A vergonha secreta de não ter esperma

Por , em 11.09.2018

Apesar da realidade da infertilidade masculina, os médicos não costumam oferecer opções ou suporte aos homens. Em vez disso, são as mulheres que passam por tratamentos, o que apenas aumenta o estigma em torno da condição.

De acordo com a especialista em fertilidade Sheena Lewis, presidenta da Sociedade Britânica de Andrologia, há uma necessidade urgente de abordar a dependência “absurda” de tratamentos caros e invasivos de fertilização in vitro em mulheres para tentar superar a falta de espermatozoides do homem.

Além disso, os médicos devem fornecer mais apoio aos homens, uma vez que descobrir que é infértil pode ser uma experiência destruidora e solitária.

Sistemas de saúde: deem atenção a eles!

Lewis, que visa melhorar os cuidados de saúde reprodutiva masculina, diz que a falta de foco na infertilidade masculina dentro do sistema de saúde britânico é um problema “urgente”.

“Os homens não estão sendo tratados adequadamente, não são diagnosticados e não são cuidados”, diz.

A qualidade do esperma masculino no mundo ocidental está em declínio, mas pouco se sabe sobre como melhorá-lo e há poucos tratamentos disponíveis.

Por conta disso, pelo menos no Reino Unido, mulheres rotineiramente precisam passar por fertilização in vitro mesmo que não haja nada errado com sua própria fertilidade.

“A mulher age como a terapia para o problema do homem. Estamos dando um procedimento invasivo a uma pessoa que não precisa dele, para tratar outra pessoa. Isso não acontece em nenhum outro ramo da medicina”, esclarece.

Quais são as alternativas?

A fertilização in vitro é uma experiência cara e nem sempre eficaz. Por exemplo, um homem que conversou com a BBC explicou que, depois de um procedimento que não deu certo, procurou a ajuda de uma clínica particular e fez uma operação mais barata para tratar sua varicocele, uma anormalidade no escroto que afeta até 40% dos homens com problemas de fertilidade. Após a operação, sua esposa concebeu naturalmente.

Para Stephen Harbottle, clínico e consultor que ajudou a desenvolver as diretrizes de fertilidade para o órgão de saúde NICE, enquanto o tratamento de varicocele não funciona para todos os homens, os sistemas de saúde devem garantir que outras opções sejam exploradas antes que a fertilização in vitro seja oferecida a um casal.

Isso inclui soluções simples, como suplementos dietéticos, ou testes para verificar se há danos no DNA do esperma. A razão pela qual isso não acontece atualmente é que muitos médicos dentro desses sistemas não têm alternativas disponíveis além de encaminhar os pacientes para tal procedimento.

Médicos, conversem com os homens sobre sua fertilidade

Alguns homens com problemas de fertilidade também relatam sentir-se marginalizados pelos médicos, que normalmente se concentram nas mulheres. Por exemplo, Mark Harper, que tem dois filhos através de doação de esperma, ficou revoltado quando foi sua esposa quem recebeu a ligação do médico com a notícia de sua infertilidade, em vez de ele.

“Eu estou aqui, sou uma pessoa, eu era o único sentado à frente [do médico no consultório] e sou aquele com quem [ele] precisa conversar”, falou Harper sobre a situação.

Outro paciente, Craig Franklin, quando foi informado de que não tinha esperma, sentiu-se muito sozinho e emasculado. “O médico disse essencialmente: ‘Você não está produzindo nenhum espermatozoide, você não poderá ter filhos. Tchau”, explicou. “Não houve apoio algum”.

Os efeitos da notícia, no entanto, quase o levaram a terminar seu relacionamento com sua parceira Katie. “Fiquei muito zangado por um longo tempo. Meu desempenho no trabalho deteriorou-se significativamente ao ponto de perder meu emprego no final do ano passado”.

“Isso partiu meu coração. Ele não se sentia como um homem, e isso é tão injusto”, Katie contou à BBC.

Diminuindo o estigma

Katie e Craig dizem que os médicos presumiram que a razão pela qual eles não eram capazes de engravidar era Katie. Ela foi testada antes que a fertilidade de Craig fosse sequer considerada.

O estigma em torno da infertilidade masculina significa que esta é a primeira vez que Craig fala abertamente sobre o assunto – antes de dar entrevista à BBC, até mesmo seus amigos não sabiam da sua condição. “Não é uma coisa viril para se discutir. É reprimido, não se fala sobre isso”, argumenta.

O casal diz que levou um ano e meio para aceitar a impossibilidade de ter filhos sem o esperma de um doador – fato que foi agravado pela falta de apoio emocional nunca oferecido a eles.

Agora, o casal está mais forte do que nunca. “Mas outros casais podem não ser tão fortes como nós, e eu entendo por quê”, concluiu Craig.

Educação reprodutiva

Sheena Lewis acredita ainda que a falta de atenção na fertilidade masculina significa que os homens não são educados sobre sua saúde reprodutiva, e podem erroneamente pensar que serão férteis para sempre.

“Os homens têm um relógio biológico também. Conforme o tempo passa, por causa de seu estilo de vida, há mais e mais oportunidades de ocorrerem mutações em seus espermatozoides. Homens com mais de 45 anos são mais propensos a ter filhos com câncer infantil ou distúrbios psiquiátricos, como transtorno bipolar ou autismo”, explica. O mesmo ocorre em homens mais jovens com esperma de má qualidade.

Todos esses fatores, somados, indicam que os cientistas e os governos precisam se concentrar mais em educar os homens sobre a infertilidade masculina, combater o estigma em torno dela, bem como procurar melhores formas de tratá-la. [BBC]

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