Os indestrutíveis tardígrados se transformam em vidro para sobreviver à desidratação

Por , em 19.03.2017

Eles são provavelmente as criaturas mais duronas da Terra, e agora nós sabemos como eles conseguem sobreviver a anos de desidratação completa. Os tardígrados, ou ursos d’água, já foram registados sobrevivendo ao vácuo do espaço e a altas doses de radiação e pressão. Mas estas criaturas microscópicas, que vivem na água, também podem sobreviver a ambientes secos em um estado dormente durante uma década, revivendo dentro de uma hora quando expostos à água.

Para realizar esse truque notável, os animais dependem de proteínas únicas para eles, chamadas proteínas tardígradas específicas intrinsecamente desordenadas (TDPs, na sigla em inglês).

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Quando há água ao redor, essas proteínas anti-desidratação são gelatinosas e não se formam em estruturas tridimensionais bem definidas como a maioria das proteínas conhecidas.

Mas quando os ursos d’água começam a secar, estas proteínas se transformam em um tipo de santuário de vidro, que forma um casulo ao redor de todos os materiais sensíveis à desidratação no animal, protengendo-os de danos.

“Quando o animal seca completamente, os TDPs vitrificam, transformando o fluido citoplasmático das células em vidro”, diz Thomas Boothby, autor principal do estudo, da Universidade da Carolina do Norte, nos EUA.

“Acreditamos que esta mistura vítrea aprisiona outras proteínas sensíveis à dessecação e outras moléculas biológicas, bloqueando-as, impedindo-as fisicamente de se desdobrarem, se separarem ou se agregarem”, diz Boothby.

Sobrevivendo no seco

Boothby e seus colegas descobriram as proteínas após o monitoramento da atividade gênica conforme os tardígrados secavam. Eles notaram um pico na atividade de genes que acabava por formar as TDPs.

E quando eles bloquearam a atividade desses genes, os tardígrados morreram após a desidratação, demonstrando que eles eram vitais para sobreviver à dessecação.

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Além disso, Boothby mostrou que leveduras e bactérias artificialmente equipadas com os genes também poderiam sobreviver à desidratação, sugerindo que elas poderiam potencialmente ser transferidas para as culturas para ajudá-las a sobreviver à seca.

Os pesquisadores descartaram uma suposição de longa data de que os tardígrados sobreviviam à desidratação graças a um açúcar especializado chamado trealose, que é conhecido por realizar esta tarefa em rãs arbóreas, por exemplo. Eles descobriram que tardigrados ou não produzem trealose ou produzem apenas pequenas quantidades.

Diferentes adaptações

No entanto, os pesquisadores ficaram surpresos ao descobrir que as proteínas protegem sua carga viva da mesma forma que a trealose, formando um santuário de vidro.

Boothby diz que os resultados fornecem um novo exemplo de evolução convergente, em que a evolução surge com uma solução semelhante mais de uma vez. “Alguns animais evoluíram para depender da trealose, enquanto que os tardigrados também desenvolveram a capacidade de vitrificar, mas usando um tipo completamente diferente de molécula – uma proteína”, diz ele.

“É surpreendente ver que a evolução encontrou várias maneiras bioquímicas de obter o mesmo tipo de mecanismo para resolver o problema da dessecação. Trealose em nematóides e camarões de salmoura, e aparentemente TDPs em tardigrados “, diz Ingemar Jönsson, da Universidade de Kristianstad, na Suécia. “E que maravilhosa adaptação se transformar em um estável estado vítreo quando o corpo seca!”.

A equipe agora está investigando se outros organismos, como sementes de plantas, dependem dessas proteínas para sobreviver à dessecação, também.

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Boothby espera que a descoberta possa ser traduzida em aplicações práticas, por exemplo, como uma forma de armazenar vacinas e produtos farmacêuticos à temperatura ambiente, desidratando-os em vez de precisar refrigerá-los constantemente.

“Isso poderia nos ajudar a quebrar a dependência da cadeia de frio, um enorme obstáculo econômico e logístico para a obtenção de medicamentos para as pessoas em regiões remotas ou em desenvolvimento do mundo”, diz ele. [New Scientist]

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