João de Deus não faz milagre nenhum. Descubra aqui o porquê

Por , em 16.11.2014

Em 25 de outubro desse ano, um programa de televisão australiano chamado “60 Minutos” (em tradução livre) contou a história da cética investigação que a jornalista Liz Hayes fez sobre o enigmático João Teixeira de Faria, mais conhecido como “João de Deus”, em 1998.

O brasileiro ficou internacionalmente conhecido depois de ser promovido por ninguém menos que a apresentadora norte-americana Oprah Winfrey, uma das mais famosas do mundo, como um médium que canalizava os espíritos de médicos mortos e os usava para realizar curas milagrosas em pessoas das mais diversas nacionalidades que o visitavam em sua “Casa”, em Abadiânia, Goiás.

Aqui está um resumo do que foi revelado nesta investigação, embora o título desse artigo já dê uma boa dica do que você vai encontrar aqui pela frente.

Parte 1 do caso João de Deus

Na parte 1 da reportagem, o repórter Michael Usher revelou que uma mulher declarada como curada de um câncer de mama por uma entidade espiritual canalizada por João de Deus morreu em 2003. Uma outra mulher em uma cadeira de rodas com esclerose múltipla que, na pesquisa de Hayes realizada em 1998, visitou João com a expectativa de andar novamente, disse não ter sentido qualquer efeito do “tratamento” e obviamente ainda está em uma cadeira de rodas. Na verdade, sua condição até piorou. Mas se você é desses que diz “não custava nada tentar”, bem, você está enganado. Essa brincadeira de sair lá da Austrália para vir até o “consultório” de João de Deus saiu por 5 mil dólares australianos. Algo que ultrapassa tranquilamente os 10 mil reais. A matéria de Usher também conta que nenhum dos outros australianos (que vieram em um grupo de 40 pessoas) sentiram qualquer melhora após a consulta.

O relatório do jornalista Usher também mencionou que alguns dos milhares de pacientes de João também esperavam receber uma tal de “cirurgia espiritual” com ele, 3 vezes na semana. Essas práticas, tais como a inserção de tesouras (ou pinças) de profundidade em um nariz, e raspar um olho sem anestesia, foram registradas em histórias anteriores sobre João. Parece cruel, não? João também foi mostrado diversas vezes fazendo várias incisões na pele de seus “pacientes” sem demonstrar o menor respeito por procedimentos anestésicos ou de esterilização de materiais.

Para o médico David Rosengren, “o mundo da medicina moderna não pode tolerar esse comportamento de forma alguma”. Fácil de concordar com ele, não? Até porque um procedimento como esse pode custar bem mais caro – se a gente partir do pressuposto que uma vida vale bem mais de 5 mil dólares.

No decorrer da matéria, Usher esclarece a questão dos valores cobrados

A consulta com o João de Deus era gratuita, mas muitas vezes ele prescrevia visitas a uns leitos de cristal [que contavam com luzes coloridas brilhando sobre eles], que custavam US$ 25 por sessão. Isso gerava uma receita de aproximadamente 1.8 milhão de dólares por ano. Nada mal. Havia também a “água abençoada”, que custava cerca de um dólar por garrafa. O consultório também contava com uma loja de presentes e uma farmácia, que vendia pílulas abençoadas de ervas (apenas disponíveis sob prescrição João de Deus, aparentemente). Uma caixa saía por US$ 25, o que garantia uma receita de US$ 40.000 POR DIA. Isso significava mais de US$ 14 milhões por ano (R$ 36,15 mi no câmbio atual).

Usher ressalta que foi comprovado que as pílulas não eram nada além de maracujá.

De acordo com o Natural Medicines Comprehensive Database (banco de dados de medicina natural, em tradução livre), o maracujá é “possivelmente seguro quando usado por via oral e de forma adequada para fins medicinais de curto prazo”, e também é “possivelmente perigoso quando utilizado em quantidades excessivas” e não deve absolutamente ser usado durante a gravidez, já que “constituintes de maracujazeiro mostram evidências de estimulação uterina”, o que poderia provocar um aborto.

Esse mesmo banco de dados sugere que o composto em questão é possivelmente eficaz para transtornos de humor, ansiedade e abstinência de opiáceos, mas “pode causar tonturas, confusão, sedação e ataxia” e há alguns relatos de efeitos colaterais mais graves, incluindo vasculite e consciência alterada. Ou seja: requer um certo cuidado ao ser prescrito.

Parte 2 do caso João de Deus

Na Parte 2 da matéria, Usher afirmou que houve duas mortes nos últimos anos na “Casa” que justificam as investigações, mas ninguém sequer foi acusado.

Ele também informou que, em 2010, quando João visitou Sedona, no Arizona (Estados Unidos), o departamento de polícia o investigou porque uma mulher disse que ele pegou as mãos dela e as colocou em seus órgãos genitais; João também teria tentado colocar a mão embaixo da saia dela. O caso nunca foi ao tribunal; um de seus associados incentivou a mulher a desfazer as acusações. Sabe-se lá que incentivos foram esses.

