Um “desastre” climático ocorreu há 42 mil anos quando o campo magnético da Terra inverteu

Por , em 19.02.2021

Uma reversão no campo magnético da Terra há milhares de anos levou o planeta a uma crise ambiental que pode ter se assemelhado a “um filme de desastre”, descobriram recentemente os cientistas.

O campo magnético do nosso planeta é dinâmico e, múltiplas vezes, ele inverteu; o que significa que os polos magnéticos norte e sul invertem de posição. Nesse mundo que depende de dispositivos eletrônicos, tal reversão poderia causar sérios problemas nas redes de comunicação.

Mas o impacto pode ser ainda mais grave do que isso, de acordo com o novo estudo. Pela primeira vez, cientistas encontraram evidências de que uma virada de pólos poderia ter sérias repercussões ecológicas. A investigação liga uma reversão do campo magnético há cerca de 42 mil anos atrás à uma crise climática em global, que causou extinções e remodelou o comportamento humano.

A magnetosfera da Terra — a barreira magnética ao redor do planeta — se origina da agitação de metal quente e derretido ao redor do seu núcleo de ferro do planeta. Esse fluxo líquido constante gera eletricidade que, por sua vez, produz as linhas de campo magnético, que se curvam ao redor do globo de polo a polo, de acordo com a NASA .

Como uma bolha protetora, o campo magnético protege a Terra da radiação solar. No lado iluminado do planeta, o bombardeio constante dos ventos solares se choca com o campo magnético, de modo que ele se estende a uma distância não mais do que dez vezes o raio da Terra. No entanto, do lado do planeta voltado para longe do Sol, o campo se estende muito mais para o espaço, formando uma enorme cauda magnética que vai além da nossa lua, diz a NASA .

Os dois pontos na Terra onde linhas de campo magnético convergem são o Polo Norte magnético e o Polo Sul. Mas, embora essas posições sejam relativamente estáveis, os polos — e o próprio campo magnético — não são fixos. Mais ou menos uma vez a cada 200 – 300 mil anos, o campo enfraquece o suficiente para reverter completamente a polaridade. O processo pode levar centenas ou até milhares de anos, de acordo com a NASA.

Moléculas magnéticas preservadas em depósitos vulcânicos e outros sedimentos dizem aos cientistas quando reversões passadas aconteceram; essas moléculas se alinham com o campo magnético no momento em que foram depositadas, então indicam a localização do Polo Norte magnético, disse o principal autor do estudo, Alan Cooper, professor emérito do Departamento de Geologia da Universidade de Otago, na Nova Zelândia.

Recentemente, pesquisadores questionaram se uma reversão de polaridade relativamente recente e breve chamada excursão de Laschamps, que ocorreu entre 41 e 42 mil anos atrás (reversão de Laschamps), poderia estar ligada a outras mudanças dramáticas na Terra daquela época, que não haviam sido atribuídas anteriormente à atividade na magnetosfera. Eles suspeitavam que durante o tempo em que nosso campo magnético protetor estava revertendo — e, portanto, mais fraco do que o normal — a exposição à radiação solar e cósmica poderia afetar a atmosfera o suficiente para impactar o clima, relataram os autores do estudo.

Pistas nos “biscoitos”

Estudos anteriores de núcleos de gelo da Groelândia não revelaram evidências de mudanças climáticas, de acordo com o estudo. Mas desta vez, os pesquisadores voltaram sua atenção para outra fonte potencial de dados climáticos: as árvores kauri preservadas no pântano (Agathis australis) do norte da Nova Zelândia.

Eles cortaram seções transversais, ou “biscoitos”, dos troncos preservados, e analisaram mudanças nos níveis de carbono 14, uma forma radioativa de carbono, durante um período que incluiu a reversão de Laschamps. Sua análise revelou níveis elevados de carbono radioativo na atmosfera durante Laschamps, quando o campo magnético estava enfraquecendo.

“Quando descobrimos o momento exato do registro em kauri, pudemos ver que coincidiu perfeitamente com registros de mudanças climáticas e biológicas em todo o mundo”, disse Cooper ao Live Science. Por exemplo, nessa época, a megafauna na Austrália começou a ser extinta e os neandertais na Europa estavam morrendo; seu declínio pode ter sido acelerado por mudanças relacionadas ao clima em seus ecossistemas, disse Cooper.

Os autores então usaram modelos climáticos computadorizados para testar o que poderia ter causado as mudanças climáticas generalizadas e as extinções. Eles descobriram que um campo magnético fraco — operando com cerca de 6% de sua força normal — poderia levar a grandes impactos climáticos “através da radiação ionizante danificando fortemente a camada de ozônio, deixando entrar UV (raios ultravioletas) e alterando as maneiras pelas quais a energia do sol era absorvida pela atmosfera”, explicou Cooper.

Uma atmosfera fortemente ionizada também poderia ter gerado auroras brilhantes ao redor do mundo e produzido tempestades de raios frequentes, fazendo com que o céu parecesse “algo semelhante a um filme de desastre”, disse Cooper.

As impressões digitais do ochre vermelho na caverna El Castillo da Espanha foram feitas há quase 42 mil anos, e talvez representem o uso de uma antiga forma de protetor solar. (Crédito da imagem: Paul Pettitt, Gobierno de Cantabria)

Outra mudança significativa na época foi no Homo sapiens,com a arte rupestre em cavernas começando a surgir ao redor do mundo. Isso incluiu os primeiros exemplos de estêncil de mão ochre vermelho, “que suspeitamos ser na verdade um sinal da aplicação do protetor solar”, uma prática ainda vista em grupos indígenas modernos na Namíbia, disse Cooper. Níveis uv mais altos de um campo magnético fraco poderiam ter levado os humanos a procurar abrigo em cavernas, ou os forçado a proteger sua pele com minerais protetores solares, disse ele.

Os cientistas não podem prever precisamente quando a próxima reversão do nosso campo magnético vai acontecer. No entanto, alguns sinais — como a movimentação atual do Polo Norte através do Mar de Bering e o próprio campo magnético enfraquecendo quase 10% nos últimos 170 anos — sugerem que uma virada pode estar mais próxima do que pensamos, tornando mais urgente que os pesquisadores entendam completamente como grandes mudanças em nosso campo magnético poderiam moldar mudanças ambientais em escala global, de acordo com o estudo.

“No geral, essas descobertas levantam questões importantes sobre os impactos evolutivos das reversões geomagnéticas e excursões ao longo do registro geológico mais profundo”, escreveram os cientistas.

As descobertas foram publicadas online em 18 de fevereiro na revista Science.

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