O que veio primeiro: sons formando palavras ou palavras formando sentenças?
Será que sons formam palavras, ou palavras formam frases?
Pesquisadores da Universidade de Zurique (Suíça) acreditam que a sintaxe evoluiu antes – e é um processo cognitivamente mais simples – que a fonologia.
É muito difícil estudar as origens da linguagem. Ao contrário de outras características biológicas, a linguagem não fossiliza ou deixa para trás vestígios físicos.
Porém, existem outras maneiras de estudá-las, como observando crianças que estão aprendendo a falar, analisando a genética e explorando como os animais se comunicam.
A comunicação animal, em especial, rendeu uma descoberta intrigante: enquanto são comuns sequências de sons estruturadas (por exemplo, o canto dos pássaros), sons sem sentido produzidos por animais raramente formam sequências significativas, como em línguas humanas.
Esta observação levou os linguistas a sugerir que a sintaxe (a estrutura e as regras de linguagem, como a estrutura de sentença) pode ter evoluído antes de fonemas (os sons que diferenciam o significado, mas que não têm significado próprio).
Nem tudo é o que parece
O fonema não deve ser confundido com a letra. Na língua escrita, representamos os fonemas por meio de sinais chamados letras, mas o fonema é o som. Na palavra sapo, por exemplo, a letra “s” representa o fonema /s/ (lê-se sê). No entanto, na palavra brasa, a letra “s” representa o fonema /z/ (lê-se zê).
A sintaxe é a parte da gramática que estuda a disposição das palavras na frase e das frases no discurso. Ou seja, como as palavras se relacionam e se combinam para transmitir um significado.
No início, a ideia de que a sintaxe evoluiu antes da fonologia parece contra-intuitiva; vai contra a visão tradicional de que a fonologia é mais simples que a sintaxe.
“Pode parecer contraditório, mas não é tão simples como dizer que frases evoluíram antes de grunhidos”, explica a pesquisadora Katie Collier. “Grunhidos de animais muito provavelmente existiam antes de ‘frases’. A maioria desses sons não têm significado da maneira que as palavras humanas têm significado. Alguns têm o que chamamos de referência funcional, onde parecem denotar um objeto ou evento externo, como um leopardo, por exemplo. No entanto, esses grunhidos não podem ser decompostos em sons menores. Eles vêm como uma unidade, ao contrário de nossas palavras que são compostas de vários sons [fonemas] que são reutilizados em muitas palavras diferentes”.
É por isso que os pesquisadores dizem que não há exemplos conhecidos de fonologia na comunicação animal. Por outro lado, várias espécies animais parecem combinar grunhidos, sons ou chamadas referenciais para obter novos sentidos de uma forma semelhante a frases, razão pela qual os cientistas defendem que os animais podem ter uma forma de sintaxe rudimentar.
Exemplos na natureza
Em seu estudo, os pesquisadores revisaram uma ampla gama de evidências que parece apoiar as origens da sintaxe antes da fonologia. No mundo primata, duas espécies de macacos – Cercopithecus campbelli e Cercopithecus nictitans – demonstram essa ideia de forma ligeiramente diferente.
Ambas as espécies têm dois predadores principais – leopardos e águias – e ambas as espécies usam sons específicos quando detectam estes predadores.
C. campbelli usam “krak” em um avistamento de leopardo e “hok” em um avistamento de águia. C. nictitans usam “pyow” para leopardo e “hack” para águia.
Embora seja interessante que esses macacos pareçam ter “palavras” específicas para coisas diferentes, o que é mais interessante para os linguistas é que eles as modificam para dar significados diferentes, mas relacionados.
Por exemplo, os C. campbelli adicionam o sufixo “-oo” para ambas as “palavras”. A chamada “krak-oo” é usada para qualquer perturbação geral. Os pesquisadores explicam que o sufixo “oo” muda o significado da chamada do “leopardo” para “pode ser um leopardo, ou algo do tipo”. Devido à forma como combinam dois sons significativos para criar um novo significado, esta estrutura é um exemplo de uma sintaxe rudimentar.
A maneira que os macacos C. nictitans alteram suas chamadas é mais complicada. Considerando que “pyow” significa “leopardo” e ” hack” “águia”, uma sequência de dois ou três “pyows” seguida por até quatro “hacks” significa “vamos lá”, fazendo com que o grupo se mova.
Existem algumas explicações diferentes sobre como esta sequência pode ter se originado. Uma possibilidade é que a sequência pode ser uma expressão idiomática, sendo que a original pode ter significado “leopardo e águia”, mais tarde tornando-se “perigo!!!”, seguido por “perigo por toda parte, por isso vamos”, e finalmente apenas “vamos”.
Uma segunda possibilidade é que “pyow” e “hack” podem ter significados mais abstratos, como “mover-se no chão” e “mover-se no ar”, e seus significados mudam dependendo do contexto da situação.
Embora essas explicações não demonstrem com certeza que os macacos estruturaram suas chamadas com uma sintaxe, as sequências deixam essa possibilidade em aberto.
Linguagem de sinais
Outra evidência em apoio à ideia de que a sintaxe evoluiu antes da fonologia na linguagem humana vem da análise de uma variedade de idiomas humanos, incluindo as línguas de sinais.
Todas as línguas humanas têm sintaxe, mas nem todas têm fonologia.
A Língua de Sinais Beduína usada por uma pequena sociedade na região de Negev, de Israel, é uma linguagem emergente que existe há menos de 75 anos. Interessantemente, não tem fonologia. Isso significa que um único objeto pode ser representado por uma variedade de formas de mão. No entanto, a língua ainda tem uma sintaxe e regularidade gramatical, como demonstrado pela existência de regras para a combinação de signos.
Ao olhar para esta hipótese mais de perto, muitos aspectos fazem sentido. Do ponto de vista cognitivo, a sintaxe pode ser mais simples do que a fonologia, pois é mais fácil lembrar algumas regras gerais do que muitos fonemas. Além disso, a sintaxe permite que os falantes expressem muitos conceitos com apenas algumas palavras.
Conforme a linguagem se desenvolve e mais conceitos precisam ser comunicados, a fonologia surge para fornecer um vocabulário maior. A evolução da fonologia também pode ser fortemente influenciada pela cultura, em vez de processos evolutivos biológicos.
Os pesquisadores esperam desenvolver ainda mais essas ideias no futuro. [Phys]