O que João tem a dizer em sua própria defesa?

O jornalista australiano tentou entrevistar João, mas ele acabou ficando muito irritado depois que Usher perguntou se João se interessava mais pelo dinheiro do que pelos milagres e se ele já havia agredido sexualmente algum de seus pacientes. A matéria mostra que João foi embora, respondeu sarcasticamente para o intérprete e depois voltou para a entrevista insistindo para ver o que havia sido gravado. Suspeito.

Mas isso não foi tudo.

Em 10 de fevereiro de 2005, foi ao ar no horário nobre da televisão norte-americana uma entrevista muito mais cordial de João de Deus, conduzida pelo repórter John Quiñones, que também entrevistou o milagreiro Oz e o médico James Randi. Nessa ocasião, Oz falou de uma “técnica” que envolvia colocar uma pinça no nariz das pessoas para ver se isso teria alguma influência sob medicamentos tomados.

Essa especulação obviamente não faz sentido anatômico, mas os telespectadores não tiveram acesso a essa informação esclarecida pelo Dr. Randi, porque o horário nobre escolheu colocar no ar apenas os 19 segundos em que o médico protestou contra João de Deus, declarando-o um charlatão.

Embora Quiñones seja um jornalista premiado, o saldo dessa entrevista acabou sendo um desserviço aos seus telespectadores, por não explorar os dois lados da história.

Conclusão

Ao relatar João Teixeira de Faria, Oprah e Quiñones selecionaram informações para incentivar o pensamento positivo de que Deus e os espíritos usam um homem sem instrução como um canal para a cura sobrenatural.

Em contraste, tanto o levantamento realizado em 1998 quanto o de 2014 por parte do australiano foram baseados em um ceticismo saudável e permitiu os espectadores compreendessem os méritos de pontos de vista contrastantes. Em seu relatório, Michael Usher reconheceu o valor da esperança, mas também observou que ela pode ser uma fraqueza, transformando as pessoas em presas fáceis e vulneráveis para o pior tipo de seres humanos.

João de Deus é um homem que afirma fazer milagres e curar os doentes. Ele se chama João de Deus, mas não há nada de divino nele. Milhares de pessoas o procuram na esperança de uma cura para a sua dor, mas acabam sendo esfolados na hora de pagar a conta. Ele se vende como a suposta cura de Deus, mas não o faz de bom grado. Muito pelo contrário. Ele é um homem de negócios parcimonioso que ganha dezenas de milhões de dólares com a fé e o desespero alheio. Posso estar enganada, mas não vejo nada de nobre nisso. [Randi, RD]

41 comentários

  • Fernando Pezzi:

    muito interessante ler essa matéria agora (10/12/2018) fecha como uma luva sobre as atuais denúncias que esse jornalista australiano fez!

  • Fabio Eto:

    Na verdade ele se beneficia da aleatoriedade. Sempre haverá fatos aonde a doença é curada de forma espontânea pelo próprio organismo ou pelo tratamento médico que a pessoa faz em paralelo. Por isso que ele sempre diz para a pessoa continuar com o tratamento médico. Quando a pessoa acaba se curando ela atribui o fato ao “John’s God” e não à junta médica. O ser humano sempre tem a tendência a julgar todo o acontecimento com o que ocorreu na parte final. Tudo isso que eu disse é embasado nos livros de Daniel Kahneman e Nassim Taleb e não em “achismo”.

  • Rodrigorn:

    Aliás, é bom lembrar que a reportagem cita uma jornalista que se limita a contar alguns casos de insucesso (continua…limite de 140 letras)

  • Rodrigorn:

    Conheço 4 pessoas que foram completamente curadas por ele. Logo, eu e mais 4 pessoas podemos afirmar que ele é de fato capaz de curar…

    • Cesar Grossmann:

      Rodrigo, você pode provar que se trata de cura milagrosa e não de remissão espontânea?

    • Rodrigorn:

      Cesar, eu não falei em milagre. Resolveu em 1 dia o que médicos não conseguiram em anos com essas 4 pessoas. Logo, ele cura. Como? Não sei.

    • Cesar Grossmann:

      Olha, Rodrigo, não dá para afirmar nada sem saber o que aconteceu. O que eu sei é que nos casos que foram analisados, não houve milagre nenhum.

  • Eduardo De Britto Castro:

    Brasileiro nesse ponto é como Indiano: acredita em tudo

  • Vinícius Andre:

    Fui em 2013 não resolveu nada!!!
    Tenho os comprovantes de toda viagem e medicamentos que vendem no “tratamento’.

    Não recomendo!

  • Luzia Stocco:

    Vocês deveriam se envergonhar de fazer tal afirmação, tal matéria!

