A corrida pelos elementos de terras raras pode ser desastrosa
A próxima corrida do ouro pode ser no espaço, mas os tesouros atraindo os garimpeiros modernos não vão virar joias de luxo. Esses tesouros são os metais de terras raras, um grupo de 17 elementos químicos, com nomes trava-língua como ítrio e túlio, que são usados em televisores, telefones celulares, laptops, carros, medicamentos de tratamento do câncer, isolamento de reatores nucleares, motores de avião e armas. Cobiçados por suas propriedades magnéticas e condutoras, eles tornam tecnologias mais rápidas, fortes, leves e eficientes.
“Sem os terras raras e as capacidades de miniaturização que eles fornecem, computadores teriam o tamanho de salas de aula, em vez do tamanho dos smartphones”, afirma, em entrevista ao site Phys.org, Julie Michelle Klinger, professora assistente de relações internacionais da Escola de Estudos Globais Frederick S. Pardee da Universidade de Boston e especialista em políticas de desenvolvimento, meio ambiente e segurança na América Latina e China.
Nos últimos anos, temores que as reservas destes elementos na Terra um dia sejam esgotadas têm ajudado a alimentar uma corrida para extraí-los, especialmente entre países como os Estados Unidos, China e Brasil. Especialistas destacam Bayan Obo, um distrito de mineração na Mongólia Interior apelidado de “a capital de terras raras do mundo”, que poderia ser extraído em 50 anos. Além disso, estão de olho fontes inexploradas, como a Amazônia, e até mesmo os asteroides no nosso sistema solar.
Nem tão raros assim
Klinger, cuja pesquisa sobre terras raras e a geopolítica em torno deles será publicada no livro “Rare Earth Frontiers” (Fronteiras de Terras Raras, em tradução livre), está menos preocupada.
Por um lado, segundo a cientista, elementos terras raras não são raros. Acreditava-se que estes seriam escassos quando foram descobertos na Suécia, no século XVIII, mas, na verdade, são “muito bem distribuídos na crosta da Terra”. “Poderíamos cavar ao longo das margens do rio Charles, em Boston e, provavelmente, encontrar alguns traços deles”, afirma.
De acordo com Klinger, terras raras compõem quase um quinto dos elementos que ocorrem naturalmente, e são mais de duas vezes mais abundantes que o cobre na crosta da Terra – nós não o consumimos tão rapidamente quanto o cobre. Isso porque os terras raras estão para a tecnologia assim como o bicarbonato de sódio está para cookies de chocolate: um pouco faz uma grande diferença. De acordo com um relatório da Adamas Intelligence, que publica pesquisas sobre metais e mineração, o consumo mundial de terras raras foi de pouco mais de 120 mil toneladas métricas em 2014; em comparação, o consumo de cobre chegou a cerca de 22 milhões de toneladas métricas.
O que preocupa Klinger é uma “escassez estrutural” de terras raras. Apenas um país, a China, produz a grande maioria dos elementos, e, enquanto recursos da China são abundantes, eles não são ilimitados, como demonstram as preocupações com fornecimento de Bayan Obo.
A pesquisadora afirma que a corrida espacial, em parte atribuída à busca de terras raras, é motivada, na verdade, por agendas políticas – uma oportunidade para países e empresas participarem de uma reivindicação de territórios anteriormente protegidos, ganhando riqueza e poder no processo. Sua pesquisa descobriu muitos exemplos históricos de países envolvidos em brinkmanship – uma estratégia que consiste em forçar uma situação inerentemente perigosa até à iminência de um desastre em vantagem própria – de alto risco envolvendo terras raras, e ela diz que alguns atores globais podem estar se preparando para fazer o mesmo novamente.
Porém, tal postura é desnecessária. A melhor maneira de manter nossos computadores portáteis sem sabotar as relações internacionais ou começar a minar asteroides seria mudar a forma como extraímos esses elementos atualmente – e outra pode ser parar de chamá-los de raros.
Descobertas explosivas
Quase tão logo os cientistas descobriram o que fazer com os terras raras, os elementos viraram essenciais na vida diária e na guerra. Na década de 1880, o cério foi usado para ajudar a criar a primeira lanterna a gás e mais tarde a “pedra do sílex”, que acende quando sofre um impacto e ainda hoje é usada em isqueiros, carros e armas. A pesquisa de Klinger mostra que à medida que o progresso tecnológico pede por mais e diferentes elementos terras raras, eles ficaram enredados na política e até mesmo em guerras. Quando a oferta da Escandinávia já não podia saciar os apetites das potências europeias famintas por recursos, mestres imperiais começaram a cavar terras coloniais em busca de mais.
