Com grandes poderes vêm grandes problemas?

Por , em 28.04.2014

Quando alguém fala em ciborgues ou superpoderes, nós logo pensamos em imagens fantásticas de filmes de ficção científica e histórias em quadrinhos. Nossas visões de seres humanos com capacidades melhoradas estão a cargo de nossa imaginação e das histórias que contamos. Porém, humanos aprimorados já existem na realidade, e eles não se parecem nada com os personagens da Marvel.

Conforme diferentes tecnologias de aprimoramento humano avançam em velocidades diferentes, elas chegam até a sociedade de forma gradual e sem alarde, e cada vez mais exigem uma discussão sobre áreas como a logística e a ética de um super-humano, por exemplo.

Nossa tendência natural é nos concentrarmos na funcionalidade dos seres humanos aprimorados. Habilidades como super força, voo ou telepatia são tão distantes do que somos capazes e, ao mesmo tempo, tão desejáveis, que é compreensível que nós foquemos nestas possibilidades. No entanto, as consequências individuais, sociais e éticas dos seres humanos com superpoderes são bem menos consideradas na cultura popular.

“As pessoas tendem a imaginar o estado atual do melhoramento de seres humanos como, ao mesmo tempo, muito mais avançado ou atrasado do que realmente é”, afirma Steve Fuller, membro honorário em Epistemologia Social do Departamento de Sociologia da Universidade de Warwick, nos Estados Unidos. “Sei que isto soa paradoxal, mas em geral isso ajuda a explicar a curiosa mistura de impaciência e decepção que envolve o tema. Isso simplesmente reflete o fato de que as pessoas sabem mais sobre o aprimoramento humano através de representações da ficção científica – o que pode ser positivo ou negativo – do que através daquilo que está realmente disponível na vida real”.

O professor Andy Miah, diretor do Instituto de Futuros Criativos da Universidade do Oeste da Escócia, passou boa parte de sua carreira observando o potencial do melhoramento humano e o que isso pode significar para nós. Ele explica que a melhoria de características humanas não é um fenômeno novo, mas que, cada vez mais, temos decisões importantes que terão de ser feitas.

Miah argumenta que, conforme a sociedade se torna mais avançada, decisões mais difíceis que envolvem o “melhoramento” humano serão impostas a nós. “Eu acho que é inevitável que teremos que tomar essas decisões”, diz ele, explicando que a única outra opção seria a de deter o progresso humano com um cenário onde todos “colocaríamos a cabeça na areia”.

Perdas e ganhos

As questões que a sociedade terá que considerar vão desde problemas pessoais simples até questões sociais altamente complexas e abstratas. Começando com as considerações mais pessoais, Miah usa o exemplo da super força. “Para isso, você vai precisar de massa muscular adicional, o que provavelmente vai comprometer o seu potencial de velocidade e agilidade”, diz ele. É um exemplo simples para mostrar que qualquer melhora é suscetível a ter efeitos colaterais.

Kevin Warwick, professor de cibernética da Universidade de Reading, na Inglaterra, acredita que será importante para as pessoas considerarem o que elas estão conseguindo para si mesmas e o que exatamente elas querem atingir. “A natureza do aprimoramento assumirá formas dramaticamente diferentes”, explica ele. “Alguém já fez isso antes? Pode ser perigoso, pode dar errado. Pode haver efeitos colaterais que sabemos pouco ou nada a respeito”.

Outro exemplo é fornecido pelo psicólogo social Bertolt Meyer em um artigo recente na revista Wired. Meyer, que nasceu sem a parte de baixo do braço esquerdo, pergunta se as pessoas teriam um membro amputado para substituí-lo por uma prótese que seria, de alguma forma, melhor. Mesmo agora, no entanto, ele observa um potencial caso de perda e ganho. “Corpos melhorados que possuem tecnologia conectada dão à palavra “hackear” um novo significado”, diz ele no artigo. “Meu i-limb (prótese de mão) é conectado ao meu iPhone, mas meu iPhone está conectado à internet. Tecnicamente, uma parte do meu corpo tornou-se ‘hackeável’”.

Fuller concorda que tais consequências não intencionais são a principal consideração necessária quando se pensa em aprimoramento. “Se, por exemplo, a sua memória é reforçada com sucesso, considere de que outra forma isso pode mudar a sua maneira de viver e seu relacionamento com as pessoas”. Warwick reitera este ponto, perguntando: “Com a superinteligência, o que os seres humanos ‘melhorados’ vão fazer com os estúpidos humanos comuns?”.

