Estamos causando câncer em nós mesmos?

Por , em 3.02.2014

Apesar dos grandes avanços na prevenção e tratamento do câncer, as taxas da doença permanecem altas no mundo todo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde, de 2008 a 2012, a incidência e o número de mortes por câncer cresceu: foram mais de 14 milhões de casos (versus 12,7 milhões em 2008) e 8,2 milhões de mortes (versus 7,6 milhões).

De acordo com pesquisadores americanos, um culpado importante para esses números pode ser nossas próprias práticas médicas.

O uso de imagens médicas com altas doses de radiação – tomografias em particular – tem aumentado nos últimos 20 anos. Nos EUA, a exposição resultante de radiação médica cresceu mais de seis vezes entre os anos 1980 e 2006, segundo o Conselho Nacional de Proteção e Medidas de Radiação.

As doses de radiação da tomografia computadorizada (uma série de imagens de raios-X a partir de vários ângulos) são de 100 a 1.000 vezes maior do que os raios-X convencionais.

Claro, o diagnóstico graças a imagiologia médica pode salvar vidas. Mas há pouca evidência de melhores resultados de saúde associados com a alta taxa atual de exames.

Enquanto isso, a relação entre a radiação e o desenvolvimento de câncer é bem compreendida: uma única tomografia computadorizada expõe o paciente a uma quantidade de radiação que evidências epidemiológicas acreditam ser causadora de câncer.

Os riscos foram demonstrados diretamente em dois grandes estudos clínicos na Grã-Bretanha e Austrália. No estudo britânico, crianças expostas a múltiplas tomografias foram três vezes mais propensas a desenvolver leucemia e câncer cerebral. E um relatório de 2011 concluiu que a radiação de imagens médicas e a terapia hormonal foram as principais causas ambientais do câncer de mama, aconselhando as mulheres a reduzir a sua exposição a exames desnecessários.

Uso em excesso, mortes em excesso

Tomografias computadorizadas, uma vez raras, agora são rotina. Este aumento do uso do exame é resultado de vários fatores, incluindo o desejo de diagnósticos precoces, tecnologia de imagem de qualidade superior e interesses financeiros dos médicos e centros de imagem.

Embora seja difícil saber quantos tipos de câncer resultarão de imagiologia médica, um estudo de 2009 do Instituto Nacional do Câncer nos EUA estima que tomografias realizadas em 2007 projetarão 29 mil casos de câncer e 14.500 mortes a mais durante a vida útil dos pacientes expostos. De acordo com os cálculos, se o país não mudar as práticas atuais, de 3 a 5% de todos os cânceres futuros podem resultar da exposição a imagens médicas.

Cientistas creem que estes testes são usados em excesso. Mas, mesmo quando são adequadamente utilizados, eles nem sempre são feitos da maneira mais segura possível. A regra é que as doses de imagiologia médica devem ser tão baixas quanto razoavelmente possível. Mas não existem diretrizes específicas para essas doses e, portanto, há uma variação considerável dentro e entre instituições. A dose de um hospital pode ser 50 vezes mais forte do que em outro.

Um estudo recente em um hospital de Nova York descobriu que quase um terço dos seus pacientes submetidos a vários exames de imagem cardíaca estavam recebendo uma dose efetiva acumulada de mais de 100 millisieverts de radiação – o equivalente a 5.000 radiografias de tórax.

É melhor não fazer?

Nem os médicos nem os pacientes querem voltar aos dias antes da invenção da tomografia computadorizada. Mas, de acordo com os pesquisadores, é preciso encontrar maneiras de utilizá-la sem matar pessoas no processo.

É possível reduzir a taxa de imagiologia médica simplesmente evitando testes desnecessários e minimizando a radiação quando um for necessário. Por exemplo, muitos médicos de pronto-socorro rotineiramente encomendam várias tomografias antes mesmo de ver um paciente. Tais práticas, para as quais há pouca ou nenhuma evidência de benefício, devem ser eliminadas, segundo os cientistas.

Melhor acompanhamento e diretrizes também ajudaria, como a supervisão regulamentar de como os aparelhos são usados e normas claras publicadas pelas sociedades de radiologia profissionais. As instituições que oferecem os exames deveriam ser obrigadas a seguir doses garantidamente tão baixas quanto possível, comparando-as com diretrizes publicadas.

Os pacientes têm um papel a desempenhar também. Antes de concordar com uma tomografia computadorizada, eles devem perguntar se ela vai levar a um melhor tratamento da sua condição, se podem receber terapia sem o teste, se existem alternativas que não envolvem radiação, tais como ultrassom ou ressonância magnética, e, quando uma tomografia computadorizada for necessária, como a exposição à radiação pode ser minimizada. [NYTimes, BBC]

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