Estranhas ‘moléculas gravitacionais’ poderiam orbitar buracos negros como elétrons girando em torno de átomos

Por , em 18.11.2020
Simulação de buracos negro em rota de colusão
A simulação computadorizada mostra os buracos negros a apenas 40 órbitas de colidirem entre si. Crédito: Goddard Space Flight Center da Nasa

Buracos negros são impressionantes ​​por muitas causas. Sua simplicidade é uma delas. Essa simplicidade nos permite traçar paralelos surpreendentes entre os buracos negros e outros ramos da física. Por exemplo, uma equipe de pesquisadores mostrou que um tipo especial de partícula pode existir ao redor de um par de buracos negros da mesma forma que um elétron pode existir ao redor de um par de átomos de hidrogênio, o primeiro exemplo de uma “molécula gravitacional”. Este estranho objeto pode nos dar dicas sobre a identidade da matéria escura e a natureza definitiva do espaço-tempo.

Preparando o campo

Para entender como a nova pesquisa, que foi publicada em setembro no banco de dados de pré-impressão arXiv, explica a existência de uma molécula gravitacional, primeiro precisamos explorar um dos mais fundamentais — e ainda assim quase nunca mencionados — aspectos da física moderna: o campo, reporta o site Space.

Um campo é uma ferramenta matemática que diz o que você pode encontrar ao viajar de um lugar para outro no universo. Por exemplo, se você já viu a previsão do tempo na TV sobre as temperaturas em sua região, você está vendo uma representação de um campo de fácil visualização: conforme você viaja pela sua cidade ou estado, você saberá que tipo de temperaturas que você possivelmente encontrará e onde (e se você precisa levar um casaco).

Esse tipo de campo é conhecido como campo “escalar”, porque “escalar” é a maneira matemática sofisticada de dizer “apenas um único número”. Existem outros tipos de campos na física, como campos “vetoriais” e campos “tensores”, que fornecem mais de um número para cada localização no espaço-tempo. (Por exemplo, um mapa da velocidade e da direção do vento é um campo vetorial.) Mas, para os objetivos deste artigo de pesquisa, só precisamos saber sobre o tipo escalar.

O casal atômico

Em meados do século 20, os físicos pegaram o conceito de campo — que já existia há séculos naquela época e era absolutamente antiquado para os matemáticos — e o trabalharam muito nele.

Eles perceberam que os campos não são apenas truques matemáticos úteis, eles na verdade descrevem algo super-fundamental sobre o funcionamento interno da realidade. Eles descobriram, basicamente, que tudo no universo é realmente um campo.

Considere o humilde elétron. Sabemos pela mecânica quântica que é muito difícil determinar exatamente onde um elétron está em um determinado momento. Quando a mecânica quântica surgiu pela primeira vez, era uma bagunça desagradável de entender e desvendar, até que o conceito campo apareceu.

Na física moderna, representamos o elétron como um campo, um objeto matemático que nos diz onde é provável que localizemos o elétron na próxima vez que olharmos. Este campo reage ao mundo ao seu redor — digamos, por causa da influência elétrica de um núcleo atômico próximo — e se modifica para alterar o local onde deveríamos encontrar o elétron.

O resultado final é que os elétrons podem aparecer apenas em certas regiões ao redor de um núcleo atômico, dando origem a toda a química.

Amigos dos buracos negros

E agora a parte do buraco negro. Na física atômica, você pode descrever completamente uma partícula elementar (como um elétron) em termos de três números: sua massa, seu spin e sua carga elétrica. E na física gravitacional, você pode descrever completamente um buraco negro em termos de três números: sua massa, seu spin e sua carga de elétrons.

Coincidência? A ciência ainda está pensando sobre isso, mas por enquanto podemos explorar essa semelhança para entendermos melhor os buracos negros.

Na linguagem cheia de jargões da física de partículas que acabamos de explorar, você pode descrever um átomo como um minúsculo núcleo rodeado por um campo de elétrons. Esse campo de elétrons responde à presença do núcleo e permite que o elétron apareça apenas em certas regiões. Isso também é verdade para os elétrons em torno de dois núcleos, por exemplo, em uma molécula diatômica como o hidrogênio (H2).

Você pode descrever o ambiente de um buraco negro de uma maneira parecida. Imagine a minúscula singularidade, um núcleo preto parecido com o núcleo de um átomo, enquanto o ambiente ao redor — um campo escalar genérico — é semelhante ao que descreve uma partícula subatômica. Esse campo escalar responde à presença do buraco negro e permite que sua partícula correspondente apareça apenas em certas regiões. E assim como nas moléculas diatômicas, você também pode descrever campos escalares ao redor de dois buracos negros, como em um sistema de buraco negro binário.

Os autores do estudo descobriram que campos escalares podem de fato existir em torno de buracos negros binários. Além do mais, eles podem se formar em certos padrões que são parecidos da maneira que os campos de elétrons se organizam nas moléculas. Portanto, o comportamento dos campos escalares nesse cenário imita como os elétrons se comportam nas moléculas diatômicas, daí o apelido de “moléculas gravitacionais”.

Por que o interesse em campos escalares? Bem, para começar, não entendemos a natureza da matéria escura ou da energia escura, e é possível que a energia escura e a matéria escura possam ser compostas de um ou mais campos escalares), assim como os elétrons são compostos do campo de elétrons.

Se a matéria escura é de fato composta de algum tipo de campo escalar, então este resultado significa que a matéria escura existiria em um estado muito estranho em torno dos buracos negros binários – as misteriosas partículas escuras teriam que existir em órbitas muito específicas, assim como os elétrons rodeiam os átomos. Mas os buracos negros binários não duram para sempre; eles emitem radiação gravitacional e finalmente colidem e se aglutinam em um único buraco negro. Esses campos escalares de matéria escura afetariam quaisquer ondas gravitacionais emitidas durante essas colisões, porque filtrariam, desviariam e remodelariam quaisquer ondas que passassem por regiões de maior densidade da matéria escura. Isso significa que podemos detectar esse tipo de matéria escura com sensibilidade suficiente nos detectores de ondas gravitacionais existentes.

Resumindo: em breve é possível que confirmemos a existência de moléculas gravitacionais e, por meio delas, abrir uma janela para uma região escura e oculto de nosso cosmos. [Space]

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