Encontrar e dominar o acesso a terras raras se tornou ainda mais importante à medida que, quando chegou a Primeira Guerra Mundial, o cério se tornou essencial na fabricação de fusíveis e explosivos. Na década de 1920, segundo um artigo da cientista em “The Extractive Industries and Society”, o Japão imperial organizou Estados fantoches locais – Estados cujo governo depende de uma potência estrangeira e que segue os interesses econômicos e estratégicos dela – envolvidos em atividades de prospecção e assumiu indústrias pesadas e fábricas de munições na China para ganhar o controle dos recursos naturais do país, incluindo terras raras.
Em meados do século XX, os terras raras passaram a ser usados em armas mais sofisticadas: neodímio em mísseis balísticos intercontinentais e armas a laser; samário em reatores nucleares. A corrida para controlar a produção de terras raras tinha começado. Em 1948, a Índia deixou de exportar monazita – um mineral rico em terras raras e tório, uma fonte de energia atômica. Os Estados Unidos tentaram negociar com grãos para aliviar a fome do país, na esperança de ganhar um aliado na Guerra Fria. Mas a Índia recusou, esmagando as esperanças dos EUA de que um acordo ajudaria a conter a influência soviética no país asiático.
Corrida por elementos
As preocupações dos EUA sobre a oferta foram aliviadas em 1949 com a descoberta de uma mina em Mountain Pass, Califórnia, e entre 1960 e 1990, o país passou a ser o produtor dominante de terras raras. Mas logo seria ultrapassado pela China.
Na década de 1950, quando a China e a União Soviética estavam trabalhando para construir suas forças armadas, Bayan Obo recebeu tanto investimento, planejamento e especialização soviética que lançou as bases para que eventualmente emergisse como a capital de terras raras do mundo. A globalização também desempenhou um papel na ascensão de Bayan Obo; na década de 1980, as empresas de todo o mundo começaram a subcontratar aspectos da mineração de terra rara para a China para economizar dinheiro – e para evitar as regulamentações ambientais de seus países de origem.
A mineração de depósitos de terras raras, que tendem a se formar ao lado de elementos radioativos, é um trabalho difícil e confuso. Tubos utilizados para desviar os resíduos radioativos provenientes de locais de processamento correm risco de explodir – despejando ácidos, elementos que causam câncer e outros materiais nocivos no solo e águas subterrâneas. Na mina de Mountain Pass, segundo Klinger, um gasoduto estruturalmente instável e excepcionalmente longo estava sendo usado para desviar águas residuais contendo sais radioativos. Houve cerca de 60 derrames relatados entre 1984 e 1998.
Em 2000, Mountain Pass foi fechada depois de ser atormentada por violações ambientais e concorrência da China. O fechamento entregou o mercado dominante para a China – que na época detinha a mineração de mais de 95% das terras raras usadas em todo o mundo – que impôs quotas de exportação, o que irritou principais importadores como os Estados Unidos e o Japão. Uma década depois, o país parou de exportar terras raras para o Japão em retaliação a um conflito de fronteira marítima, que ajudou aumentar os preços em até 2000%.
“O mundo acordou para a sua dependência da China”, diz Klinger. “Isso desencadeou uma onda de especulação e de prospecção” em locais como a Groenlândia, Texas, Canadá e Brasil.
Hoje, com as tensões entre os Estados Unidos e a China aumentando por causa de hackeamento de informações e as disputas territoriais no Mar da China Meridional, a pesquisadora acredita que um conflito sobre terras raras poderia ajudar a levar os países a um confronto direto.
“Estamos em um momento muito crítico no que diz respeito às relações políticas e geopolíticas entre os EUA e a China”, afirma. “Há atores em ambos os lados que têm a intenção de engajar-se em discursos com ameaças bélicas e apontar uma razão ou outra pela qual o conflito entre os EUA e a China é inevitável ou necessário. Depender da China para os elementos terras raras simplesmente coloca mais lenha na fogueira”.
Riqueza e poder
A prospecção mundial provocada por restrições de exportação da China não é puramente a respeito da segurança nacional – ou até mesmo manter os telefones celulares e máquinas de raios-X do mundo ligados – de acordo com a especialista: é sobre poder. Para Klinger, criar mineração em grande escala na Amazônia, por exemplo, permitiria que o governo brasileiro tivesse maior controle sobre a terra atualmente gerida por uma federação de 28 grupos étnicos indígenas. “O poder da federação é visto como uma afronta à soberania do Brasil porque há uma percepção entre alguns, inclusive no governo federal e no Senado, que os povos indígenas são marionetes de governos estrangeiros, porque muito financiamento de organizações não governamentais do norte [das Américas] passou a apoiar essas populações indígenas e suas causas”, opina.
A corrida do ouro interestelar é um pouco diferente. Em novembro de 2015, o Congresso dos Estados Unidos aprovou a Lei do Espaço de 2015, que concede aos cidadãos o direito de extrair e vender o material espacial. A legislação foi motivo de alegria entre as empresas de mineração de asteroides que podem fazer uma fortuna extraindo água, metais industriais e terras raras através do espaço.
