Cientistas descobrem porque AMAMOS carboidratos como pão, macarrão, salgadinhos…

Por , em 18.10.2024

Quem imaginaria que nossas papilas gustativas já ansiavam por carboidratos quando ainda nem éramos Homo sapiens? Uma pesquisa recente publicada na Science sugere que nosso apetite por alimentos ricos em amido antecede até mesmo a agricultura. Essa descoberta, além de reescrever a história alimentar da humanidade, revela uma curiosa e longa relação entre a evolução e a digestão de carboidratos. Prepare-se para saber como um gene aparentemente simples pode ter moldado nossos cérebros e pratos por séculos.

Da caça ao amido: quando começou o desejo por tubérculos?

Se você pensava que nossos ancestrais viviam à base de bifes de mamute, há boas razões para atualizar essa imagem. Estudos arqueológicos recentes indicam que a dieta dos caçadores-coletores incluía muito mais do que carne. Tubérculos e raízes ricas em amido eram assados e consumidos com frequência, evidência encontrada por meio de resíduos de bactérias preservadas nos dentes fossilizados.

Porém, a novidade dessa pesquisa está no nível genético: o gene AMY1, responsável por produzir amilase — uma enzima que inicia a digestão de amidos ainda na boca —, teve seu número de cópias duplicado em algum momento muito antes do surgimento da agricultura. Essa expansão genética, que hoje permite a digestão eficiente de pães e massas, já era observada em humanos pré-históricos, como os Neandertais e os Denisovanos.

Curiosamente, essas linhagens extintas, assim como os humanos modernos, compartilhavam essa vantagem digestiva com uma ancestralidade comum, sugerindo que o apetite por carboidratos não foi uma invenção da era agrícola, mas uma adaptação antiga, possivelmente com mais de 800 mil anos.

Um gene versátil e a evolução dos cérebros famintos

Os cientistas do Jackson Laboratory e da Universidade de Buffalo analisaram genomas de 68 humanos antigos para desvendar a história do AMY1. Descobriram que, há 45 mil anos, caçadores-coletores já carregavam de quatro a oito cópias desse gene, uma indicação de que o consumo de carboidratos era vantajoso mesmo antes de cultivarmos trigo e arroz.

Taylor Hermes, antropólogo da Universidade de Arkansas, aponta que essa habilidade digestiva pode ter sido um dos fatores que impulsionaram o crescimento dos cérebros humanos. Ao metabolizar amidos em açúcares simples, nossos ancestrais obtinham energia rápida e eficiente — essencial para alimentar um cérebro em expansão. Essa teoria coloca os carboidratos como os verdadeiros combustíveis da evolução cognitiva, ao invés das proteínas, como se acreditava até recentemente.

Em termos evolutivos, essa duplicação genética não foi apenas sorte. Ao acaso, a presença de mais cópias do AMY1 criou uma “oportunidade genética” que nos deu vantagem em ambientes onde alimentos ricos em amido eram abundantes. Isso reforça que nossos hábitos alimentares são profundamente moldados pelo ambiente e pela seleção natural.

Evolução digestiva e agricultura: uma parceria recente

Embora o aumento inicial das cópias do AMY1 tenha ocorrido muito antes da agricultura, os pesquisadores observaram um crescimento significativo desse número nos últimos 4 mil anos. Essa mudança coincide com o momento em que humanos começaram a cultivar cereais e adotar uma dieta à base de grãos. A adaptação genética à nova dieta provavelmente foi favorecida pela seleção natural, uma vez que digerir carboidratos com mais eficiência trouxe benefícios claros para a saúde e a sobrevivência.

O estudo, publicado na revista Science, também surpreendeu ao identificar múltiplas cópias do AMY1 em genomas publicados de Neandertais e Denisovanos. Para Christina Warinner, professora de Antropologia em Harvard, essa descoberta é notável, pois permite compreender melhor como mudanças alimentares influenciaram a evolução humana. Warinner ressalta que reconstruir a história genética é uma tarefa árdua, mas as pistas reveladas pelo estudo ajudam a “carimbar no tempo” os momentos-chave da nossa relação com o amido.

Uma herança genética que ainda nos alimenta

Embora ainda existam dúvidas sobre quando exatamente começou a duplicação do AMY1, não há como negar seu impacto. Hoje, a quantidade de cópias desse gene varia entre indivíduos, e quem tem mais cópias tende a produzir mais amilase na saliva, o que facilita o consumo de alimentos como batatas, massas e arroz. A genética continua, portanto, a desempenhar um papel fundamental em como aproveitamos a energia dos alimentos.

Com o avanço de novas pesquisas genéticas, é possível que mais mistérios sejam desvendados sobre as dietas de nossos antepassados. Afinal, a história da nossa relação com o que comemos é também uma história de adaptação e inovação genética. Para os amantes de carboidratos, fica o consolo: talvez nosso gosto por massas e pães seja apenas o reflexo de milhões de anos de evolução.

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