A vez em que o capitalismo derrotou a ciência

Por , em 16.12.2015

Remédios naturais que não possuem valor medicinal, especialmente quando vêm de “locais exóticos”, sempre foram populares. Isso significa que sempre deram dinheiro, o que por sua vez significa que a ciência sempre precisou lutar contra sua comercialização.

Um dos primeiros embates “ciência x charlatões” ocorreu no século XVI, quando o homem mais rico da Europa conseguiu calar um médico medieval.

O problema da sífilis

A sífilis afetava muitas pessoas na Europa medieval, de camponeses a monarcas. Todos estavam desesperados por uma cura e, embora o mercúrio fosse o remédio mais popular disponível, surgiu uma alternativa: nas Antilhas, resina de guaiaco queimada era usada por pacientes que inalavam seus vapores.

Os médicos europeus acharam a ideia promissora. Como já haviam notado que os doentes que recebiam muito mercúrio tendiam a morrer, decidiram importar o guaiaco. A sífilis era basicamente uma sentença de morte, então valia a pena tentar qualquer coisa.

Infelizmente, acabou que essa planta não era um tratamento para a sífilis.

Não fez muita diferença, pois esse era um produto importado. Viagens marítimas eram caras e necessitavam de vários financiadores. Uma vez que uma linha de comércio tinha sido estabelecida – com termos aceitáveis para a compra de um bem, seu cruzamento através do oceano e distribuição nos mercados de toda a Europa -, cada investidor tinha colocado na operação esforço e dinheiro consideráveis, e tinha um enorme interesse em ver o negócio continuar.

Um Paracelso incomoda muita gente

Logo, a resina de guaiaco continuou a ser vendida, mas o trabalho de um médico suíço-alemão conhecido como Paracelso, pseudônimo de Philippus Aureolus Theophrastus Bombastus von Hohenheim, começou a se tornar inconveniente.

Paracelso favorecia o mercúrio como cura. Tudo bem que ele também não estava certo sobre isso, mas chegou mais perto que os apoiadores do guaiaco, disso não há dúvida.

Os médicos mais respeitados de sua época procuravam causa e efeito visível para determinar o que funcionava com as doenças, em vez de simplesmente acreditar em qualquer coisa que os antigos romanos e gregos disseram sobre elas. Ao observar os efeitos do guaiaco, Paracelso concluiu corretamente que não tinha qualquer efeito sobre a sífilis.

Paracelso x Fugger

Isso o colocou em conflito direto com Jacob Fugger, o homem mais rico da Europa (e talvez de todos os tempos). Para se ter uma ideia do que estamos falando, Fugger conseguiu convencer um papa a anular oficialmente as proibições religiosas sobre usura.

Já deu para perceber que ele não era o tipo de cara que ia deixar o fato de que guaiaco não funcionava ameaçar seu negócio de importação.

E para isso, teve ajuda. O reitor da Universidade de Leipzig era seu amigo, destinatário de seu patrocínio, e um parceiro de pequeno porte em seus esquemas de importação de guaiaco. Assim, os dois publicaram tratos condenando os primeiros trabalhos de Paracelso sobre a ineficiência do guaiaco.

Quando o médico decidiu divulgar uma obra de oito volumes sobre tudo o que tinha observado sobre a sífilis, Fugger mexeu os pauzinhos de novo para se certificar de que as editoras fossem proibidas de imprimir o seu trabalho. O empresário e seu amigo até conseguiram “expulsar” Paracelso de Nuremberg.

O cientista acabou encontrando editoras alternativas para publicar seus estudos, mas, no final, Fugger ganhou. Guaiaco foi um tratamento aceito para sífilis até os anos 1800. [Gizmodo]

1 comentário

  • rodolfo andrello:

    Ele foi um alquimista muito famoso. deve ter tirado daí a preferência pelo mercúrio.

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