bicos era um exemplo tão bom da seleção natural e sua mudança gradual, e porque Darwin havia estudado tentilhões, o papel dos tentilhões nos estudos de Darwin foi interpretado erroneamente por muitos, e de alguma forma, ao longo do tempo, esta interpretação incorreta se tornou a narrativa dominante.

4 – Alexander Fleming descobriu o incrível potencial da penicilina por acidente

Este mito, como muitos deles, tem um grão (ou um esporo) de verdade. O farmacologista escocês Alexander Fleming tinha um laboratório famoso pela sua bagunça, com culturas de bactérias empilhadas em uma pia depois de usadas. Vários fungos, entre eles, Penicillium, acabaram se desenvolvendo nestas culturas abandonadas. Fleming notou e identificou o fungo que matava as bactérias e deu à substância que ele liberava o nome de “penicilina”, que acabou se tornando uma das maiores armas da ciência médica.

Mas ele não foi o primeiro a descobrir as propriedades antibióticas do Penicillium. Outros cientistas, incluindo Joseph Lister e Louis Pasteur, também já tinham percebido tal efeito. Entretanto, em 1929, Fleming publicou um trabalho no periódico britânico Journal of Experimental Pathology (“Diário de Patologia Experimental”), sobre os efeitos da penicilina em vários agentes bacteriológicos, apontando que podia matar as bactérias sem destruir o tecido humano vivo.

Entretanto, Fleming não achava que a penicilina era uma medicação viável: ele estava frustrado com suas limitações. Quando tomada oralmente, não era absorvida pelo corpo humano, e era rapidamente excretada após ser injetada. Foi outro pesquisador, Howard Florey, de Oxford, que liderou a tarefa de transformar a penicilina em um método viável de tratar a infecção humana. Mesmo com os resultados positivos de Florey e seu colega, Sir Ernst Boris Chain, Fleming não retomou seus estudos sobre a penicilina.

E como surgiu o mito? A história da penicilina aparecer na cultura de bactérias é verdadeira, mas até o próprio Fleming chamava de “Mito Fleming” a importância que lhe davam no desenvolvimento da penicilina terapêutica, e preferia destacar o trabalho de Florey e Chain.

O mito foi criado pela imprensa. Quando Florey e Chain publicaram suas descobertas no uso terapêutico da penicilina, eles deram a Fleming o crédito pela inspiração. Os repórteres adoraram a ideia de um pesquisador escocês desconhecido “descobrindo” a penicilina por acidente, e transformaram o nome de Fleming em um sinônimo da droga.

5 – A esposa de Einstein ajudou-o a desenvolver a Teoria da Relatividade

Este é um mito muito mais recente, e que ganhou popularidade graças ao documentário de 2003 da PBS Einstein’s Wife. É uma história incrível: Albert Einstein, ao desenvolver sua grande teoria, recebeu ajuda de sua esposa brilhante, mas modesta, Mileva Marić. Ela mesma havia sido uma estudante na Politécnica de Zurique ao mesmo tempo que Einstein estudava lá. Depois de uma carreira acadêmica problemática, ela abandonou seu programa de doutorado porque estava grávida de Einstein. Ele, por sua vez, desenvolveu muitas de suas teorias enquanto os dois estavam envolvidos. Some-se a isto o fato dele ser um marido terrível, e é tentador imaginar que a contribuição de sua esposa à física tenha sido suprimida por uma visão chauvinista da história.

Muito provavelmente a contribuição de Mileva Marić no trabalho de Einstein não era de natureza científica. O casal desenvolveu tópicos de pesquisa na Politécnica de Zurique, mas não há evidências que tenham trabalhado juntos depois de sair de lá. Segundo Martinez, a evidência mais significativa contra o mito é que a própria Mileva nunca mencionou participação em trabalhos científicos de Einstein, nem mesmo em cartas pessoais para amigos próximos.

Colegas de Einstein mencionam especificamente a observação silenciosa de Marić no grupo de discussão Olympia Academy. Ela pode não ter contribuído de forma científica com o trabalho de Einstein, mas era uma mulher pioneira na ciência, e além disso proveu uma vida doméstica estável e companhia valiosa durante um período chave no desenvolvimento acadêmico de Einstein.

Como a história surgiu? Muitos documentos e anotações de Einstein vieram à público a partir de 1987, apresentando detalhes interessantes da vida de Einstein e seu relacionamento com Marić. Daí surgiu a especulação que ela talvez estivesse envolvida na pesquisa de Einstein, mas o consenso entre os historiadores é que isso não ocorreu.

Qual o papel do mito na história da ciência?

Esta é uma pergunta para você, leitor. Existe lugar para histórias míticas e contos na história da ciência? Allchin acha que é preocupante que as histórias míticas passem para os jovens uma ideia errada de como a descoberta científica realmente acontece, enfatizando o papel do gênio e da sorte, ao mesmo tempo em que minimiza o papel do trabalho duro no avanço científico.

Martinez, por outro lado, nota que estes mitos podem também servir de inspiração. Ele aponta que a história de Franklin e sua pipa, por exemplo, mostra um tipo de gênio que capturou a imaginação de gerações de jovens que estavam aprendendo sobre a eletricidade e aquela era de descobertas científicas. [io9]

6 comentários

  • tasende:

    Creio que Mileva tenha ajudado em muito a Einstein na teoria da fotoeletrecidade aonde ele ganhou o premio Nobel e não na teoria da relatividade. Pois nas primeiras edições consta o nome de Mileva que gradualmente foi desaparecendo, assim como ele, deixando Mileva sozinha com seus filhos. De origem Sérvia e Cristã, a família Einstein pressionou pela separação.

  • engvictorh_10:

    Eu podia jurar que a história da maça de Newton também estaria na matéria. rsrs

  • Carlos Vinicius:

    E a maça de Newton?

  • Lucas Noetzold:

    que troll eu acreditava em tudo isso

  • Glauco Ramalho:

    Eu já havia ouvido falar da história da esposa do Einstein com o pessoal da gnosis. Nós devemos considerar que certas pesquisas científicas exigem MUITO de seus pesquisadores, e isso reflete duramente no dia-a-dia deles e de suas famílias. As esposas desses cientistas sempre são o suporte mais importante nessas pesquisas, dando apoio e botando a mão na massa como assistentes, principalmente nos casos em que elas mesmas são cientistas. Nada mais justo do que considerar a importância da esposa do Einstein.

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