Carl Sagan explica por que fumava maconha

Por , em 17.10.2018

Carl Sagan foi um profissional e um ser humano incrível. Não só teve uma carreira acadêmica distinta como inspirou Bill Nye e Neil deGrasse Tyson a se tornarem os divulgadores científicos que são hoje.

Santo padroeiro dos nerds, Sagan escreveu sobre uma ampla variedade de tópicos durante sua vida, incluindo astronomia, a necessidade da verdade no discurso público, a paz mundial e a mudança climática.

Ele também foi o autor de um artigo publicado anonimamente no livro “Marihuana Reconsidered” (1971), de Lester Grinspoon, sob o pseudônimo “Mr. X”.

Por quê? O tema principal eram os efeitos positivos que a maconha teve em sua vida.

A favor, mas com medo do julgamento

As ideias de Carl Sagan sobre a maconha são um valioso acréscimo às discussões sobre como a droga pode ser usada apropriadamente, além de servirem como um estudo de caso sobre um indivíduo que utilizou a substância com parcimônia.

Em um ensaio escrito, Sagan descreveu seu histórico de uso de maconha e como a droga havia sido uma força positiva em sua vida.

O texto é anônimo porque o cientista tinha medo de que impactasse negativamente em sua carreira e reputação. A verdade sobre sua autoria só foi revelada após sua morte, em 1996.

O ensaio pode ser conferido na íntegra, em inglês, aqui.

Entendendo melhor as pessoas

Sagan argumenta no texto que a maconha foi interessante em várias facetas de sua vida. O cientista foi apresentado à droga em um momento no qual estava especialmente aberto a novas experiências. Considerou a maconha agradável e atraente principalmente por causa da aparente falta de efeitos fisiológicos negativos.

Como resultado da alteração de sua consciência ao fumar maconha, Sagan alegou que passou a perceber muitas coisas que antes não era capaz de apreciar, mesmo depois de sóbrio. Por exemplo, a droga foi extremamente útil para ajudá-lo a entender pessoas que ele normalmente pensava serem loucas.

Sagan escreveu: “A sensação de como o mundo realmente é pode ser enlouquecedora; a cannabis me trouxe alguns sentimentos sobre como é ser louco e como usamos essa palavra para evitar pensar em coisas que são muito dolorosas para nós. Na União Soviética, os dissidentes políticos são rotineiramente colocados em manicômios. O mesmo tipo de coisa, talvez um pouco mais sutil, ocorre aqui: ‘você ouviu o que Lenny Bruce disse ontem? Ele deve estar louco’. Quando chapado de maconha, descobri que há alguém dentro daquelas pessoas que chamamos de loucas”.

Além de entender melhor os outros, passou a se compreender melhor também: “Quando estou chapado, posso penetrar no passado, lembrar memórias de infância, amigos, parentes, brinquedos, ruas, cheiros, sons e sabores de uma era desaparecida. Posso reconstruir ocorrências reais de eventos da infância que só foram entendidos pela metade na época. Muitas, mas não todas, minhas viagens de cannabis têm em algum lugar um simbolismo importante para mim, que não vou tentar descrever aqui, uma espécie de mandala gravada. Associações livres a essa mandala, tanto visualmente quanto em palavras, produziram uma matriz muito rica de insights para mim”.

Entendendo arte, música e sexo

Sagan também descobriu que a droga era capaz de ajudá-lo a entender arte e música de maneiras que nunca havia sido capaz antes.

“A experiência com a cannabis melhorou muito a minha apreciação pela arte, um assunto que eu nunca havia apreciado muito antes. A compreensão da intenção do artista que eu posso alcançar quando chapado às vezes continua quando estou sóbrio. Essa é uma das muitas fronteiras humanas que a cannabis me ajudou a atravessar… Uma melhoria muito semelhante na minha apreciação da música ocorreu com a cannabis: pela primeira vez consegui ouvir as partes separadas de uma harmonia em três partes e a riqueza do contraponto. Desde então descobri que músicos profissionais podem facilmente compreender as partes separadas simultaneamente em suas cabeças, mas esta foi a primeira vez para mim”.

A maconha ainda melhorou dramaticamente sua vida sexual.

“A cannabis também aumenta o prazer do sexo, por um lado, dá uma sensibilidade extraordinária… a duração real do orgasmo parece aumentar muito, mas esta pode ser a experiência usual de expansão do tempo que vem com o consumo de cannabis”.

Entendendo melhor a sociedade

No geral, Sagan considerou que a maconha lhe deu uma vantagem até mesmo profissionalmente: “… uma ideia sobre as origens e invalidações do racismo em termos de curvas de distribuição Gaussianas. Era um ponto óbvio de certa forma, mas raramente falado. Eu desenhei as curvas com sabão na parede do chuveiro, e fui escrever a ideia. Uma ideia levou a outra, e ao final de uma hora de trabalho extremamente duro, descobri que havia escrito onze ensaios curtos sobre uma ampla gama de tópicos sociais, políticos, filosóficos e biológicos… Os utilizei na universidade, em palestras e em meus livros”.

Ele também argumentou que seu uso de maconha lhe permitiu entender melhor questões sociais, sobre as quais começou a comentar com mais frequência em seus últimos anos.

Naturalmente, esses supostos benefícios ocorreram por causa de sua temperança e ceticismo. Ninguém deve pensar que será o próximo gênio das ciências só porque fumou um baseado.

O endosso de Sagan também não nega os efeitos colaterais adversos que vem junto com o uso pesado da droga, como motivação reduzida, problemas de memória e incapacidade de criar planos a longo prazo.

Legalização

No entanto, à luz de seus benefícios, o cientista defende a legalização: “A ilegalidade da cannabis é escandalosa, um impedimento para a plena utilização de uma droga que ajuda a produzir a serenidade e o discernimento, a sensibilidade e a fraternidade tão desesperadamente necessárias neste mundo cada vez mais louco e perigoso”.

À medida que a maconha se torna cada vez mais legal, aceita e comum, a humanidade vai ter que responder perguntas sobre o que ela pode fazer por nós, tanto boas quanto ruins.

Enquanto relatos individuais sempre devem ser tomados com cautela, a experiência de um fumante tão inteligente quanto Carl Sagan é uma adição valiosa para qualquer discussão sobre o assunto. [BigThink]

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