Conheça a história de um ex-rabino ultraortodoxo que, agora, vive como uma mulher

Por , em 19.06.2017

Há apenas cinco anos, Abby Stein, 25, era um rabino de linha ultra-ortodoxa chamado Yisrael. Hoje, é declaradamente uma mulher transgênero pronta para compartilhar sua extraordinária história com o mundo.

Stein nasceu em Brooklyn e foi criada em uma comunidade judaica hassídica, grupo com caráter mais conservador e que evita contato com o mundo moderno. Sexto filho e primeiro do sexo masculino em uma família com 12 crianças, Abby – como todos os homens da comunidade – usava roupas de pele escura e chapéu de pele típico de sua seita religiosa, e falava apenas a língua ídiche.

Ela seguiu o caminho tradicional de um jovem garoto hassídico de forma obediente, numa comunidade estritamente segregada por gênero. Tornou-se rabino após participar de um Yeshiva no estado de Nova York. Aos 17, como é comum entre esses grupos, organizou-se um casamento e ela firmou o compromisso conjugal. Aos 18, casou-se e, um ano depois, sua esposa teve um bebê.

Dividindo caminhos

Embora extasiada pela paternidade, Abby diz que o nascimento de seu filho, um garoto, foi um catalisador para enfrentar o segredo que havia guardado por toda a vida. Até onde se lembra, suspeitou, desde sempre, que nascera no corpo errado: ela era uma mulher.

“Parecia que meu gênero estava me dando um soco na cara. Todos me diziam que eu era um garoto, mas eu não me sentia assim”, disse em entrevista à CNN. “Quando criança, lembro-me de dizer: ‘sou uma garota, certo?’, mas não, todos diziam outra coisa. Foi uma experiência difícil crescer sem saída, sem saber como me expressar”, lembra.

Abbey sequer tinha ideia de que pessoas transgênero existiam.

“Quando eu tinha cerca de 12 anos, percebi e decidi que eu tinha sabedoria sobre o meu próprio gênero, mas pensava que era uma condição impossível porque só eu me sentia daquela forma. As pessoas LGBT simplesmente não existem naquela comunidade”, diz.

Crescer no Brooklyn hassídico, diz ela, era como viver em uma bolha.

“Filmes, televisão, música, revistas, nada disso existe lá. Não há acesso à internet e não se fala inglês. Homens e mulheres não interagem uns com os outros. Até onde sei, é a sociedade que mais segrega gêneros nos Estados Unidos”, comentou Stein.

“Eu pessoalmente cresci na cidade de Nova York, mas ao mesmo tempo não cresci. Geograficamente minha infância se passou aqui, mas culturalmente, era como se fosse a Europa Oriental do século 18”, acrescenta.

Quando novas portas se abrem

Uma importante ruptura ocorreu quando Stein, aos 20 anos, conseguiu usar o tablet de um amigo para se conectar à internet. O que ela encontrou foi decisivo em sua vida: escrevendo em hebraico – língua que ela dominava – tentou digitar no Google: “menino se transformando em menina”.

A iniciativa a conduziu a uma página da Wikipedia sobre pessoas transgênero, e depois a um fórum israelita anônimo da comunidade trans. Neste, ela começou a interagir com outros usuários que também estavam lutando contra sua identidade de gênero. Foi como acender uma lâmpada.

O nome que ela escolheu para as primeiras incursões anônimas na sala de bate-papo foi Chava, a tradução hebraica do nome Eva. “A primeira mulher”, comenta, rindo.
Isso alterou sua visão de mundo para sempre: Abbey passou a compreender que não estava sozinha. Quanto mais aprendia, mais se sentia obrigada a deixar a comunidade em que havia crescido e cujas práticas religiosas ela começava a questionar. Mas sabia que isso teria um custo gigantesco.

“Foi um processo lento. Isso não acontece da noite para o dia”, ressalta ela. “Até certo ponto, deixar a comunidade era ainda mais difícil do que a transição. Eu não fazia ideia de onde estava me metendo. Não conhecia ninguém, não sabia me comunicar e não tinha uma educação. Não sabia me vestir ou falar inglês. Lembro-me da primeira vez em que entrei numa Starbucks. Fiquei tipo: ‘OK, o que está acontecendo aqui?’. O choque cultural acontece em todos os níveis, em todos os sentidos. É como ser um imigrante em seu próprio país”.

Processos e recomeços

No verão de 2013, Stein e sua esposa se divorciaram. Com a ajuda de vídeos do YouTube e da organização Footsteps, em Nova York, Stein aprendeu inglês, concluiu o ensino médio e se inscreveu na universidade.

Por um capricho, após ser encorajada por um amigo, ela decidiu candidatar-se à Universidade de Columbia. Quando recebeu o “sim”, ficou atônita.
“Recebi um telefonema e acho que congelei por cinco minutos. Eu simplesmente não estava esperando por isso”.

Na escola, ela deu início a tratamentos hormonais. Em 11 de dezembro de 2015, Yisrael tornou-se oficialmente Abby, inaugurando a nova fase com um post em seu blog. Seu nome, ela disse, é o resultado de uma escolha muito bem pensada.

“Abby vem de Abigail, uma das esposas do rei Davi, segundo a Bíblia. Ela é uma personagem muito forte: no Talmud [coletânea de livros sagrados judeus] diz-se que ela era uma das sete mulheres mais belas que já viveram em todo o mundo. Também significa a fonte da alegria e da felicidade. Havia, nesse nome, muito sentido que ressoava em mim”, diz.

Vida nova

Hoje, Stein – que tem características delicadas, um senso de humor seco e um sotaque iídiche bastante musical – diz ser finalmente a mulher que sempre soube que era. No entanto, revelar-se teve o custo de perder contato com os pais, que não falaram mais com ela desde que Abbey fez a transição. Ela ainda vê o filho e alguns dos irmãos.

Mas Stein encontrou consolo na comunidade trans e está determinada a ajudar outras pessoas como ela. Está em um relacionamento amoroso, deu início a um livro de memórias e vem dando os primeiros passos para formar um grupo de apoio a pessoas trans que cresceram em ambientes de fundamentalismo religioso. Desde já, disse, muitas pessoas entraram em contato.

“Na última semana, interagi com testemunhas de Jeová, com pessoas que cresceram em comunidades amish, mórmons ou em meio ao fundamentalismo religioso no Oriente Médio”, comenta.

“Esse assunto não tem relação apenas com pessoas ou comunidades que mantêm políticas e sentimentos anti-LGBT, mas com grupos onde isso ainda é visto como um pecado ou é raramente discutido”, disse.

A mensagem fundamental de Abbey aos companheiros, enfatiza, é sincera e simples: “É difícil, mas é possível”.

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