Memória motora – Por que nunca nos esquecemos de como andar de bicicleta?

Por , em 8.12.2014

 

Artigo de Mustafá Ali Kanso

Evidentemente isso não é de todo verdadeiro, pois, embora raros, existem danos neurológicos que podem promover o esquecimento de habilidades motoras, tais como andar de bicicleta, dançar, tocar um instrumento, etc.

No entanto, o foco desse artigo fundamenta-se nos casos mais gerais, na faixa comportamental que ousamos denominar normalidade, na qual se verifica que, mesmo passadas décadas desde o seu último contato com uma bicicleta, por exemplo, a habilidade motora adquirida permanece, pelo menos em seus aspectos medulares: o indivíduo consegue dar umas pedaladas, mesmo que sem a desenvoltura anterior.

Por quê?

Tal faculdade está relacionada ao que se denomina memória motora, um termo chave que descreve uma gama comportamental bastante ampla, daí a necessidade de se estabelecer um contorno conceitual.

De acordo com os neurocientistas Squire e Kandel existem diversos níveis de memória:

Nível 1 — Memória Declarativa ou explícita: Todo o tipo de evento memorizado que pode ser verbalizado, ou seja, traduzido em palavras.

Pode ser subdividida em memória semântica ou episódica.

Será denominada episódica quando relacionada aos eventos que podem ser verbalizados num contexto histórico, numa dada linha de tempo. Por exemplo uma narrativa sobre o dia de seu casamento, sobre um filme que você assistiu, etc.

Em contrapartida será denomina semântica quando se reportar aos conceitos memorizados, tais como o significado das palavras e a explicação do mundo das coisas.

Nível 2 — Memória Não-declarativa ou implícita: Todo o tipo de registro em nossa memória que não pode ser verbalizado.  Tais como as habilidades motoras e as emoções.

No primeiro caso tempos a memória implícita associativa relacionada a aquisição e alteração de habilidades cinestésico-corporais. Nas quais estão associadas a percepção e a motricidade.

É exatamente nesse estágio que atua o aprendizado de novos gestos e a evolução de tais competências, ligadas ao reflexo, aos sistemas perceptivos e também à própria motricidade.

A palavra chave para a aquisição e evolução desse tipo de memória é a repetição.

Os pesquisadores observaram que o reforço promovido pela repetição promove uma variação de gradiente de RNA no citoplasma dos neurônicos, distribuídos por todo o cérebro e também pelo tubo neuronal.

Essa alteração é apenas um dos fatores do acesso espontâneo da habilidade adquirida.

O que é denominado “mecanização”, ou seja, aquela habilidade que não precisa ser “pensada” para ser utilizada.

É pela repetição que tal reforço é conquistado. Daí a necessidade de praticar para adquirir e fazer evoluir essas habilidades cinestésico-corporais.

Quando se aprende a andar de bicicleta, a harmonização de todos os “movimentos encadeados” característicos de tais competências tais como percepção, equilíbrio, decisão e motricidade se dão num plano espontâneo no qual você se equilibra na bicicleta, por exemplo, sem precisar “pensar” para isso. E é algo que não pode ser verbalizado.

Mesmo com o abandono da prática diária um certo gradiente de RNA permanece, como um marcador de registro. E isso foi conquistado devido ao reforço criado pela repetição.

Assim, fica fácil retomar à prática, anos mais tarde sem os deslizes naturais cometidos por um iniciante.

Aliado a esses fatores cognitivos e neurológicos, existe também a própria memória muscular.

Alguns pesquisadores acreditam que com a hipertrofia muscular conquistada por meio da prática até certo ponto repetitiva de determinado movimento promove o aumento do número de núcleos celulares no próprio tecido muscular.

Mesmo com a perda de massa muscular promovida pela atrofia decorrente do abandono de tal prática, não se observa uma retração desse número de núcleos celulares aos valores de um iniciante.

Novamente o RNA está relacionado à ação dessas células polinucleadas e o trânsito de energia de célula a célica que é capaz de favorecer a execução dos movimentos previamente aprendidos.

Embora esse mecanismo não esteja totalmente elucidado, muitas pesquisas apontam para que essa seja a chave da transformação da memória de curto prazo (que apresenta natureza elétrica) em memória de longo prazo (que possui natureza molecular).

Grosso modo, tais mecanismos de transformação estariam relacionados à variação de concentração de diversas substâncias no corpo químico de cada célula e que se daria principalmente durante o sono. O RNA seria apenas uma delas.

Numa indução podemos concluir que aquilo que ocorre com a mente ocorre também com o corpo como um todo.

Movimentos mentais ou físicos repetidos de forma inteligente, ou seja, fundamentados em uma metodologia adequada leva a um aprendizado que pode perdurar por toda a vida.

Sem dúvida uma vantagem evolutiva:

Não esquecer o que aprendemos no plano físico ou mental nos protege de repetir os mesmos erros.

 

 
Artigo de Mustafá Ali Kanso 

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LEIA A SINOPSE DO LIVRO A COR DA TEMPESTADE DE Mustafá Ali Kanso

[O LIVRO ENCONTRA-SE À VENDA NAS LIVRARIAS CURITIBA E SPACE CASTLE BOOKSTORE].

Ciência, ficção científica, valores morais, história e uma dose generosa de romantismo – eis a receita de sucesso de A Cor da Tempestade.

Trata-se de uma coletânea de contos do escritor e professor paranaense Mustafá Ali Kanso (premiado em 2004 com o primeiro lugar pelo conto “Propriedade Intelectual” e o sexto lugar pelo conto “A Teoria” (Singularis Verita) no II Concurso Nacional de Contos promovido pela revista Scarium).

Publicado em 2011 pela Editora Multifoco, A Cor da Tempestade já está em sua 2ª edição – tendo sido a obra mais vendida no MEGACON 2014 (encontro da comunidade nerd, geek, otaku, de ficção científica, fantasia e terror fantástico) ocorrido em 5 de julho, na cidade de Curitiba.

Entre os contos publicados nessa coletânea destacam-se: “Herdeiro dos Ventos” e “Uma carta para Guinevere” que juntamente com obras de Clarice Lispector foram, em 2010, tópicos de abordagem literária do tema “Love and its Disorders” no “4th International Congress of Fundamental Psychopathology.”

Prefaciada pelo renomado escritor e cineasta brasileiro André Carneiro, esta obra não é apenas fruto da imaginação fértil do autor, trata-se também de uma mostra do ser humano em suas várias faces; uma viagem que permeia dois mundos surreais e desconhecidos – aquele que há dentro e o que há fora de nós.

Em sua obra, Mustafá Ali Kanso contempla o leitor com uma literatura de linguagem simples e acessível a todos os públicos.

É possível sentir-se como um espectador numa sala reservada, testemunha ocular de algo maravilhoso e até mesmo uma personagem parte do enredo.

A ficção mistura-se com a realidade rotineira de modo que o improvável parece perfeitamente possível.

Ao leitor um conselho: ao abrir as páginas deste livro, esteja atento a todo e qualquer detalhe; você irá se surpreender ao descobrir o significado da cor da tempestade.

[Sinospse escrita por Núrya Ramos  em seu blogue Oráculo de Cassandra]

2 comentários

  • rodolfo andrello:

    Resta trabalhar pra aplicar isso em aprendizado de artes marciais.

  • Cesar Grossmann:

    Já sabe por que tem que repetir o mesmo movimento centenas ou milhares de vezes em artes marciais e esportes que envolvam técnicas…

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