10 ideias científicas que os cientistas querem que você pare de usar indevidamente

Por , em 24.06.2014

Como tudo que está na internet hoje, muitos conceitos científicos caíram na boca do público e são usados de maneira totalmente errônea. Confira os dez principais e tenha em mente que, cada vez que você usa uma dessas ideias indevidamente, um cientista tem um infarto:

1. Prova

Segundo o físico Sean Carroll, “prova” é o mais incompreendido conceito científico. A definição técnica de “prova” (no que diz respeito à ciência) é a “demonstração lógica de que certas conclusões decorrem de certas suposições”. Já nas conversas de bar, prova é usada simplesmente como “forte evidência para qualquer coisa”. Carroll afirma que a ciência nunca prova nada, tanto que a resposta para perguntas como “Você pode realmente provar que a mudança climática é causada pela atividade humana?” não é “Claro que podemos”, mas sim uma sequência de informações lógicas que formam um conjunto de evidências para tal conclusão. “O fato de que a ciência nunca prova nada, mas simplesmente cria teorias abrangentes cada vez mais confiáveis que, no entanto, estão sempre sujeitas a atualização e melhoria, é um dos aspectos-chave que explicam porque a ciência é tão bem sucedida”, diz Carroll.

2. Teoria

De acordo com o astrofísico Dave Goldberg, os membros do público em geral ouvem a palavra “teoria” e a confundem com “ideia” ou “suposição”. “Teoria” no sentido coloquial é muito diferente de uma teoria científica. Não existe nada que seja “só uma teoria” científica – e é por isso que é extremamente irritante quando alguém comenta coisas como “a evolução é SÓ UMA TEORIA” como isso significasse que não é verdadeira. As teorias científicas são sistemas inteiros de ideias testáveis e potencialmente refutáveis. As melhores (como a relatividade, a mecânica quântica e a evolução) resistem há anos a desafios e hipóteses alternativas. Teorias também são mutáveis, mas não infinitamente: teorias científicas podem ser incompletas ou podem estar erradas em algum detalhe particular, sem toda a sua ideia ser destruída. Em resumo, uma teoria científica representa o conhecimento científico tido como mais correto, e se compõe de hipóteses testáveis ou testadas, além de fatos que as evidenciam. Em linha com o conceito anterior, não são nunca transformadas em leis ou verdades definitivas. Elas podem ser abandonadas ou aperfeiçoadas, bem como usadas para fazer previsões que mais tarde são testadas ou investigadas em laboratório ou na natureza.

3. Incerteza (e estranheza) quântica

Goldberg acrescenta que há outra ideia que tem sido ainda mais mal interpretada que “teoria”: quando as pessoas confundem ou se apropriam de conceitos da física para uso em fins espirituais. Este equívoco é uma exploração da mecânica quântica para explicar ideias como “alma”, ou para dizer que os seres humanos controlam o universo, ou qualquer outra pseudociência. “No final, nós somos feitos de partículas quânticas (prótons, nêutrons, elétrons) e fazemos parte do universo quântico. Isso é legal, é claro, mas apenas no sentido de que toda a física é legal”, diz Goldberg.

4. Comportamento aprendido vs comportamento inato

“Um dos conceitos mais mal usados é a ideia do comportamento ser ‘aprendido vs inato’ ou qualquer outra versão natureza vs criação”, afirma a bióloga evolucionista Marlene Zuk. O público pode usar a expressão “isso é genético” para dizer que uma pessoa nasceu daquele jeito e nada mais influenciou suas características, ou o contrário, para dizer que algo foi uma escolha da pessoa ou reflexo de suas condições de vida, e que ela não nasceu assim. Mas, como brilhantemente argumenta Zuk, todos os comportamentos ou características são o resultado de ambas as contribuições dos genes e do ambiente. Apenas uma diferença entre traços, e não o próprio traço, pode ser genética ou aprendida – por exemplo, se gêmeos idênticos criados em ambientes diferentes fazem algo diferente (como falam línguas diferentes), então essa diferença é aprendida. Mas mesmo falar francês ou italiano não é um traço totalmente aprendido porque, obviamente, a pessoa tem que ter um certo fundo genético para ser capaz de falar qualquer coisa (abrir a boca e emitir sons que formam a linguagem).

5. Natural

O biólogo sintético Terry Johnson acha que as pessoas compreendem mal o termo “natural”. Essa palavra tem sido usada em muitos contextos com significados diferentes, mas seu uso mais básico é para distinguir os fenômenos que só existem por causa da humanidade de fenômenos que não. Isso pressupõe que os seres humanos são algo “separado” da natureza, e as nossas obras não são naturais quando comparadas com, digamos, a obra de castores e abelhas. Daí começa a confusão. Que comida é “natural”, por exemplo? Diferentes países têm diferentes definições. No Canadá, pode-se comercializar milho como “natural” se ele não tiver adição ou subtração de várias coisas, mas o próprio milho é o resultado de milhares de anos de seleção feita por seres humanos a partir de uma planta que não existiria sem a nossa intervenção.