Impactos sociais

Esta aplicação na prática coloca a ideia de um ser humano com superpoderes sob uma luz completamente nova em relação à sua apresentação na cultura popular. Ela fornece um reconhecimento imediato de que é pouco provável ser agraciado com um “superpoder” sem um preço. Além disso, a questão fica ainda mais complicada quando é considerada em maior escala.

Miah coloca a questão de qual o impacto que a extensão da vida terá. Nós já estamos vivendo mais e já há uma tensão que está sendo colocada sobre a sociedade. Planos de saúde, pensões e habitação são preocupações afetadas pelo envelhecimento das populações. E se nós tivéssemos a opção de viver 200, 500, 1.000 anos? Tentar conceber qual o impacto disso na sociedade requer um enorme salto especulativo.

Os problemas não são limitados ao presente ou a consequências imediatas, no entanto. A sociedade também tem que considerar as potenciais consequências para as futuras gerações ao modificar os seres humanos de hoje. “Se descobrirmos como remover um gene específico para curar uma doença, podemos descobrir em 200 anos que o gene é extremamente importante por outro motivo”, explica Miah.

Da mesma forma, ele coloca um outro dilema ético paralelo. “Se desenvolvermos a capacidade de melhorar a nossa inteligência, nós temos a responsabilidade de fazer isso para os animais também? Isso mudaria completamente nossa visão em relação aos animais e a seus direitos”. Embora radical, este conceito não é tão absurdo. A Índia recentemente deu aos golfinhos o status de “pessoas não humanas”, reconhecendo a sua grande inteligência e proporcionando-lhes direitos específicos.

Considerações

Fuller sugere que as principais considerações sociais para este tipo de tecnologia estão na garantia de sua distribuição de forma igualitária, de modo que seja dada prioridade àqueles para quem o aprimoramento serviria para reduzir as desigualdades já existentes, em vez de aumentá-las, e até que ponto nós vamos tolerar a melhoria pessoal.

“Estamos efetivamente incentivando as pessoas a experimentar todos os tipos de modos de existir – envolvendo implantes protéticos e transgênicos – que poderiam facilmente resultar em uma diversidade de capacidades inéditas na história da humanidade”, diz Fuller.

Quase contra-intuitivamente, Fuller também aponta que teríamos de considerar pessoas que, por razões religiosas ou quaisquer outras, se recusariam a ser “melhoradas”, independentemente disso ser legal ou seguro. É justo deixar as pessoas para trás ou colocá-las em desvantagem simplesmente porque elas optam por ficar de fora de um mundo pós-humano?

Aprimoramento Futuro

Fuller diz que concorda com a ideia de que precisamos passar por maiores riscos com nossos corpos e nossos ambientes a fim de prosperar no longo prazo, mas acredita que devemos ter garantias jurídicas, sociais, políticas e econômicas em vigor. Ele espera que países e agências internacionais posicionem-se ativamente para garantir que o mercado do aprimoramento humano esteja devidamente regulamentado e não agrave os problemas sociais que já temos. Enquanto ele aponta que não se pode sempre confiar que tal intervenção seja realizada, Fuller sugere que é provável que o avanço da tecnologia aconteça de qualquer maneira.

“De modo geral, mesmo que os Estados acabem ou seguindo a lógica do livre mercado ou sendo proibitivos na sua abordagem a essas novas tecnologias, elas vão acontecer por outros meios, ou seja, fora da jurisdição”, prevê Fuller. “Um bom exemplo é o seasteading.org, um site que funciona fora dos territórios oficiais que é projetado para abrigar a pesquisa para fazer ciência desafiadora que atualmente não é permitida nos mais restritivos painéis de ética das universidades”.

Warwick sugere que, apesar do campo minado de dilemas éticos a serem navegados e o potencial de indivíduos com cada vez mais variadas capacidades, este mercado tende a se desenvolver como qualquer outro. “[O futuro do melhoramento humano provavelmente vai envolver] uma emocionante e pioneira experimentação ao longo dos próximos anos. Então, muitas oportunidades comerciais se abrirão”. [Gizmag]

3 comentários

  • sergio moreira:

    O ser humano é muito sonhador…
    Ainda não desenvolvemos nem uma prótese decente, controlada pelo cérebro e acham que estamos a um passo de tornarmos ‘Super Humanos’. Piada!

    • Cesar Grossmann:

      Sergio eu lembro de uma discussão que teve algumas décadas atrás sobre os atletas com próteses. Um corredor com a prótese apropriada poderia correr muito mais rápido que o Usain Bolt. E nem mesmo era uma prótese eletromecânica, era puramente mecânica (nada de controle mental). Eu não chamaria de piada estas preocupações.

  • Fernandes FFernandes:

    Deve ser relativo , ser hábil para solucionar grandes problemas podem trazer grandes preocupações quanto o não poder resolve lo ,,,

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