Misturando realidade e imaginação: Como o cérebro distingue entre os dois
Seriam esses acontecimentos parte da vida real ou seriam simplesmente produtos da imaginação?
Essas palavras não são apenas letras da música “Bohemian Rhapsody” da banda Queen. Elas também são questões que o cérebro constantemente precisa responder enquanto processa fluxos de informações visuais dos olhos e imagens puramente mentais que emergem da criatividade da mente. Estudos envolvendo exames de imagem cerebral frequentemente descobriram que testemunhar algo e imaginá-lo acionam padrões de atividade neural muito semelhantes. No entanto, as experiências pessoais que eles geram para a maioria das pessoas são bastante distintas.
Thomas Naselaris, professor associado na Universidade de Minnesota, afirmou: “Posso olhar pela janela agora e, se quiser, posso imaginar um unicórnio caminhando pela rua.” A rua pareceria real, enquanto o unicórnio não. Ele enfatizou: “Para mim, está muito claro.” Essa compreensão mal leva em consideração a natureza mítica do unicórnio: até mesmo um simples cavalo branco imaginário pareceria igualmente irreal.
Portanto, Nadine Dijkstra, pesquisadora pós-doutorada na University College London, questionou: “Por que não estamos constantemente experimentando alucinações?” Um estudo liderado por ela, publicado recentemente na Nature Communications, oferece uma resposta intrigante: O cérebro avalia as imagens que está processando em relação a um “limiar de realidade”. Se o sinal ultrapassar esse limiar, o cérebro acredita que é real; caso contrário, ele acredita que é imaginário.
Esse método geralmente funciona bem, uma vez que os sinais imaginários costumam ser fracos. No entanto, se um sinal imaginário for suficientemente forte para ultrapassar o limiar, o cérebro o percebe como real.
Embora o cérebro seja habilidoso em avaliar imagens mentais, parece que “esse tipo de avaliação da realidade é um desafio sério”, como indicou Lars Muckli, professor de neurociências visuais e cognitivas da University of Glasgow. Essas descobertas recentes levantam questionamentos sobre se anomalias ou modificações nesse mecanismo poderiam levar a alucinações, pensamentos intrusivos ou até mesmo sonhos.
“Eles fizeram um ótimo trabalho, na minha opinião, ao abordar uma questão que os filósofos têm debatido por séculos e ao estabelecer modelos com resultados previsíveis, testando-os”, elogiou Naselaris.
Interação entre percepções e imaginação
O estudo de Dijkstra sobre imagens imaginárias começou nos primeiros dias da pandemia de Covid-19, quando interrupções no trabalho a levaram a explorar a literatura científica sobre imaginação. Ela deparou com um estudo de 1910 conduzido pela psicóloga Mary Cheves West Perky, que fez os participantes imaginarem frutas enquanto olhavam para uma parede em branco. Desconhecidos para eles, imagens tênues daquelas frutas foram projetadas sutilmente na parede. Os participantes não perceberam nada de real, mas comentaram sobre a vivacidade das imagens imaginadas.
Perky concluiu que quando nossa compreensão de algo coincide com nossa consciência de que é imaginário, tendemos a considerá-lo imaginário. Esse fenômeno psicológico ficou conhecido como o efeito Perky. Nos anos 1970, o psicólogo Sydney Joelson Segal reacendeu o interesse nesse conceito ao atualizar o experimento, sugerindo que percepção e imaginação às vezes podem se mesclar.
Embora nem todas as tentativas de replicar as descobertas de Perky tenham sido bem-sucedidas, Dijkstra buscou abordar essa questão. Em seu estudo, os participantes foram testados apenas uma vez, impedindo que alterassem suas respostas. Seu trabalho explorou o efeito Perky e hipóteses alternativas sobre como o cérebro distingue entre realidade e imaginação.
Redes de avaliação
Uma hipótese alternativa sugere que o cérebro utiliza as mesmas redes tanto para realidade quanto para imaginação, mas os exames cerebrais não possuem resolução suficiente para discernir as diferenças no uso das redes. Outra hipótese sugere que as mesmas vias neurais codificam tanto percepção quanto imaginação, mas a imaginação representa uma versão mais fraca da percepção.
A equipe de Dijkstra conduziu um estudo online com 400 participantes durante o lockdown. Eles observaram imagens com estática, imaginando linhas diagonais enquanto avaliavam a vivacidade. Desconhecidos para eles, imagens projetadas de linhas diagonais foram discretamente aumentadas durante o último teste. Surpreendentemente, os participantes estavam mais inclinados a perceber a imagem tênue como real, em vez de produto da imaginação.
Essas observações implicam que imagens mentais e imagens genuinamente percebidas podem se mesclar. Dijkstra postulou que quando esse sinal amalgamado é suficientemente forte ou vívido, é percebido como real. Os pesquisadores reanalisaram exames de imagem cerebral de um estudo anterior em que os participantes imaginavam e percebiam várias imagens com vívida intensidade. Os resultados indicaram semelhanças marcantes nos padrões de atividade na área do córtex visual do cérebro, sugerindo uma conexão entre imaginação vívida e percepção.
O cérebro deve regular com precisão a intensidade das imagens mentais para evitar confusão entre fantasia e realidade. Essas descobertas indicam que a intensidade do sinal pode ser monitorada no córtex frontal, que lida com emoções e memórias. No entanto, os fatores exatos que influenciam a vivacidade da imagem e a distinção entre a força do sinal de imaginação e o limiar de realidade ainda não estão claros.
Potencial para alucinações
Essas descobertas levantam questões sobre se esse mecanismo pode ser relevante para uma ampla gama de condições em que a distinção entre imaginação e percepção se desfaz. Dijkstra especula, por exemplo, que quando as pessoas começam a entrar no sono e o mundo dos sonhos começa a se mesclar com a realidade, o limiar de realidade pode diminuir. Em condições como esquizofrenia, onde ocorre uma “desintegração geral da realidade”, pode haver um problema de calibração.
Karolina Lempert, professora de psicologia na Universidade Adelphi, acrescentou que alucinações podem surgir tanto de imaginação hiperativa que atinge o limiar quanto de um limiar de realidade desajustado. Alguns estudos indicaram atividade sensorial aumentada em quem tem alucinações, sugerindo um aumento no sinal de imagem. No entanto, mais pesquisas são necessárias para estabelecer o mecanismo de surgimento das alucinações.
Os limiares de realidade de pessoas com hiperfantaia, imaginação extremamente vívida, ou afantasia, a incapacidade de imaginar conscientemente, podem oferecer insights sobre esses mecanismos. Além disso, à medida que as simulações se tornam mais realistas, a distinção entre imagens genuínas e falsas pode se tornar mais complexa.
A equipe de Dijkstra está adaptando seu experimento para exames de imagem cerebral para investigar mais a fundo esse tema. Eles estão explorando se esse sistema pode ser manipulado para intensificar a sensação de realidade, o que pode ser crucial para aplicações médicas, como auxiliar pessoas cegas por meio de realidade virtual ou implantes neurais.
Em última análise, a realidade é uma construção do cérebro. “Construímos completamente o mundo, em sua riqueza, detalhes, cores, sons e conteúdo”, observou Muckli. Isso implica que a distinção entre imaginação e realidade não é rígida, e a realidade de cada pessoa pode ser diferente. [Wired]