6. Gene

Johnson também se preocupa com o mal uso da palavra gene. “Foram necessários 25 cientistas e dois dias para chegar a definição ‘uma região localizável de sequência genômica, que corresponde a uma unidade de herança, que é associada com regiões reguladoras, regiões transcritas e/ou outras regiões de sequências funcionais’, o que significa que um gene é um pedaço discreto de DNA que podemos apontar e dizer ‘isso faz alguma coisa, ou regula a realização de alguma coisa’”, diz. Normalmente, a palavra “gene” é mal utilizada quando vem seguida de “para”. Por exemplo, a popularização da ideia de que, quando uma variação genética está relacionada com alguma coisa, é o “gene para” essa coisa. Por exemplo, “tal gene é o das [causa] doenças cardíacas”, quando a realidade é geralmente “as pessoas que têm tal alelo deste gene parecem ter uma incidência ligeiramente maior de doença cardíaca, mas não sabemos por que”. Em resumo, nós todos temos genes para a hemoglobina, mas nem todos nós temos anemia falciforme. Diferentes pessoas têm diferentes versões do gene da hemoglobina, chamadas de alelos. Existem alelos de hemoglobina que são associados com doenças de células falciformes e outros que não. Assim, um gene refere-se a uma família de alelos, e apenas alguns membros dessa família, se houver algum, estão associados a doenças ou distúrbios. Um gene nunca é ruim – afinal, ninguém vive muito tempo sem hemoglobina -, embora você possa ter uma versão especial problemática.

7. Estatisticamente significativo

Segundo o matemático Jordan Ellenberg, “estatisticamente significativo” é uma daquelas expressões que os cientistas gostariam de renomear se pudessem. O termo “significativo” sugere importância. No entanto, o teste de significância estatística, desenvolvido pelo estatístico britânico R. A. Fisher, não mede a importância ou o tamanho de um efeito, apenas se somos capazes de distingui-lo usando nossas melhores ferramentas estatísticas. “’Estatisticamente notável’ ou ‘estatisticamente discernível’ seria muito melhor”, fala Ellenberg. Em outras palavras, não diga que algo é estatisticamente significativo apenas porque você acha que aquilo é muito significativo, mas sim se for algo improvável de ter ocorrido por acaso caso uma determinada hipótese nula seja verdadeira, mas não sendo improvável caso a hipótese base seja falsa. Ou seja, a significância de um teste está relacionada ao nível de confiança ao rejeitar hipótese nula quando esta é verdadeira. Entendeu? Aposto que não (se você não for um matemático ou estatístico), e essa é a principal prova (hehe) pela qual você não deve usar esse termo à toa, sem saber direito do que se trata.

8. Sobrevivência do mais apto

Para a paleoecologista Jacquelyn Gill, as pessoas simplesmente não compreendem alguns dos princípios básicos da teoria da evolução. No topo da lista vem a “sobrevivência do mais apto”. Em primeiro lugar, essas não são palavras do próprio Darwin (é um termo cunhado na verdade por Herbert Spencer), embora ele seja o fundador da teoria da evolução. Em segundo lugar, as pessoas têm uma ideia errada sobre o que o “mais apto” significa. Aliás, há grande confusão sobre a evolução em geral, incluindo a ideia persistente de que ela é progressiva, direcional ou mesmo deliberada. Para entender a teoria da evolução e a seleção natural de uma vez por todas, sugiro que leia esse nosso artigo explicativo. Mas, de uma maneira geral, que fique registrado que “o mais apto” não significa o ser vivo mais forte, nem o mais inteligente. Significa, simplesmente, que o organismo mais apto a tal ambiente, que melhor se adapta ou se encaixa nele, é o que sobrevive por mais tempo. O mais apto pode ser o menor, o mais venenoso ou o mais capaz de viver sem água por mais tempo. Além disso, as criaturas nem sempre evoluem de uma maneira que podemos explicar como adaptações. O seu caminho evolutivo pode ter mais a ver com mutações aleatórias, ou traços que outros membros de sua espécie acham atraente (seleção sexual, ao invés de natural).

9. Escala de tempo geológico

Gill também crê que as pessoas parecem compreender muito mal a escala de tempo geológico da Terra. “Qualquer coisa pré-histórica é comprimida na mente das pessoas, e elas pensam que há 20.000 anos tínhamos espécies drasticamente diferentes (não), ou até mesmo dinossauros (não não não). Não ajuda que esses dinossauros de brinquedo muitas vezes incluam homens da caverna ou mamutes”, diz. A escala de tempo geológico representa a linha do tempo desde o presente até a formação da Terra, e é dividida em éons, eras, períodos, épocas e idades que se baseiam nos grandes eventos geológicos da história do planeta. Ou seja, a pré-história não é um espaço no tempo onde todos os dinossauros, humanos antigos e mamutes conviveram juntos (na verdade, diferentes espécies existiram em diferentes tempos geológicos).

