Paciente recebe novo tipo de cirurgia transgênero que ela mesma ajudou a inventar

Por , em 18.09.2017

Como muitos pacientes que passam por cirurgias, Hayley Anthony segue um cronograma diário de fisioterapia. Mas, ao contrário de outros pós-operatórios, a consultora de marketing de 30 anos está se recuperando de um procedimento que ela mesma ajudou a inventar. Cinco meses atrás, ela se tornou uma das primeiras pessoas no mundo a ter um pedaço de tecido inciso da cavidade de seu abdômen e transformado em vagina. Um cirurgião na cidade de Nova York pode ter sido pioneiro e executado o procedimento de Anthony – mas a ideia de testá-lo é creditada inteiramente a ela.

Com apenas cerca de uma dúzia de médicos nos EUA que se especializam em cirurgia de readequação de gênero, é quase impossível acompanhar a demanda, e muito menos inovar ou criar novos procedimentos. Mas é isso que Jess Ting, diretor de cirurgia do Centro de Transgênero de Medicina e Cirurgia no Monte Sinai, tem feito nos últimos dois anos. O que começou como uma pesquisa no Google no computador de Anthony é agora a cirurgia mais procurada dentre as que Ting executa. Nos últimos seis meses ele deu a 22 mulheres trans algo que elas não tinham certeza de que alguma vez conseguiriam – uma vagina reconstruída que se parece muito com o órgão original.

Mulher desde sempre

Anthony soube ao longo de toda a vida que era do sexo feminino, mas só deu início à transição cerca de quatro anos atrás. No outono de 2015, após meses de trabalho com um terapeuta para entender melhor a si mesma e suas opções, ela aceitou que teria de fazer o que fosse necessário para ter o corpo adequado à sua mente. Ela agendou uma consulta com Dr. Ting e eles marcaram a cirurgia. Depois, foi para casa e pesquisou tudo sobre o tema na Internet. “Eu decidi entrar de cabeça no processo, tinha os olhos bem abertos, tentei compreender todos os trâmites e estava disposta a aceitá-los”, diz Anthony. O procedimento para o qual ela se preparava mentalmente envolvia o corte do pênis, a remoção da maior parte de sua estrutura interna e, depois, a dobra da pele peniana no espaço entre a uretra e o reto (algo como girar uma meia de dentro para fora). No que se tornou a cirurgia padrão para uma transição de uma base masculina para uma feminina, o exterior do pênis se torna o interior da vagina.

Mas uma cavidade vaginal feita de pele não faz algumas coisas que o interior da vagina deve fazer (como molhar-se quando é provocada por estímulos) e faz outras que realmente não deveria (como desenvolver pelos, mesmo após a eletrólise). Para as mulheres trans com disforia, essa genital tem sido a única opção real para a cirurgia, e tem se mostrado uma alternativa viável. Mas o procedimento ainda pode deixar muitos pacientes desapontados.

No entanto, durante sua pesquisa, Anthony encontrou um artigo descrevendo o trabalho de alguns médicos da Índia que construíam vaginas de modo um pouco diferente. Eles realizavam cirurgias em mulheres com uma doença rara que faz com que o órgão se desenvolva de forma anormal ou não se desenvolva. Então eles tiveram que começar do zero, o que exige muita pesquisa. Entre os estudos, encontraram uma maneira de garantir o sucesso cirúrgico com o tecido do peritônio, que é basicamente um saco de tecido solto que circunda o interior do abdômen e o mantém no lugar. Ela trouxe o artigo para a consulta e mostrou a Ting. “No começo, ele ficou como: o que essa garota está fazendo?”, diz Anthony, rindo. Depois, ele percebeu que a ideia poderia funcionar.

Tentativas cirúrgicas

Antes, médicos tentaram reconstruir vaginas com outras partes do corpo. Há cerca de dez anos, tentou-se executar o procedimento com pequenas porções do cólon dos pacientes. Isso não funcionou. “Ninguém quer ter uma vagina que cheire a fezes”, constatou Ting.

