Massacre em Suzano: a flexibilização da posse de arma pode aumentar o problema?

Por , em 14.03.2019

O crime cometido por dois jovens em uma escola pública de Suzano (SP) na manhã de ontem (13 de março) tem reacendido um debate entre os defensores e opositores da simplificação do porte e posse de armas.


Com o decreto assinado pelo presidente Jair Bolsonaro que facilita a posse de armas, o mercado brasileiro do setor, estimado em R$ 1 bilhão por ano, pode ser invadido por empresas estrangeiras.

Especialistas em violência avaliam que o número de armas legalizadas no país deve triplicar de 7 milhões para 21 milhões em três ou quatro anos, um aumento preocupante.

De acordo com Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, caso Guilherme Taucci Monteiro, 17, e Luiz Henrique de Castro, 25, tivessem acesso a mais armas, a tragédia seria maior. “O fato de só um ter um revólver mostra a dificuldade que eles [os assassinos] têm de acessar armamento. Aí a conta é muito simples: quanto mais você tem arma, mais homicídios acontecem, porque o poder de letalidade aumenta”, disse ao portal UOL.

Ao todo, oito pessoas morreram executadas pelos jovens, que se mataram após atacar um comerciante, funcionários e alunos. A dupla possuía uma pistola calibre 38, uma besta, uma machadinha e um arco e flecha.

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Número de armas legais e ilegais deve subir

Luís Sapori, professor de mestrado e doutorado em Ciências Sociais na PUC-MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais) e especialista em segurança pública, acredita que o decreto é um retrocesso no campo da segurança pública “porque não tem como separar posse de armas da violência”, afirmou à UOL.

Especialistas e organizações como Sou da Paz informam que, mesmo antes de o decreto ser assinado, a tendência era de aumento significativo nos pedidos de registro. Segundo dados da Polícia Federal, no ano passado, esse número chegou a 48,5 mil, em comparação com 45,5 mil em 2017.

Entre 2014 e 2018, o número de registros autorizados passou de 1,2 milhão. De acordo com o UOL, especialistas apontam ainda a existência de pelo menos 15 milhões de armamentos ilegais.

“Imaginar que em poucos anos teremos quase 40 milhões de armas, entre legais e ilegais, circulando entre os brasileiros me faz pensar muito em uma situação de alto risco para a segurança do país”, completa Sapori.

A crença do especialista é de que a facilitação no financiamento, a possibilidade de abertura do mercado e o aumento da concorrência ajudariam muita gente a ter acesso às armas.

O outro lado do debate

Nas redes sociais e em entrevistas à imprensa, o senador Major Olímpio (PSL-SP) manifestou uma opinião muito diferente sobre o massacre.

Para o defensor da liberalização das armas, se houvesse cidadãos armados no interior da escola, como professores, “a tragédia seria minimizada”. Conforme explicou em entrevista à Folha, o senador crê que armas clandestinas circulam pelo Brasil e são usadas para esse tipo de crime – dado do qual ninguém discorda.

Ilana Szabó, diretora-executiva do Instituto Igarapé, no entanto, aponta que “fazer justiça com a própria mão” não é a resposta, de forma que se opõe à possibilidade de armar a população.

“Tem um equívoco muito grande hoje de parte de nossos representantes quererem que a gente vire assassinos em potencial. Não somos nós cidadãos que temos que fazer justiça com as próprias mãos. Precisamos de um governo, de representantes eleitos, cumprindo uma agenda de segurança pública que proteja os cidadãos. Isso é obrigação número um de governantes eleitos num estado democrático de direito, e não terceirizar essa responsabilidade para nós”, afirmou ao UOL.

Estatísticas de armas de fogo

A comparação do massacre com a situação dos Estados Unidos é inevitável para os pesquisadores. O país é famosamente palco de dezenas de ataques com armas mensalmente.

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Lá, os requisitos para se comprar armas são bem mais flexíveis do que no Brasil, e o debate para a mudança da legislação é realimentado a cada novo ataque. “A gente vê que esses casos são muito mais comuns e frequentes lá, quase semanais, pelo simples fato de que você tem nos EUA um acesso muito maior a armas de fogo do que em qualquer lugar no Brasil”, argumentou Bruno Langeani, especialista em segurança pública do Instituto Sou da Paz, ao UOL.

Se for mais fácil para cidadãos comuns comprarem armas e entrarem atirando nas escolas, o cenário brasileiro pode, talvez, piorar para além de sua situação atual já desoladora.

Nosso país já é palco de situações absurdas como a do policial militar reformado Ronnie Lessa, acusado de ser um dos autores do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL), que foi encontrado na posse de peças que poderiam ser usadas na montagem de 117 fuzis.

Como se não bastasse isso, somos atualmente a nação número um em mortes por arma de fogo no mundo.

Um estudo do Global Burden Disease, órgão da Organização Mundial da Saúde que pesquisa as causas de morte pelo mundo, afirmou que, em 2016, 43,2 mil pessoas foram mortas por armas de fogo no Brasil. Sem surpresa, somos seguidos de perto pelos Estados Unidos, com 37,2 mil mortes. Juntos, os dois países são responsáveis por 32%, quase um terço, de todas as mortes por bala no mundo – o que parece destruir o argumento de que mais armas levariam à mais segurança.

Para Szabó, o decreto não acarreta necessariamente em um risco de aumento de crimes como o de hoje. “A gente pode ter uma posse responsável sem impacto grandioso na violência. Depende muito de como o Estado vai enfrentar essa questão, se haverá controle para as armas não pararem em mãos erradas”, disse.

A apreensão dos 117 fuzis encontrados em uma única casa, para a diretora-executiva do Instituto Igarapé, é prova de que as “armas nascem legais, são compradas legalmente e passam para a ilegalidade”. [RevistaGalileu, GBD, UOL1, UOL2, UOL3, UOL4, UOL5]

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