Físicos amarram com sucesso os primeiros nós quânticos
Físicos teóricos previam que deveria ser possível que nós se formassem em campos quânticos há décadas, mas ninguém conseguia descobrir como realizar esta façanha experimentalmente. Agora, uma equipe internacional conseguiu fazer exatamente isso, amarrando nós em um superfluido pela primeira vez usando a manipulação de campos magnéticos, conforme relata a editora sênior de ciência do site Gizmodo, Jennifer Ouellette.
Liderados por David Hall, físico da Amherst College, nos Estados Unidos, e Mikko Möttönen, da Universidade Aalto, na Finlândia, o grupo descreve sua realização pioneira em um novo artigo publicado na revista “Nature Physics”. É difícil visualizar estes objetos quase abstratos para quem não está acostumado aos conceitos, mas eles são essencialmente anéis semelhantes a partículas em um campo quântico ligados uns aos outros exatamente uma vez.
Um matemático pode não considerar estas estruturas como verdadeiros nós. Tipicamente, um nó é definido como um círculo atado, como um pretzel, enquanto uma pulseira de borracha, por exemplo, seria considerada um “não nó”. Hall e Möttönen preferem pensar em suas estruturas como sólitons nodosos.
Mas o que é um sóliton? Um certo tipo de onda viajante que continua rolando para a frente a uma velocidade constante, sem perder sua forma. Tais objetos também aparecem na teoria quântica de campos. Ouellette explica: “Cutuque um campo quântico e você vai criar uma oscilação [onda] que geralmente se dissipa para fora, mas configure as coisas da maneira certa e essa a oscilação vai manter a sua forma”, exatamente como uma onda viajante.
Experiência inédita
Möttönen leu sobre previsões teóricas de nós quânticos e ficou intrigado com a possibilidade. Depois de fazer alguns cálculos no papel, ele fez simulações de computador para demonstrar o que procurar nos dados experimentais e uniu-se com o grupo de pesquisa de Hal e Amherst para testar suas descobertas.
Primeiro, eles precisavam de um meio – neste caso um estado quântico da matéria conhecido como condensado de Bose-Einstein (BEC). Em temperaturas normais, os átomos se comportam de maneira muito semelhante a bolas de bilhar, batendo uns nos outros e em qualquer parede que os contenha. Mas eles fazem isso mais lentamente à medida que a temperatura diminui. Chegando até uma temperatura bilionésimos de grau acima do zero absoluto, os átomos ficam tão densamente próximos uns dos outros que começam a perder suas identidades individuais. Você acaba com uma amostra ultrafria da matéria quântica.
Os físicos criaram os primeiros BECs em 1995, 70 anos depois de terem sido previstos pela primeira vez, mas uma vez que descobriram o truque – e tinham a tecnologia certa – fazer BECs tornou-se rotina. “Agora, é só você espirrar e um BEC sai”, declarou Hall em entrevista ao Gizmodo. Mais especificamente, a matéria quântica presente nas experiências do estudo é um superfluido, uma vez que flui sem viscosidade.
Dando nós
O passo seguinte foi amarrar os nós através da manipulação inteligente de campos magnéticos. A amostra tem um campo superfluido quântico, melhor visualizado como uma série de pontos no espaço, cada um com uma orientação específica. Por exemplo, pense em um monte de setas apontando para cima – este é o estado inicial do superfluido. Quando se forma um nó, ele tem um núcleo, essencialmente um círculo de pontos onde as setas todas apontam para baixo.
Hall compara isto com as peças artesanais chamadas de Ojo de Dios. “Se você seguisse a linha do campo magnético, iria em direção ao centro, mas na última hora iria se distanciar dos demais em uma direção perpendicular”, explica. “É uma forma particular de rotação destas setas que lhe dá essa configuração conectada”.
A montagem experimental era tão delicada que, quando o processo começou, até mesmo pausas para ir ao banheiro eram proibidas. O menor movimento de qualquer objeto de metal – como uma cadeira de escritório – poderia perturbar o campo magnético e impedir que os nós se formassem. “Éramos limitados pela nossa capacidade de manter a nossa atenção focada”, admitiu Hall. “Depois de uma hora, suas costas estão te matando”.
Mas todo o esforço e a dor nas costas valeu a pena no final. “Começamos com absolutamente nada funcionando e trabalhamos por mais de um ano antes de termos resultados”, conta Möttönen. Depois de prontos, bastava combiná-los com as simulações correspondentes. O grupo ficou muito mais hábil em amarrar nós em campos quânticos desde então, conseguindo até mesmo gravar vídeos dos nós que fizeram.
