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A “maldição de ganhar na loteria” é verdadeira?

Seja na ficção, com a maldição que seguia o personagem Hugo “Hurley” Reyes em LOST, seja na realidade, com as diversas manchetes que vemos de ganhadores da loteria que foram mortos, sequestrados ou que perderam todo o seu dinheiro com baboseiras, acertar a sorte grande parece ter pouco de “sorte” realmente envolvida.

Mas será que é isso mesmo? O final de todo grande vencedor da loteria é divorciado, deprimido, destituído ou morto? O que a ciência tem a dizer sobre essas estatísticas?

Parece que sim

Um estudo de 1978 relatou que os ganhadores de loteria não eram mais felizes ou mais otimistas sobre o futuro do que os seus vizinhos. Na verdade, eles não eram mais otimistas sobre sua felicidade futura do que um grupo de pessoas que tinham estado em acidentes que os deixaram paralisadas.

Loucura, não? Afinal, todo mundo pensa que um enorme saco de dinheiro é, sim, um verdadeiro aumentador de felicidade.

Esse estudo testou uma teoria de que todos nós estamos presos em uma “esteira hedonista”, um termo cunhado pelo autor do trabalho, Philip Brickman, para a ideia de que os acontecimentos bons ou ruins não afetam permanentemente os nossos níveis de felicidade.

A teoria continua a ser popular com muitos psicólogos. Esse estudo da loteria é uma das evidências principais dessa tese, mas não é a única. Outras pesquisas também já concluíram que a máxima “dinheiro compra felicidade” geralmente não é válida.

Parece que não

Por outro lado, o estudo de 1978 envolveu apenas 22 ganhadores da loteria, e não revelou se a sua felicidade deles se alterou com o tempo; apenas mediu seus sentimentos em um ponto no tempo, normalmente dentro de um ano da vitória, comparando-os naquele momento com os vizinhos, cujos nomes foram escolhidos a partir de uma lista telefônica.

O próprio Dr. Brickman e seus coautores notaram essas limitações e queriam seguir os vencedores por mais tempo. Levou algumas décadas, mas isso finalmente foi feito. Os novos resultados são uma boa notícia para aqueles que acabaram de ser sorteados ou que jogam todos os dias em busca daquele bilhete premiado.

Os sentimentos de centenas de ganhadores da loteria foram monitorados em dois estudos separados, ambos com base em uma pesquisa nacional britânica na qual adultos foram extensivamente entrevistados anualmente sobre os seus estados de espírito e os acontecimentos em suas vidas.

Um dos estudos, realizado por Bénédicte Apouey e Andrew E. Clark da Escola de Economia de Paris (França), descobriu que as pessoas tendem a beber e fumar um pouco mais depois de ganhar o prêmio, mas que a sua saúde física geral permanece a mesma. Seus níveis de estresse declinam ao longo de dois anos, enquanto seus sentimentos positivos aumentam, de modo que o seu bem-estar psicológico em geral é significativamente maior dois anos depois de vencer na loteria.

O outro estudo, realizado por Jonathan Gardner e Andrew J. Oswald da Universidade de Warwick (Inglaterra), descobriu que o bem-estar psicológico caiu um pouco um ano depois dos vencedores pegarem seu dinheiro, mas mais do que se recuperou nos próximos dois anos. Os vencedores acabaram muito melhor psicologicamente do que estavam antes, além de melhor do que tanto a população em geral quanto uma amostra de jogadores de loteria que não tinham ganhado um prêmio significativo.

A “maldição da loteria” foi posteriormente desbancada por ainda outra pesquisa com mais de 400 ganhadores da loteria suecos, realizada por Anna Hedenus, socióloga da Universidade de Gotemburgo. Ela descobriu que a maioria dos vencedores não gastou todo o seu dinheiro, preferindo poupar ou investir o prêmio. A maioria relatou estar muito contente, como o esperado.

O tempo cura tudo

O problema com ficar contente ao ganhar na loteria é que a felicidade não é imediata. Como os estudos mostraram, os primeiros momentos são de estresse, para depois o bem-estar aumentar.

Os pesquisadores pensam que isso se deve a um “tempo de ajuste”. O Dr. Oswald, economista comportamental autor da pesquisa inglesa, observa que a tensão inicial relatada pelos vencedores britânicos em seu estudo está de acordo com as teorias sobre a “maldição da loteria”.

“Nenhum pesquisador descobriu que as pessoas são mais felizes no primeiro ano depois de ganhar na loteria. Meu palpite é que elas têm que se fazer acreditar de que mereceram aquilo. Também pode ser que seja preciso lidar com vizinhos e parentes no primeiro ano, mesmo que apenas inconscientemente, e isso é uma outra razão pela qual a busca da felicidade imediata é frustrada”, diz.

Esses problemas de ajustamento podem durar mais tempo para os vencedores que recebem quantias extremamente assustadoras de dinheiro, ou seja, centenas de milhões de dólares, por um motivo simples: a vida deles nunca mais será a mesma, principalmente por que ninguém vai deixar que seja.

“Vencedores contam que todos que já o conheceram na vida saem da toca e pedem dinheiro, especialmente a família”, conta Michael I. Norton, psicólogo social da Universidade Harvard (EUA).

De acordo com o Dr. Norton, enquanto dar dinheiro é uma das maneiras mais seguras de aumentar a sua felicidade, não há muita alegria em ser perseguido pelo resto de sua vida por pessoas à procura de caridade. “O problema com um grande prêmio na loteria é que ele adiciona um grupo de pessoas para sua vida que você não quer estar em contato, e perturba suas relações com as pessoas que você quer estar em contato”, afirma.

Dr. Oswald, o pesquisador britânico, endossa o anonimato como uma boa estratégia para a alegria a longo prazo, mas suspeita que ainda haverá problemas iniciais e pouca felicidade nos seus primeiros momentos como “pessoa sortuda”.

Caso você tenha ganhado um prêmio e for obrigatório divulgar publicamente o nome do vencedor, mas você queira permanecer anônimo, o consultor financeiro americano Robert Pagliarini sugere que você crie um fundo ou uma empresa para receber o dinheiro e manter sua identidade secreta. [NYTime]

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