Cerveja sintética: como ficar bêbado, mas sem a ressaca

Por , em 13.11.2013
David Nutt

David Nutt

O psiquiatra e neuropsicofarmacologista inglês David Nutt inventou uma droga que imita o efeito do álcool sem proporcionar a inevitável ressaca que os copos de cerveja nos dão.

Segundo ele, essa descoberta poderia levar a uma revolução na saúde, mas o professor ainda precisa de financiamento do governo da Inglaterra para continuar suas pesquisas.

A droga tem como alvo o cérebro. Ela oferece o sentimento de prazer que imita os efeitos de beber. No entanto, um antídoto pode bloquear essas sensações imediatamente, deixando o usuário livre para dirigir ou voltar ao trabalho, por exemplo.

A droga poderia ser tomada em uma variedade de cocktails. “Eu fiz os experimentos de um protótipo em mim”, disse ele. “Eu fiquei embriagado e, em seguida, isso foi revertido pelo antídoto”.

Nutt alega que a droga faria para o álcool o que o e-cigarro faz para fumantes. Ele apela ao governo para dar uma “recomendação explícita” em apoio à droga, para incentivar investimento.

Porém, os investidores permanecem cautelosos devido à incerteza da posição do governo quanto à droga. Nutt diz não estar surpreso que ninguém na indústria de bebidas queira financiar sua pesquisa.

O inglês demitiu-se do Conselho Consultivo sobre o Abuso de Drogas em 2009, após ter diferenças sobre sua política. Ele disse que o álcool mata 1,5 milhão de pessoas por ano e 10% dos bebedores tornam-se viciados. Nutt previu que os efeitos colaterais de beber, como perda de memória, poderiam ser contornados pela nova droga.

Nem tudo são rosas

Especialistas pedem cautela sobre o produto que Nutt quer comercializar. Apesar do álcool ser um grave ônus para qualquer país, algumas instituições dizem que é melhor se concentrar no que está errado em nossa cultura de beber ao invés de trocar potencialmente uma substância viciante por outra.

Isso porque ainda nem conhecemos as complicações potenciais envolvidas na nova droga, já que a pesquisa de Nutt está em estágios iniciais e ele ainda não obteve financiamento para o projeto.

Além disso, a visão de uma “cerveja sintética” que deixa o bebedor sem ressaca é na verdade a visão de um produto que vende a bebedeira como algo sem consequência ou culpa. Ao seja, ao invés de tornar a embriaguez menos comum, será que não fará exatamente o contrário?

Embriaguez livre de culpa e ressaca simplesmente tornaria toda “a lição” do álcool nula, argumenta o colunista do The Telegraph Graeme Archer, um estatístico profissional. “O ponto é a culpa, o ponto é a ressaca”, opina.

Aprender a gerir a sua ingestão alcoólica é, para a maioria, uma parte do caminho percorrido entre a infância e a fase adulta. Tais lições de autocontrole podem não ser aprendidas se as escolhas das pessoas não vierem com consequências.

O risco, segundo Archer, é que elas não controlem mais sua ingestão. Se não há nenhum risco (de ressaca, de estar muito bêbado para dirigir), você tomaria só uma, ou engoliria mais e mais pílulas, preferindo o amortecimento do álcool à dureza da realidade?

O que o governo deveria fazer, então?

Decisões políticas podem se apoiar em ciência, mas não devem ser determinadas unicamente com base em evidências científicas, sugere Archer. Isso porque, corretamente e por definição, elas tomam lugar sobre o substrato da cultura. O álcool pode ser mais perigoso do que maconha, por exemplo. Mas isso não implica necessariamente que a bebida deveria ser proscrita, e a maconha legalizada. Coerência é para a matemática; os seres humanos precisam de um pouco mais de “margem de manobra”.

Beber é ruim para o indivíduo e para a sociedade. Mas também sabemos que a nossa cultura evoluiu, ao longo de milênios, costumes para lidar com isso. É claro que aqueles que não podem controlar seu vício estão em desvantagem, mas talvez isso não seja o suficiente para arriscar o bem-estar da grande maioria, que é obrigada a viver com as consequências de suas ações.

Cada cerveja tomada é um lembrete de que temos um compromisso com a realidade que, mesmo com atraso, cobra sua dívida uma hora ou outra. [Telegraph 1 e 2]

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