Não, mesmo. Mas as alternativas continuaram mostrar desafios e os brainstormings dominavam a mente de Ting noite adentro. “Continuei pensando: tem que haver algo melhor”, diz ele. “Mas onde encontraríamos uma grande quantidade de pele cor-de-rosa, sem pelos, que secretasse fluido?”.

A solução veio a partir do peritônio. Depois que Anthony descobriu a pesquisa indiana, Ting começou a estudá-la mais a fundo. O peritônio, ele descobriu, regenera-se naturalmente após alguns dias. Ele estava ainda mais intrigado. Então, sondou um colega no Monte Sinai – um cirurgião laparoscópico – observando-o remover as vesículas biliares com uma pequena incisão no abdômen de um paciente. Também assistiu a vídeos de cirurgias que lhe deram uma melhor perspectiva do tecido, para verificar o que ele poderia colher adotando a mesma técnica. “É como escolher um instrumento conhecido de uma caixa de ferramentas e usá-lo de uma nova maneira”, diz ele.

Sob muita paciência

O primeiro paciente de Ting foi submetido à cirurgia seis meses atrás. Não era Anthony. Embora quisesse ser a primeira, uma alteração nas regras de seu plano de saúde a forçou a adiar o procedimento até abril deste ano. Mas a cirurgia aconteceu, e ela está feliz. Há mais de cem pessoas à espera da readequação de gênero no Monte Sinai, e Ting é o único a executá-las.

No entanto, isso deve mudar em breve. Em julho, Monte Sinai lançou a primeira bolsa médica do país voltada exclusivamente à cirurgia transgênero. Ting treinará um colega a cada ano e espera que eles permaneçam na equipe depois que terminarem o estudo para ajudar a atender a crescente demanda da cidade. Outra parte importante do seu trabalho será acompanhar esses pacientes cirúrgicos nos próximos anos; enquanto o novo procedimento mostra bons resultados até agora, será importante o monitoramento para verificar como ele se mantém a longo prazo.

Adversidades da política

Hoje, mais e mais homens e mulheres transgêneros lutam para agendar operações de readequação de gênero, sob o receio de que a administração de Trump esteja desviando a porta aberta recentemente para garantir cuidados acessíveis. Em maio, o Secretário de Saúde e Serviços Humanos dos Estados Unidos, Tom Price, disse em um tribunal federal que está reformulando uma disposição na Lei de Proteção ao Paciente e Cuidados Acessíveis, que exige que os estados cubram o atendimento transgênero através de programas estatais. A reformulação pode levar os estados do país a vetar a garantia de aconselhamento, cirurgias e programas hormonais para homens e mulheres transgêneros. Mas não é preciso se desesperar – ainda; Price disse que, por enquanto, não está inclinado a impor a regra.

Os pacientes que vivem em estados com governos de esquerda, que mantêm programas de cuidado com a saúde trans, como Nova York e Califórnia, terão uma melhor chance de manter o acesso. Cerca de 70% dos pacientes transgêneros no Monte Sinai têm planos de saúde através do programa estatal Medicaid. Mas muitos ainda têm que lutar para obter a cobertura necessária. Para aqueles que vivem em outras partes do país, a situação é ainda pior. “Os vínculos das pessoas trans com fontes estáveis ​​de renda e proteção legal podem ser precários. O progresso que fizemos tem sido muito limitado, muito lento e pode ser perdido facilmente”.

E enquanto Anthony teme que o clima político atual (e a nova administração) possa apagar as proteções às comunidades trans, ela é grata por finalmente estar em um corpo que faz tudo o que ela quer – como fazer sexo sem precisar de lubrificação. Bom sexo. Sexo com orgasmos. “Eu sei que nem sempre tive isso, mas da forma como me sinto agora, simplesmente não consigo imaginar meu corpo de outra maneira”, comemora. [Wired]

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