Um pouco de história
Os nós criados por Hall e Möttönen se assemelham a anéis de fumaça, o que parece especialmente apropriado, dada a história da teoria dos nós na física e na matemática. No século XIX, o físico escocês Peter Tait realizou uma série de experimentos envolvendo anéis de fumaça. William Thomson (Lord Kelvin) ficou impressionado pela forma como estes anéis poderiam se formar e ser estáveis o suficiente para ir muito longe antes de se dissipar. Tait os descreveu como sendo “anéis de borracha natural sólida”.
Isso inspirou Thomson a desenvolver uma teoria de que os átomos eram nós atados nos vórtices giratórios de um meio, conhecido então conhecido como éter luminífero. Na época, acreditava-se que este éter deveria existir para explicar o estranho comportamento da luz. Um fluido ideal sem fricção (zero viscosidade) deixaria tais anéis estáveis, e o éter foi concebido como um fluido ideal, de forma muito parecida com o superfluido utilizado nos experimentos da equipe de Hall e Möttönen. Tipos diferentes de nós correlacionam-se com diferentes tipos de átomos – hidrogênio ou oxigênio, por exemplo. Tait até mesmo compilou uma classificação dos tipos de nós, tentando construir a sua própria versão de uma tabela periódica dos elementos.
Estes dados não estavam corretos, é claro: com a chegada do século XX, experimentos confirmaram que não existe o tal éter luminífero e sem ele, a teoria não funciona. Mas alguns físicos consideram a teoria dos nós no vórtex como sendo a teoria das cordas original.
Instáveis ou estáveis?
Uma das questões em aberto é o que acontece com esses nós quânticos ao longo do tempo. Os nós são topologicamente estáveis: ao contrário dos nós que fazemos em cordas ou cordões dos sapatos, um nó topologicamente estável não pode ser desatado sem cortar a corda, embora você possa reposicioná-lo dentro dela. Do mesmo modo, os nós quânticos no estudo não podem ser separados sem quebrar os anéis. “Eles não conseguem se ‘desamarrar’; eles estão presos em qualquer jeito estranho que tenham sido torcidos [no superfluido]”, afirmou Hall.
A única maneira que o nó pode escapar de sua prisão topológica é encolhendo, o que ele deve fazer ao longo do tempo porque vai procurar minimizar sua energia – assim com uma bola quer rolar morro abaixo para minimizar a sua energia potencial. Então, estes nós podem não ser dinamicamente estáveis.
Hall gostaria de saber, em particular, se o nó pode durar mais tempo do que o seu meio de superfluido. “Se isso acontecer, então ele é efetivamente estável”, aponta. “Mas se o superfluido permanece e o nó some da existência, então é claramente dinamicamente instável e isso seria triste, porque então é difícil de estudá-lo”.
Aplicação prática
Esta é uma pesquisa muito fundamental, portanto, aplicações ao mundo real estão ainda muito no futuro. Hall afirmou ao Gizmodo que gosta de pensar em avanços científicos como uma pirâmide, com a pesquisa fundamental na base. “Cada grupo de cima [físicos aplicados ou engenheiros, por exemplo] escolhem as coisas a partir das camadas abaixo e as unem em novas formas”, disse. “Os produtos de consumo estão no ápice da pirâmide, mas você simplesmente não sabe, na base, o que, eventualmente, vai ser útil”.
Dito isto, Möttönen acredita que o estudo pode fornecer uma boa prova de princípio para os físicos interessados em desenvolver computadores quânticos topológicos. Tal projeto trançaria qubits – bits quânticos; cada qubit é uma unidade de informação quântica – em uma espécie de nó; diferentes tipos de tranças codificariam diferentes tarefas computacionais e essas estruturas seriam topologicamente estáveis. “O resultado não depende das posições dessas coisas”, disse Möttönen. “Se você movê-las um pouco não faz diferença, por isso [tal computador] deve ser muito resistente contra qualquer erro”.
O projeto ainda está nas fases iniciais, mas é promissor o suficiente para que a Microsoft esteja colaborando com o físico Charles Marcus (agora na Universidade de Copenhague) e outros para fazer com que o projeto dê bons frutos.
O que seria realmente interessante é se o grupo das universidades de Amherst e Aalto conseguisse criar nós quânticos mais complicados. Talvez haja uma classe inteira desses objetos, de maneira muito parecida com o gráfico de nós do mundo real compilados por Tait no século XIX. Para Hall e Möttönen, este é apenas o começo da caminhada. [Gizmodo]