Como beija-flores voam mais alto que muitos helicópteros e migram sobre o oceano aberto

Por , em 10.10.2024

Beija-flores, com suas penas cintilantes e movimentos relâmpago, são como joias voadoras que ziguezagueiam entre flores. Mas por trás desse show de cor e agilidade, eles escondem habilidades surpreendentes que os permitem sobreviver nas situações mais desafiadoras da natureza. Para os cientistas, entender esses pássaros é quase como estudar atletas olímpicos que vivem sempre no limite da resistência.

Esses pequenos pássaros são capazes de atingir velocidades tão altas que seus corações batem até 1.260 vezes por minuto. Isso exige um combustível poderoso, que vem do néctar doce das flores. No entanto, esse combustível traz um dilema: como eles conseguem lidar com uma dieta tão açucarada sem sofrer os efeitos negativos do excesso de glicose, como ocorreria com os seres humanos? A resposta está nas peculiaridades de seu sistema digestivo e em adaptações que os protegem do que seria fatal para qualquer um de nós.

Como beija-flores bebem apenas “refrigerante açucarado” e ainda saem ilesos

Imagine uma pessoa bebendo o equivalente a 80% do seu peso em refrigerante diariamente. Se um humano tentasse isso, seria levado direto para o hospital. Mas para os beija-flores, essa é apenas uma terça-feira comum. Com uma dieta feita quase totalmente de néctar, eles ingerem enormes quantidades de açúcar diariamente, mas suas células intestinais têm um truque especial: são tão permeáveis que o açúcar é rapidamente absorvido antes de causar danos. Além disso, seu sangue chega a ter seis vezes mais glicose do que o nosso, mas suas proteínas parecem ser adaptadas para evitar danos causados pelo excesso de açúcar.

Cientistas como Ken Welch, da Universidade de Toronto Scarborough, têm se maravilhado com a habilidade dos beija-flores de manter a saúde mesmo com uma dieta tão doce. Enquanto em humanos, a glicose em excesso causaria complicações, como danos aos nervos, os beija-flores são como pequenos especialistas em bioquímica, ajustando suas vias metabólicas para sobreviver. Algumas de suas proteínas têm menos aminoácidos vulneráveis à glicação, e essas partes mais sensíveis ficam escondidas dentro das moléculas, longe dos efeitos dos açúcares.

Como os beija-flores economizam cada gota de energia

Embora sejam mestres em obter energia rapidamente, os beija-flores também sabem economizar. Durante a noite, quando não podem se alimentar, esses pássaros entram em um estado chamado torpor. É como um “modo de economia de energia” em que sua temperatura corporal cai drasticamente, quase como se desligassem suas funções para enfrentar o frio e a falta de comida. Um beija-flor em torpor parece quase uma minúscula estátua, respirando com longos intervalos, como se tivesse adormecido profundamente. Esse truque pode reduzir em até 95% o consumo de energia durante noites geladas, uma verdadeira habilidade de sobrevivência para quando as flores são raras e os dias, longos.

A fisiologista Anusha Shankar, especialista no metabolismo dessas aves, estuda como os beija-flores distribuem seus recursos ao longo do dia. Em épocas de fartura, como logo antes das monções, eles se dão ao luxo de descansar por até 70% do dia, mas quando as flores escasseiam, podem trabalhar até 13 horas seguidas voando de flor em flor. Shankar compara isso a correr uma maratona todos os dias sem descanso. É difícil imaginar qualquer outro animal — ou mesmo uma pessoa — aguentando uma rotina assim.

O motor dos beija-flores: da glicose à gordura em minutos

Ao amanhecer, depois de uma noite em torpor, os beija-flores acordam com suas reservas de açúcar quase esgotadas. A solução é queimar rapidamente a gordura armazenada, quase como se acionassem uma “chave” metabólica que troca o combustível do corpo em questão de minutos. Nos humanos, essa transição de queima de açúcar para gordura é lenta e gradual, mas os beija-flores fazem isso tão rapidamente que seria equivalente a um carro mudando do etanol para a gasolina instantaneamente.

Esse ajuste rápido de metabolismo, que é um desafio até para os melhores atletas, é uma das habilidades que os tornam tão especiais. Imagine a vantagem que seria, por exemplo, se pessoas com diabetes pudessem controlar suas reservas de energia de forma tão eficiente como essas aves fazem. Pesquisadores acreditam que entender melhor esse processo pode abrir portas para novos tratamentos de saúde.

A grande jornada dos menores migrantes

Muitos beija-flores são como nômades em miniatura, cruzando grandes distâncias para se reproduzirem ou encontrarem comida. Alguns, como o beija-flor-gigante dos Andes, fazem viagens que podem superar os 8.000 quilômetros, indo e voltando entre as montanhas e as regiões costeiras do Chile. Essas migrações não são apenas um passeio longo — elas são uma maratona aérea. Eles precisam se adaptar gradualmente à redução do oxigênio no ar enquanto voam a altitudes tão elevadas que poucos helicópteros conseguiriam acompanhá-los.

A pesquisadora Jessie Williamson, da Universidade Cornell, equipou essas aves com rastreadores minúsculos, revelando que sua jornada se parece muito com a dos alpinistas que escalam o Everest. Os pássaros fazem pausas em altitudes intermediárias para se aclimatarem antes de continuar a viagem. É como se estivessem sempre treinando para o próximo grande desafio.

Os desafios da água para os beija-flores

Beber néctar é como tomar goles de água açucarada constantemente. Isso pode gerar um problema para os beija-flores: como eliminar o excesso de água sem perder os preciosos sais e eletrólitos de que precisam? Eles desenvolveram rins altamente eficientes, capazes de filtrar o excesso de água e reter o que realmente importa. O resultado? Uma urina que é quase água pura, permitindo que eles não sofram com a diluição de seu sangue.

Mas mesmo essa estratégia tem seus limites. Durante a noite, quando os pássaros não têm acesso a néctar, seus rins literalmente “desligam” para evitar a perda de água, uma medida drástica que em qualquer outro animal seria vista como falência renal. Para os beija-flores, no entanto, essa pausa é apenas mais uma das muitas habilidades que os mantêm vivos, mesmo em cenários extremos.

O futuro das descobertas sobre esses voadores extremos

Com a tecnologia de rastreamento ficando cada vez mais avançada, os cientistas estão apenas começando a entender todas as nuances da vida dos beija-flores. Ao colocar esses minúsculos dispositivos em suas costas, novas descobertas sobre como eles enfrentam condições severas e desafios diários têm vindo à tona. Esse conhecimento não só nos ajuda a admirar ainda mais esses pequenos acrobatas do céu, mas também pode trazer lições valiosas para a ciência, desde novas abordagens para o controle da glicose até estratégias de adaptação a mudanças ambientais extremas.

Os beija-flores, que parecem feitos de puro movimento e cor, continuam sendo uma fonte infinita de mistérios a serem desvendados. E enquanto se alimentam de suas flores e flutuam pelo ar, eles nos mostram que, mesmo os menores seres, podem ter os maiores segredos para contar. [Smithsonian Magazine]

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