Tecnologia “Avatar”: cérebro de um macaco é usado para controlar o corpo de outro
No filme de ficção científica “Avatar”, um soldado paraplégico é despachado em uma viagem exploratória à lua Pandora. Para sobreviver na atmosfera hostil aos humanos, precisa usar uma tecnologia que lhe permite controlar outro corpo, muito maior e mais forte do que o seu, fragilizado pela doença.
Cinco anos depois do lançamento do longa de James Cameron, cientistas que trabalham em uma cura para a paralisia anunciaram que foram bem sucedidos em fazer com que um macaco usasse apenas seus pensamentos, transferidos por meio de eletrodos, para manipular o braço de outro primata adormecido.
O experimento de laboratório, em que a mão de um macaco Rhesus totalmente sedado moveu um joystick para executar tarefas comandadas por outro macaco, foi projetado para simular a paralisia total, que ocorre quando o cérebro está completamente desconectado do músculo que procura controlar. “Demonstramos que um sujeito pode controlar um membro paralisado puramente com seus pensamentos”, explica a coautora Maryam Shanechi, da Escola de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade de Cornell (EUA). O estudo foi publicado na revista “Nature Communications”.
A descoberta, considerada um avanço muito importante, tem o potencial de ajudar pacientes paralisados a recuperar o controle de seus próprios membros.
Em testes, uma equipe de engenheiros e neurocientistas usou eletrodos para conectar o cérebro de um macaco com a medula espinhal de outro através de um computador que decodificava e retransmitia os sinais neurais.
O primeiro macaco, apelidado de “mestre”, foi colocado, com a cabeça imóvel, em uma cadeira especial diante de uma tela de computador que mostrava um cursor e um círculo verde que alternava entre dois pontos. Já o segundo animal, ou “avatar”, foi totalmente sedado em um recinto separado, seu braço amarrado a um joystick de 360 graus que movia o cursor e perseguia o alvo circular na tela do “mestre”.
Quando o mestre pensava em mover o cursor, os seus sinais cerebrais eram decodificados para determinar qual dos dois pontos tinha em mente e os dados eram transmitidos em tempo real para a medula espinhal do avatar, cujo braço manipulava o joystick de acordo com os pensamentos do outro. Toda vez que o cursor atingia o alvo, o mestre recebia um pouco de suco como recompensa.
“Provavelmente, o maior desafio que tivemos foi fazer isso acontecer em tempo real”, conta outro coautor do estudo, Ziv Williams, um neurocientista e neurocirurgião do Hospital de Massachusetts da Escola de Medicina de Harvard, em Boston (EUA). “Na teoria, você pode gravar a atividade neural a qualquer momento, analisá-la offline e usar esses sinais para estimular a medula espinhal ou os músculos. O complicado é descobrir qual a intenção do macaco em tempo real e, em seguida, estimular a medula espinhal ou os músculos para criar os movimentos desejados”.
Pesquisas anteriores nas chamadas interfaces cérebro-máquina conseguiram fazer com que pessoas movessem cursores de computador ou até mesmo braços robóticos usando seus pensamentos. Shanechi e sua equipe, entretanto, afirmam que são os primeiros a dar controle animal sobre o membro real de outro animal. Para a cientista, os resultados fornecem uma prova do conceito de que apenas pelo pensamento os indivíduos podem mover um braço em duas dimensões, mesmo sem conexão fisiológica entre o cérebro e o músculo.
Os pesquisadores ainda destacam que estudos anteriores alcançaram apenas movimentos repetidos para o mesmo alvo ou em uma única linha. O diferencial da nova pesquisa foi decodificar os sinais cerebrais que o macaco dirigia para o seu alvo na tela, ao invés de tentar decifrar os complexos processos necessários para realizar o movimento desejado.
A dupla de primatas, que foi alternada entre mestre e avatar, acertou o alvo em cerca de 84% dos casos, e em 98% conseguiram controlar o braço do outro de forma satisfatória, disseram os pesquisadores.
William ainda conta que outra novidade foi o uso de macacos separados, o que se aproximaria mais de perto da tetraplegia real. Ao conectar o cérebro e os músculos de somente um animal, os cientistas nunca podem ter certeza de quanto do movimento alcançado é “confusão de um possível feedback sensorial de contrações musculares preservadas”, conforme explica o médico.
Bernard Conway, chefe de engenharia biomédica na Universidade de Strathclyde, em Glasgow, comentou que a pesquisa foi “um passo fundamental” para identificar a intenção de uma pessoa paralisada ou o desejo de realizar um movimento específico e traduzir isso em ação.
Já o professor de engenharia biomédica da Universidade de Warwick, na Inglaterra, Christopher James, adicionou que os resultados têm “implicações profundas no controle dos membros dos que sofrem de lesão medular e no controle próteses para amputados”. De acordo com o engenheiro, não é preciso se preocupar que tais tipos de pesquisa resultem em uma pessoa controlando o corpo de outra. Além do fato da tecnologia ainda ser insuficiente para tal, uma pessoa consciente têm total controle dos seus membros e não veremos alguém fazendo outras pessoas de marionetes no futuro próximo. [Medical Xpress, LiveScience, BBC]