Neutrinos de Majorana podem revelar por que existimos. Mas podemos encontrá-los?

Por , em 4.02.2020

Uma equipe internacional de pesquisadores está à procura de uma misteriosa partícula que é sua própria antipartícula: um tipo de neutrino que poderia explicar por que a matéria – e portanto nós – existimos no universo.

Assimetria matéria-antimatéria

Os cientistas sabem há um bom tempo que toda matéria tem um “gêmeo” que é seu oposto, chamado de antimatéria, com a mesma massa e carga diferente. Toda vez que você cria um pedaço de matéria, também cria um pedaço de antimatéria. É uma espécie de equilíbrio ou simetria.

Por conta de terem cargas opostas, no entanto, quando uma partícula encontra sua antipartícula, elas se aniquilam, restando apenas energia.

Esse é certamente um problema, pelo menos no que diz respeito à teoria do Big Bang. Isso porque ela dita que quantidades iguais de matéria e antimatéria foram criadas nessa explosão inicial do universo.

Se este fosse o caso, contudo, só haveria fótons no universo, e nenhuma da matéria que formou as estrelas, planetas e até nossas células.

O que pode ter acontecido, então? Será que esse “esquema” de aniquilação foi quebrado em algum momento durante a evolução do universo? Como?

Essa é a grande questão que a equipe de cientistas do CUORE quer responder – e, para isso, estão utilizando um experimento enterrado debaixo de uma montanha italiana.

CUORE

Nos últimos dois anos, pesquisadores liderados por Thomas O’Donnell, professor de física da Universidade Tecnológica da Virginia (EUA), têm coletado e analisado dados do CUORE (“Cryogenic Underground Observatory for Rare Events”, ou “Observatório Subterrâneo Criogênico para Eventos Raros”, em tradução livre), localizado no Laboratório Nacional Gran Sasso da Itália.

O objetivo da equipe é encontrar evidências da existência de uma partícula subatômica chamada de neutrino de Majorana. Na física, por definição, um férmion de Majorana é uma quase-partícula que é também a sua própria antipartícula.

Neutrinos são extremamente difíceis de detectar. De acordo com a NASA, trilhões deles nascem no nosso sol e passam por nossos corpos a cada segundo.

Já o experimento no CUORE procura por sinais de neutrinos de Majorana se aniquilando em um processo conhecido como decaimento beta duplo sem neutrino.

Em um decaimento beta duplo regular, dois nêutrons dentro do núcleo de um átomo se transformam em dois prótons, emitindo um par de elétrons e antineutrinos. Esse evento, apesar de super raro (ocorre uma vez a cada 100 quintilhões de anos), já foi observado na vida real.

Se neutrinos forem mesmo partículas de Majorana, então os dois antineutrinos criados neste processo poderiam se aniquilar, gerando o decaimento beta duplo sem neutrino. O resultado deste decaimento seriam apenas elétrons, que são matéria “normal”.

Em outras palavras, o decaimento beta duplo sem neutrino pode ser o processo responsável por ter alimentado o universo inicial com matéria.

Decaimento beta duplo sem neutrino

Boa ideia, não é mesmo? Só que prová-la não é nada fácil, porque o decaimento beta duplo sem neutrino é ainda mais raro que o decaimento beta duplo comum: ocorre apenas uma vez a cada 10 septilhões de anos.

Para tentar detectá-lo, o CUORE procura por uma “assinatura” de energia desse processo em elétrons criados durante o decaimento radioativo de átomos de telúrio.

“O modo sem neutrinos é o que realmente queremos ver, ele infringiria as regras, criando matéria sem antimatéria. Seria a primeira pista para uma solução real da assimetria matéria-antimatéria”, explicou O’Donnell.

Infelizmente, apesar de os cientistas terem quadruplicado sua coleta de dados desde que obtiveram os primeiros resultados do experimento em 2017, o que representa o maior conjunto de dados já reunido por um detector de partículas deste tipo, ainda não encontraram nenhuma evidência do decaimento beta duplo sem neutrino. Nada de abandonar as esperanças, no entanto.

Próximos passos

A equipe continuará a melhorar o CUORE e procurar pela elusiva partícula que é sua própria gêmea.

Por enquanto, eles já conseguiram afunilar sua massa, estimada em cinco milhões de vezes mais leve que a de um elétron.

Além disso, os pesquisadores irão realizar um upgrade no detector quando ele completar cinco anos de operação, o que deve aumentar bastante sua sensibilidade.

“Se a história é um bom preditor do futuro, podemos estar bastante certos de que melhorar as tecnologias dos detectores nos permitirá examinar os neutrinos com uma profundidade cada vez maior”, afirmou O’Donnell. [LiveScience]

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