Humanos não são naturalmente egoístas e estas são as provas

Por , em 25.08.2020ilustracao de pessoas de diferentes etnias

Há muito existe uma suposição geral de que os seres humanos são essencialmente egoístas. Somos aparentemente implacáveis, com fortes impulsos para competir uns contra os outros por recursos e para acumular poder e posses.

Se somos gentis uns com os outros, geralmente é porque temos segundas intenções. Se formos bons, é apenas porque conseguimos controlar e transcender nosso egoísmo [humano] e brutalidade inatos.

Essa visão sombria da natureza humana está intimamente associada ao escritor científico Richard Dawkins, cujo livro O Gene Egoísta se tornou popular porque se encaixava tão bem (e ajudou a justificar) o etos competitivo e individualista das sociedades do final do século XX.

Como muitos outros, Dawkins justifica seus pontos de vista com referência ao campo da psicologia evolucionista. A psicologia evolucionista teoriza que os traços humanos atuais se desenvolveram em tempos pré-históricos, durante o que é denominado “ambiente de adaptação evolutiva”.

Isso geralmente é visto como um período de intensa competição, quando a vida era uma espécie de batalha romana de gladiadores, na qual apenas as características que davam às pessoas uma vantagem de sobrevivência eram selecionadas e todas as outras eram deixadas de lado. E como a sobrevivência das pessoas dependia do acesso aos recursos — pense em rios, florestas e animais — havia competição e conflito entre grupos rivais, o que levou ao desenvolvimento de características como racismo e guerra.

Isso parece lógico. Mas, na verdade, a suposição em que se baseia — que a vida pré-histórica era uma luta desesperada pela sobrevivência — é falsa.

Abundância pré-histórica

É importante lembrar que na era pré-histórica, o mundo era pouco povoado. Portanto, é provável que houvesse uma abundância de recursos para grupos de caçadores-coletores.

De acordo com algumas estimativas, cerca de 15 mil anos atrás, a população da Europa era de apenas 29 mil pessoas, e a população do mundo inteiro era de menos de meio milhão. Com densidades populacionais tão pequenas, parece improvável que grupos pré-históricos de caçadores-coletores tivessem que competir uns com os outros ou tivessem qualquer necessidade de desenvolver crueldade e competitividade, ou ir para a guerra.

Na verdade, muitos antropólogos agora concordam que a guerra é um desenvolvimento tardio na história da humanidade, surgindo com os primeiros assentamentos agrícolas .

Evidência contemporânea

Há também evidências significativas de grupos contemporâneos de caçadores-coletores que vivem da mesma maneira que os humanos pré-históricos. Uma das coisas impressionantes sobre esses grupos é seu igualitarismo.

Como observou o antropólogo Bruce Knauft, os caçadores-coletores são caracterizados por “um igualitarismo político e sexual extremo”. Indivíduos em tais grupos não acumulam suas próprias propriedades e posses. Eles têm a obrigação moral de compartilhar tudo. Eles também têm métodos para preservar o igualitarismo, garantindo que não surjam diferenças de status.

Os !Kung da África Austral, por exemplo, trocam flechas antes de irem caçar e quando um animal é morto, o crédito não vai para a pessoa que disparou a flecha, mas para a pessoa a quem a flecha pertence. E se uma pessoa se torna muito dominadora ou arrogante, os outros membros do grupo a ostracisam.

Humanos sem egoísmo: mulher kung trabalhando ao lado de uma crianca
Mulher !Kung trabalhando ao lado de uma criança. Staehler / wikimediacommons , CC BY

Normalmente, nesses grupos, os homens não têm autoridade sobre as mulheres. As mulheres geralmente escolhem seus próprios cônjuges, decidem que trabalho querem fazer e trabalham quando querem. E se um casamento se desfizer, elas têm o direito de custódia dos filhos.

Muitos antropólogos concordam que essas sociedades igualitárias eram normais até alguns milhares de anos atrás, quando o crescimento populacional levou ao desenvolvimento da agricultura e a um estilo de vida acomodado.

Altruísmo e igualitarismo e não egoísmo humano

Em vista do exposto acima, parece haver pouca razão para supor que características como racismo, guerra e dominação masculina deveriam ter sido selecionadas pela evolução; já que teriam sido de pouco benefício para nós. Indivíduos que se comportassem de maneira egoísta e implacável teriam menos probabilidade de sobreviver, já que teriam sido condenados ao ostracismo de seus grupos.

Faz mais sentido do que ver características como cooperação, igualitarismo, altruísmo e paz como naturais para os seres humanos. Essas foram as características que prevaleceram na vida humana por dezenas de milhares de anos. Então, presumivelmente, essas características ainda são fortes em nós agora.

Claro, você pode argumentar que, se esse for o caso, por que os humanos de hoje geralmente se comportam de forma tão egoísta e implacável? Por que esses traços negativos são tão normais em muitas culturas? Talvez, entretanto, essas características devam ser vistas como o resultado de fatores ambientais e psicológicos.

Protesto: humanos não demonstram egoísmo ao trabalhar em conjunto
Existem muitos exemplos de humanos trabalhando juntos para um bem maior. Crédito: Agência Brasil Fotografias, CC

Pesquisas mostraram repetidamente que, quando os habitats naturais dos primatas são perturbados, eles tendem a se tornar mais violentos e hierárquicos. Portanto, pode muito bem ser que a mesma coisa tenha acontecido conosco, desde que abandonamos o estilo de vida de caçadores-coletores.

Em meu livro The Fall (A Queda, em tradução livre), sugiro que o fim do estilo de vida do caçador-coletor e o advento da agricultura estavam ligados a uma mudança psicológica que ocorreu em alguns grupos de pessoas. Havia um novo senso de individualidade e separação, que levou [os humanos] a um novo egoísmo e, em última instância, às sociedades hierárquicas, ao patriarcado e à guerra.

De qualquer forma, esses traços negativos parecem ter se desenvolvido tão recentemente que não parece viável explicá-los em termos adaptativos ou evolutivos. O que significa que o lado “bom” de nossa natureza está muito mais enraizado do que o lado “mau”.

Esse artigo foi escrito e publicado originalmente no The Conversation por Steve Taylor, professor sênior de psicologia da Leeds Beckett University (Reino Unido) e reproduzido com permissão Creative Commons. Leia o artigo original (em inlgês).

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