10. Orgânico

De acordo com a entomologista Gwen Pearson, há uma constelação de termos que aparecem juntos à palavra “orgânico”, como “livre de químicos” e “natural”, que parecem sugerir que um alimento, por exemplo, é seguro. Na verdade, toda comida é orgânica, porque contém carbono. Termos como “produto orgânico” são usados erroneamente para descartar ou minimizar diferenças reais na produção de alimentos e produtos. As coisas podem ser naturais e orgânicas, mas ainda bastante perigosas. Ao mesmo tempo, podem ser sintéticas e fabricadas, mas seguras. Ou seja, orgânico não quer dizer que algo é bom, porque “orgânico” é apenas um termo genérico para processos ligados à vida, ou substâncias originadas destes processos. [io9]

12 comentários

  • Claiton Baggio:

    Boa matéria, a página deveria fazer mais matérias como essa com ciência de verdade invés de pseudociência que não agrega em nada.

  • Tassio Bruno Silva:

    Eu me considero um positivista. Ou seja, realmente acredito no avanço e progresso científico (q é de fato) assim como o avanço da “técnica” permitiu com que melhor a humanidade se adaptasse aos meios.

    Contudo, eu já fui um neodarwinista “religioso” — teoria da evolução a partir dos genes, correto? Fui até descobrir o ceticismo, que me fez pensar que ficamos com o que “melhor nos aparece”, com o que melhor parece funcionar.

    O que quer dizer que espero avidamente + avanços.

    • Cesar Grossmann:

      Não sei se consegui entender o que você quer dizer por “neodarwinista religioso” e qual a mudança que se processou no teu modo de pensar com a sua suposta aquisição do “ceticismo”.

  • Alexandre Anastácio:

    se uma teoria científica representa o conhecimento científico tido como mais correto, e se compõe de hipóteses testáveis ou testadas, além de fatos que as evidenciam. Como se testa a teoria de que o homem evoluiu de um ancestral comum que viveu em solo africano há pelo menos 6 milhões de anos?

    • Marcelo Ribeiro:

      Observando os registros fósseis.

    • Cesar Grossmann:

      Pelos registros fósseis (como são os fósseis, onde eles estão, e qual a sua idade), pela comparação genética, pela distribuição geográfica, etc.

      Os registros fósseis são o mais simples, a hipótese é que de alguns milhões de anos para cá devem haver fósseis em que as características símias vão desaparecendo e surgindo as características humanas, lentamente, e é o que os fósseis mostram.

      http://www.talkorigins.org/faqs/homs/

      De onde viemos: a fabulosa árvore genealógica humana

    • Alex Tramontin Almeida:

      Eu não gosto muito do registro fóssil, me parece um pouco subjetivo, apesar de trazer muitas informações e ser muito importante, mas as melhores evidências na minha opinião são as de bases moleculares. Por exemplo comparação do cromossomo Y que só podemos encontrar no homem (e só pode ser herdado do pai) e DNA mitocondrial que é herdado da mãe nos leva até um ancestral que viveu na África, muitos genes que são conservados ou que tem regiões conservados ajudam a entender a Evolução.

    • Cesar Grossmann:

      Alex, tem certeza que você quis dizer “subjetivo”? Para mim, não tem coisa mais objetiva que os ossos de um animal que não existe mais. Além do mais, o registro fóssil tem umas características interessantes:

      1. os fósseis estão dentro das camadas geológicas, cada grupo de fósseis em sua própria camada, ou no conjunto de camadas em que ele aparece – sempre as mesmas camadas.

      2. é possível observar uma sequência no registro fóssil em direção aos animais modernos. As formas vão ficando mais semelhantes aos animais modernos conforme as camadas são mais recentes.

      3. também é possível observar relações que indicam parentesco: além da forma do animal, sua dieta e comportamento (inferida a partir de características do esqueleto), e distribuição geográfica dos fósseis e dos animais modernos.

  • Francis Mapa:

    A ciência é status quó da sabedoria humana mutável e espansiva assim como o universo, é sempre bom aprofundar-se nos conhecimentos e ter noção do espaço quase insignificante que ocupamos no universo, e de nosso pouco tempo nesse planeta. Não há nenhuma verdade que podemos podemos afirmar com toda certeza, não nesse nosso estado de evolução. É bom lembrar tbm que na época de Darwin ou de Newton, acreditava-se por exemplo que as moscas e ratos eram criados do lixo. Quebrem paradigmas.

    • Cesar Grossmann:

      Francis, mas o que nós descobrimos que é falso não vai mudar com o tempo, vai permanecer falso. Por que temos as evidências que sejam falsos.

      Quando a abiogênese foi refutada por Pasteur (e ele refutou a hipótese que seres complexos surgem espontaneamente de matéria orgânica morta, não a hipótese da abiogênese moderna, a biopoiese), ela foi definitivamente jogada na caixa das ideias que estão erradas.

  • Afonso:

    Excelente matéria! Muito esclarecedora! Obrigado.

  • DaniloHatz:

    Fazia tempo que não aparecia uma matéria legal como essa.
    Vários links interessantes tb.

    Tá de parabéns!

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