Antidepressivos na gravidez: estudo diz que aumentam o risco de autismo, mas essa não é toda a história

Por , em 16.12.2015

Antidepressivos na gravidez são um tema controverso. Leia o artigo abaixo e tire suas dúvidas.

autismo Antidepressivos na gravidez

Um grande estudo que acompanhou quase 150 mil gestações no Canadá ao longo de mais de uma década fez manchetes recentemente ao afirmar que tomar antidepressivos durante o segundo ou terceiro trimestre poderia aumentar o risco da criança de desenvolver transtorno do espectro do autismo (TEA).

Em alguns casos, o risco aumentado era de 87%. Esse número, sem dúvida, é assustador. E é exatamente por isso que deve ser entendido no seu contexto correto: ele é relativo ao risco de que já existe para o autismo antes mesmo de medicamentos estarem envolvidos.

Além disso, diversos outros estudos semelhantes não encontraram nenhuma relação entre antidepressivos e autismo.

A pesquisa canadense

Pesquisadores da Universidade de Montreal usaram informações de um banco de dados de Québec sobre 145.456 gravidezes resultantes em crianças nascidas entre 1 de janeiro de 1998 e 31 de dezembro de 2009.

3% dessas crianças foram expostas a antidepressivos durante a gravidez – 89% durante o primeiro trimestre, e 54% no segundo e terceiro. No geral, 1.054 das 145.456 crianças (0,7%) foram posteriormente diagnosticadas com TEA, a maioria meninos.

O grupo de maior risco incluiu os 2.532 bebês cujas mães tomaram antidepressivos durante o segundo e/ou terceiro trimestre – 1,2% destes foram diagnosticados com autismo.

Depois de levar em conta fatores como o status socioeconômico da família, histórico familiar de autismo, idade da mãe e seu histórico de depressão, os pesquisadores descobriram que o uso de antidepressivos conhecidos como inibidores de recaptação da serotonina, que inclui Prozac, Zoloft e Celexa, foi o elo mais forte nessas crianças de maior risco.

Conclusões controversas sobre antidepressivos na gravidez

A principal autora do estudo, Anick Bérard, afirmou que seu estudo demonstrou que tomar antidepressivos durante o segundo ou terceiro trimestre de gravidez quase duplica o risco da criança ser diagnosticada com autismo aos sete anos de idade, especialmente se a mãe toma inibidores seletivos de recaptação da serotonina.

“É biologicamente plausível que os antidepressivos causem autismo, se utilizados no momento do desenvolvimento do cérebro no útero, já que a serotonina está envolvida em numerosos processos de desenvolvimento pré e pós-natal, incluindo a divisão celular, a migração de neurônios, diferenciação celular e sinaptogênese – a criação de ligações entre as células cerebrais”, acrescentou.

Por que essa não é a história toda

O estudo possui muitos críticos, no entanto. O “87%” soa alarmante, mas quando você considera que o risco de uma criança desenvolver autismo é de apenas 1%, fica claro que o risco associado com os antidepressivos neste estudo é na verdade de 1,87% – o que é pequeno o suficiente para ser um erro de análise, por exemplo.

Depois, estudos anteriores semelhantes não encontraram tal relação. Um feito no início deste ano com milhares de crianças nos EUA não descobriu nenhuma ligação entre antidepressivos e risco aumentado de autismo, e uma pesquisa de cerca de 670 mil crianças na Dinamarca em 2013 chegou à mesma conclusão.

Por outro lado, um estudo de 2013 com mais de 4.400 crianças na Suécia encontrou uma ligação, e em 2011, um pequeno estudo com 300 crianças da Califórnia sugeriu que os antidepressivos poderiam aumentar o risco de autismo “modestamente”.

Ou seja: não temos certeza de nada, ainda. Faltam evidências mais convincentes para que a ciência tenha uma recomendação embasada sobre o assunto. Principalmente porque a ligação entre as duas coisas pode não ter nada a ver com os antidepressivos, mas sim com a depressão em si.

Depressão e autismo: relação complexa

O aumento do risco em crianças cujas mães tenham depressão poderia não ter nada a ver com as próprias drogas, mas com a variedade de fatores subjacentes que levaram às mulheres a desenvolver depressão em primeiro lugar.

O estudo canadense não levou em consideração a gravidade da depressão, ou a dosagem dos remédios. Se a depressão é grave, é mais provável que a mãe continue a tomar antidepressivos no segundo e terceiro trimestre, assim poderia ser a severidade da doença que levou a um maior risco de autismo neste grupo, em vez das drogas.

Além disso, Anick Bérard pode ter feito uma conclusão precipitada por motivos econômicos. Ela fez pesquisas anteriores que liga a utilização de antidepressivos a defeitos de nascimento, bem como consultas para pessoas que pretendem processar empresas farmacêuticas que os fabricam.

Mãe depressiva, sem pânico!

Enquanto não compreendemos melhor a ligação entre as duas coisas, muitos especialistas pedem que as mães não entrem em pânico, já que não tomar antidepressivos durante a gravidez pode prejudicar o bebê de outras maneiras, mais fundamentais.

“A depressão é uma doença grave”, disse o psiquiatra Bryan King, do Centro de Autismo no Hospital Infantil de Seattle, nos EUA, à revista Wired. “A depressão não tratada está associada a falta de alimentação, falta de sono, fadiga e estresse, que sabemos que podem causar problemas em termos de desenvolvimento fetal”.

O estudo canadense analisou apenas um resultado do desenvolvimento fetal, e não houve grupo de controle para compreender todos os danos potenciais que poderiam ter sido evitados com a escolha de tratar a depressão.

Logo, é importante que as mulheres tenham discussões completas com seus profissionais de saúde sobre a interação dos riscos e benefícios associados com o tratamento da depressão antes de tomar uma decisão. [ScienceAlert]

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