Leitura dinâmica: mito ou realidade?

Por , em 17.03.2014

A capacidade de fazer leituras de forma rápida sempre foi motivo de admiração. Tanto que a ideia de acelerar o processo por meio de técnicas de leitura dinâmica – tornando essa habilidade acessível para cada vez mais pessoas, e talvez ganhar algum dinheiro com isso – existe desde a década de 1950. Mas, se o assunto parecia ter sido deixado de escanteio com o passar dos anos, o lançamento recente de um aplicativo que promete revolucionar a leitura dinâmica jogou a discussão para o meio da pequena área.

E a comparação dos números só deixa o debate ainda mais interessante. Enquanto a maioria de nós tende a ler cerca de 200 a 400 palavras por minuto, as pessoas que fazem a tal da leitura dinâmica dizem ler de 1000 a 1700 palavras no mesmo intervalo de tempo. Espantosa e chocante diferença, não?

Mas, antes de entender do que se trata exatamente a leitura dinâmica, e se ela é mito ou realidade, vamos falar um pouco sobre como funciona a leitura em si. O que sabemos sobre a leitura “tradicional”, digamos assim, é que ela é um processo terrivelmente mecânico que acontece de acordo com algumas etapas.

Primeiro você olha para uma palavra, ou várias palavras. Isso se chama “fixação” e leva cerca de 0,25 segundo. Depois, você move o olho para a próxima palavra, ou grupo de palavras. Essa etapa se chama “sacada” e leva cerca de 0,1 segundo. Depois isso é repetido uma ou duas vezes e você faz uma pausa para compreender o que acabou de ler, o que leva de 0,3 a 0,5 segundo, em média. E é assim que 95% dos estudantes universitários têm uma leitura média de 200 a 400 palavras por minuto.

Os leitores dinâmicos alegam que diminuem o tempo de fixação – que é o tempo que “gastamos” olhando para as palavras. E eles tendem a fazer isso cortando o que é chamado “subvocalização”, o processo de repetir as palavras na cabeça enquanto as lê. Ao longo do tempo, algumas técnicas e métodos foram desenvolvidos com o objetivo de disseminar essa habilidade que beira à fantasia. Vamos a algumas delas:

Skimming

Skimming é um método de leitura dinâmica que consiste em correr o olho pelas frases procurando palavras-chave para a compreensão do texto. Algumas pessoas fazem isso com bastante naturalidade. Eu, por exemplo, faço isso quando quero saber se a leitura de algum texto vai valer a pena para encontrar a resposta que eu estou procurando. Se encontrar algumas palavras que correspondam a mais ou menos o que estou procurando, volto do começo para ler atentamente. Justamente porque apesar desta ser uma técnica de leitura dinâmica, ela não nos ensina de fato a ler mais rápido. E, como era de se esperar, estudos já comprovaram que, se uma leitura inteira é feita desta maneira, a compreensão geral do conteúdo fica, e muito, prejudicada.

Meta Guiding

Essa é uma das técnicas mais antigas. Trata-se de usar o dedo, ou uma caneta, para guiar os olhos para palavras específicas. O objetivo principal é diminuir distrações e focar a atenção para fazer a leitura ser mais rápida e efetiva.

Apresentação Visual Serial Rápida (AVSR) e o aplicativo Spritz

É o método utilizado pela maioria dos sistemas de leitura dinâmica digital, inclusive pelo recém-lançado Spritz. Para acelerar o processo de leitura, palavras sozinhas piscam na tela, fazendo você se concentrar em uma por vez. Conforme o usuário vai se acostumando com o sistema, pode acelerar cada vez mais a velocidade com que o display mostra as palavras.

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A primeira vez que eu ouvi falar nesse aplicativo, achei a ideia absolutamente fantástica. Eu e o mundo inteiro. Mas, depois que passou a euforia, veio o questionamento: será que se eu lesse um livro inteiro assim, eu iria entender alguma coisa? Ou se quer ia saber do que ele se tratava quando terminasse? E, para a minha alegria, existem pesquisas para responder a essas perguntas!