    • Cesar Grossmann:

      Vergonha do quê? Da verdade? Não, nunca.

  • Roberto Lothermann:

    Esta matéria é muito fraca para se chegar a uma conclusão, e as centenas de pessoas que se dizem curadas, foram ouvidas?

    • Cesar Grossmann:

      Por que dizer que foram curadas não significa sequer que estavam doentes em primeiro lugar…

  • Roberto Lothermann:

    Estive com João de Deus algumas vezes, presenciei centenas de relatos de cura, por pessoas que se diziam curadas, mentiram?

    • Cesar Grossmann:

      Conseguiu presenciar uma cura, mesmo, em condições controladas, onde todas as possibilidades de fraude foram descartadas?

  • Fabiana Boen Ziggiatti:

    Pra quem acredita nenhuma palavra é necessária, pra que não acredita nenhuma palavra é possível.

    • Cesar Grossmann:

      “Não é possível convencer um crente de coisa alguma, pois suas crenças não se baseiam em evidências; baseiam-se numa profunda necessidade de acreditar.” Carl Sagan

  • Rafael Carvalho:

    Apoi seu ceticismo técnico teórico rs, de nome é mostre prontuários e moatre laudos, e fácil falar a mulher isso o homem aquilo…

    • Cesar Grossmann:

      É tão fácil quanto acreditar que João de Deus realiza milagres. Onde estão os laudos mostrando os milagres?

  • Rafael Carvalho:

    Alguns casos que deram errados por falta de fé, já que estamos falando de cura através da religião, e quantas outra milhares deram certas..

    • Cesar Grossmann:

      É MUITO FÁCIL colocar a culpa no paciente, esta que é a verdade. Se não morrer, foi cura milagrosa. Se morrer, é culpa do sujeito que não tinha fé…

  • Gabriela Martinelli:

    Fico muito feliz com matérias científicas. Mas a matéria acima é no mínimo leviana e tendeciosa. Não condiz com a verdade. Ruim.

    • Cesar Grossmann:

      É muito difícil aceitar que nossos ídolos tem pés de barro, não é?

    • Rafael Carvalho:

      N dao nem nomes as supostas vítimas muitos menos laudos ou provas técnicas ou seja são suposicoes de supostas pessoas que nem sabemos se exi

    • Cesar Grossmann:

      E quem acredita, já fez alguma investigação séria sobre o assunto?

  • Leandro Pereira:

    Ceticismo inteligente aguça o leitor a pensar, porém aqui foi exposto completo despreparo do editor ao redigir informações desconexas…

    • Cesar Grossmann:

      Os religiosos só aceitam os resultados do ceticismo científico quando ele não questiona os dogmas religiosos. Ou prova que eles são falsos.

  • Thatiane Fernandes Quaglio:

    Não sejam ridículos!
    Tudo acontece por sua fé! Frequentei João de Deus e melhorei SIM! Sou grata a ele, só mentiras nessa reportagem lixo!

    • Cesar Grossmann:

      Melhorou do que?

  • Ivanor:

    Bom. 1. A caixa de remédio custa 10 reais, e se a pessoa não tiver condições de pagar leva de graça.

    • Sãopaulino:

      Justamente. As contas estão erradas, pois a casa abre 3 vezes por semana o que dará 150 dias de trabalho, não 350. não vende 1600 caixas/dia

  • Gildo Ribeiro:

    Claro que Joao de Deus nao faz milagres, Cristo nao fez , para pessoas céticas .Estupidez , vai la ver o perfil das pessoas atendidas hoje

    • Marcelo Ribeiro:

      Tudo gente sugestionável. Não necessariamente burra, mas que emburrece diante de promessas de milagres e de uma expectativa impossível de ser cumprida.

      O bom da medicina é que ela funciona se você acreditar ou não.

  • Jéssica Kelly Rocha:

    E asseguro que o informado por aqui não se trata da verdade, vez que tive cura de um AVC em maio que me deixaria no mínimo cega.

    • Cesar Grossmann:

      E João de Deus te curou?

  • Luis Fernando Monteiro:

    James Randi não é médico, é mágico ilusionista.

    • Cesar Grossmann:

      Ou seja, alguém preparado para desmascarar outros ilusionistas.

  • Kleber Felipe:

    rsrsrsrsrsrs Bem feito! Um safado já foi desmascarado, faltam alguns milhares…

    • Antonio Alberto:

      Nas tvs abertas existem inúmeros pastores apregoando curas fantásticas de cancer e outros males.
      Que tal investigar a fundo esses casos?

    • Marcelo Ribeiro:

      Eles tiram pouco dinheiro muita gente. O mencionado deste artigo tira muito dinheiro de pouca gente. É mais difícil de escalar o negócio.

    • José da Silva:

      Bem observado Antonio! Gostaria de saber se o tal Cesar já escreveu sobre pastores? Muito parcial pro meu gosto.

Deixe seu comentário!