Estas empresas já deram o primeiro passo em direção à mineração. Em julho de 2015, a empresa Planetary Resources lançou uma sonda para testar sistemas de controle e outras tecnologias necessárias para a prospecção de asteroides. No mesmo ano, Klinger participou de uma conferência de mineração espacial em que representantes da indústria privada de exploração espacial estavam “invocando a raridade de elementos de terras raras e o fato de que nós estamos ficando sem eles aqui na Terra”.
Para a pesquisadora, a Lei do Espaço de 2015 é em grande parte uma tentativa de colocar o espaço sob a jurisdição dos Estados Unidos. “E se você conseguir atravessar a superfície sobre o espaço e a grande fronteira nas transcrições que discutem esta lei”, diz ela, “o que você vê é que isso realmente prejudica diretamente o Tratado do Espaço Exterior de 1967 assinado pelos Estados Unidos, Rússia e outros países”. Esse tratado consagra o espaço exterior como pertencente a toda a humanidade e foi explicitamente organizado para minimizar os conflitos no que diz respeito ao espaço exterior.
“Um dos debates mais potentes e persuasivos nos EUA em torno da promoção e passagem definitiva desta lei foi o medo de que a China ‘colonize’ a lua se não chegarmos lá primeiro”, conta. Ela espera que outros países não levem a Lei do Espaço a sério, porque, caso o contrário, poderia haver um conflito global.
Como desfazer os danos
Klinger acredita que há melhores maneiras de manter uma produção constante de terras raras do que o corte de floresta tropical ou enviar máquinas pesadas para o espaço. Em primeiro lugar, os esforços da China para reduzir a produção devem ser apoiados – isso iria ampliar o mercado e aliviar a carga ambiental do país. Após o pânico de 2010 provocado por restrições de exportação da China, a Organização Mundial do Comércio decidiu contra as quotas de exportação de terras raras da China, cimentando ainda mais o quase monopólio do país e contribuindo para a produção global altamente irregular feita de uma forma devastadora para o meio ambiente e para as pessoas.
Os efeitos deste tipo de extração estão sendo vistos em primeira mão em Bayan Obo. “Metais pesados, flúor e arsênico que se acumulam no solo e água da cidade por décadas de mineração têm lentamente envenenado residentes nas proximidades e seus animais”, escreveu Klinger na Revisão de Estudos Latino-Americanos da Universidade de Berkeley de 2013. “Alguns verdadeiros habitantes são tragicamente reconhecíveis por sua pele empolada e dentes descoloridos”.
Isso não significa que Klinger quer espalhar os problemas de saúde por aí. A pesquisadora gostaria que a indústria mudasse o paradigma de obtenção de recursos, seguindo o exemplo da empresa brasileira CBMM, que tem o monopólio global do nióbio, um elemento usado principalmente em aço e outras ligas. A empresa desenvolveu tecnologia para extrair terras raras a partir de resíduos de mineração existentes. Klinger diz que, com a pesquisa, a tecnologia poderia funcionar em outros lugares – como minas de prata ou de fosfato – cujos resíduos incluem terras raras. Isso exigiria publicidade e investimento, juntamente com a pressão pública e incentivos fiscais para encorajar os principais compradores a pagar por terras raras mais ecológicos.
“Dada a importância dos elementos de terras raras para todos, o desenvolvimento de um meio ambiental e socialmente responsável de produzi-los é algo pelo qual nós realmente deveríamos estar trabalhando em conjunto”, explica. “E se nós nos encontramos em uma situação em que temos conflitos sobre recursos de terras raras que parecem com os conflitos em que estivemos envolvidos em relação aos recursos petrolíferos no Oriente Médio, terá sido absolutamente e inteiramente evitável – e absolutamente e inteiramente nossa culpa”.
Um primeiro passo para reavaliar a abordagem do mundo a respeito de terras raras, como aponta a especialista, pode ser simplesmente parar de chamá-los de raros. “Analisando as diferentes maneiras que os terras raras têm sido usados como moeda de troca nas relações internacionais – por exemplo, entre os EUA e a Índia durante a Guerra Fria, os EUA e a China na luta dos Estados Unidos contra o comunismo -, chamar essas coisas ‘raras’ as impregna com carga política”, diz Klinger. Reconhecer que não é necessário perfurar a Via Láctea para alimentar nossos celulares pode ajudar a manter a exploração espacial não focada no abastecimento da Terra, mas, sim, buscar mundos além dela. [Phys.org]
1 comentário
A única ‘terra rara’ que merece o título é a própria Terra, afinal quantas Unidades Astrooooonômicas podemos encontrar outra? Viva? Criando?