Compreensão

A vantagem de ler mais rápido é, obviamente, ler mais rápido. Mas a leitura em velocidade pode trazer alguns problemas como… O que é mesmo que eu estava lendo? Você acaba se concentrando tanto em ler o mais rápido possível que acaba perdendo o foco sobre o que você está lendo de fato. E, a principal afetada nisso tudo é a grande protagonista do processo de leitura: a compreensão.

Para Keith Rayner, pesquisador da Universidade da Califórnia, em San Diego (EUA), a leitura dinâmica é quase sem sentido, porque nossos olhos apenas não conseguem trabalhar dessa maneira. Segundo ele, podemos até nos forçar a ler algo em torno de 500 palavras por minuto, mas estamos limitados pelos nossos olhos, anatomia da retina e capacidade do cérebro – que precisa de um certo tempo para processar informações.

Rayner também confirma que a AVSR e os sistemas digitais de leitura dinâmica são da mesma maneira falhos por terem problemas com o que se chama “memória de trabalho” – que é a memória que atua no momento em que as informações estão sendo adquiridas, retendo-as por um curto período de tempo e depois descantando ou encaminhando-as para serem guardadas por períodos mais longos de tempo.

Quando utilizamos a técnica AVSR, sobrecarregamos a memória de trabalho e as palavras vem em um ritmo muito mais rápido do que podemos processar. Isso significa que não podemos absorver informações quando estamos lendo muito rápido. No caso dos aplicativos, como o Spritz, que utilizam esse método, não temos nem a opção de voltar algum trecho e ler de novo, o que, mais um vez, sobrecarrega a memória de curto prazo. Resultado: não conseguimos lembrar muito bem do que acabamos de ler.

Os favoráveis

Para os pesquisadores que desenvolveram o Spritz, o sistema permite que os olhos descansem em um único ponto, o que favoreceria a habilidade de ler mais rápido. Isso pode até ser verdade, mas não soluciona o problema da memória de trabalho sobrecaregada, apontado por Rayner.

E você, o que pensa sobre tudo isso? Será que é mesmo possível ler assim? [Life Hacker, Slate]

6 comentários

  • Osmani Silva:

    Fiz os cursos da Neurosofware, alguem daqui fez? dê sua opiniao sobre. Obrigado.

  • Dinho01:

    Essa história de leitura dinâmica só me lembra um episódio de “Alf,o eteimoso” quando Alf tentava aprender essa técnica e lhe perguntavam se ele já estava lendo mais rápido e ele respondia:”Não,mas as pontas dos meus dedos já estão muito mais macias”. 😉

  • joexis:

    Leitura rápida não foi feita para se ler rápido um bom livro, pois tira o prazer da leitura, a identificação com o texto, a compreensão e o prazer que a obra transmite.
    Ela foi feita para, no meu caso, tomar conhecimento rápido de relatórios, atas, pareceres e demais textos monótonos e chatos, que quando eu dispuser de mais tempo, vou ler com mais calma.
    Sempre consegui ler rápido, fiz um curso, e nele havia esta apresentação rápida. Ter um bom e diverso vocabulário ajuda em muito também.

  • Infelevus:

    Quando eu era mais novo, tentei aprender métodos para se ler mais rápido, inclusive leitura dinâmica.
    Não vale a pena. É preferível ler um ótimo livro lentamente de maneira minuciosa do que ler 10 livros com leitura dinâmica.

    “Atividade frenética não é substituta para a assimilação.”
    — H. H. Williams

  • Thiago Mota:

    Ler é uma coisa, compreender é outra coisa!
    de que adianta ler uma pagina em um minuto e ao termina-la não lembrar oque leu no primeiro paragrafo?

  • Marcelo Ribeiro:

    De que adianta comer todo o almoço em 60 segundos só para vomitar tudo em seguida?

    Assim como não posso digerir meio quilo de comida engolida em 60 segundos não consigo refletir sobre uma página toda lida em 10 segundos.

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