A camada de gelo da Antártida começou a ruir e não há nada que possamos fazer

Por , em 18.05.2014

Uma grande parte da imponente camada de gelo da Antártida Ocidental começou a desmoronar e, aparentemente, seu contínuo derretimento não pode mais ser parado. Se esta descoberta, anunciada por dois grupos de cientistas no início desta semana, se sustentar, ela sugere que o derretimento poderia desestabilizar partes vizinhas da camada de gelo e um aumento no nível do mar em 3 metros ou mais pode ser inevitável nos próximos séculos.

Os cientistas afirmam que o aquecimento global causado pela liberação de gases de efeito estufa provocada por ações humanas tem contribuído para desestabilizar a camada de gelo, embora outros fatores também possam estar envolvidos. Eles também acrescentaram que é provável que a ascensão do mar continue a ser relativamente lenta até o final do século XXI, mas em um futuro mais distante, pode acelerar significativamente, potencialmente jogando a sociedade em uma crise.

“Isso está realmente acontecendo”, garantiu Thomas P. Wagner, que dirige programas da NASA no gelo polar e ajudou a supervisionar algumas das pesquisas. “Não há nada que possa parar [o desmoronamento] agora. Porém, [o processo] ainda está limitado pela física do quão rápido o gelo pode fluir”.

Um problema que vai se agravar

Dois artigos científicos divulgados nas revistas “Science” e “Geophysical Research Letters” chegaram a conclusões semelhantes por diferentes meios. Ambos os grupos de cientistas descobriram que as geleiras da Antártida Ocidental tinham recuado o suficiente para detonar uma instabilidade inerente à camada de gelo, o que os especialistas temiam por décadas. A NASA convocou uma conferência de imprensa por telefone no mesmo dia para destacar a urgência das conclusões.

A camada de gelo da Antártida Ocidental fica em uma depressão no solo em forma de bacia, com a base do gelo abaixo do nível do mar. A água quente do oceano está fazendo com que o gelo que fica ao longo da borda desta tigela afine e recue. À medida que a extremidade da frente do gelo se afasta da borda e afunda na água, o derretimento passa a ser muito mais rápido do que antes.

Em um dos novos estudos, a equipe liderada por Eric Rignot, glaciologista da Universidade da Califórnia (EUA), utilizou medições por satélite e ar para documentar um recuo de seis geleiras que foi acelerando ao longo das últimas décadas, que escoam para a região do Mar de Amundsen. Com o mapeamento atualizado do terreno abaixo da camada de gelo, a equipe foi capaz de descartar a presença de quaisquer montanhas ou colinas significativas o suficiente para retardar este derretimento.

“Hoje apresentamos evidência observacional de que um grande setor da camada de gelo da Antártida Ocidental entrou em um recuo irreversível”, disse Rignot na coletiva de imprensa da NASA.

O estudioso explicou que o desaparecimento apenas dessas seis geleiras poderia fazer com que o mar subisse cerca de 1,2 metro, possivelmente dentro de dois séculos. Ele acrescentou que o seu desaparecimento provavelmente irá desestabilizar outros setores da camada de gelo, de modo que o aumento final no nível do mar poderia ser o triplo disso.

Em separado, uma equipe liderada por Ian Joughin, da Universidade de Washington (EUA), estudou Thwaites, uma das geleiras mais importantes, usando modelos computadorizados sofisticados, juntamente com medidas recentes do fluxo de gelo. Essa equipe também descobriu que um lento colapso tornou-se inevitável. Mesmo que a água morna que agora corrói o gelo se dissipasse, seria tarde demais para estabilizar a camada de gelo. “Não existe nenhum mecanismo de estabilização”, assegurou Joughin.

As duas equipes trabalharam de forma independente, elaborando documentos seriam publicados com apenas alguns dias de distância entre um e outro. Depois que souberam que seus resultados eram semelhantes, as equipes e os veículos de comunicação concordaram em liberar os resultados no mesmo dia.

Desastre anunciado

A nova descoberta parece ser o cumprimento de uma previsão feita em 1978 por um glaciologista eminente, John H. Mercer, da Universidade Estadual de Ohio (EUA), que morreu em 1987. Ele descreveu a natureza vulnerável da camada de gelo da Antártida Ocidental e advertiu que a rápida liberação de gases de efeito estufa por ações humanas era “uma ameaça de desastre”. Ele foi atacado na época, mas nos últimos anos os cientistas têm observado com crescente preocupação como os eventos se desdobraram, em grande parte, da maneira como Mercer havia previsto.

Os cientistas disseram que a camada de gelo não estava derretendo por causa da temperatura do ar estar mais quente, mas sim porque a água relativamente quente que ocorre naturalmente nas profundezas do oceano estava sendo puxada para a superfície por uma intensificação, ao longo das últimas décadas, dos ventos fortes que rodeiam a Antártida.

E, embora a causa dos ventos mais fortes seja um pouco incerta, muitos pesquisadores consideram o aquecimento global induzido pelo homem um fator significativo. Os ventos ajudam a isolar Antártida e mantê-la fria na superfície, porém à medida que o aquecimento global avança, acentua a diferença de temperatura entre a Antártida e o resto do globo. Essa diferença de temperatura fornece mais energia para os ventos, que por sua vez agitam as águas dos oceanos.

Alguns cientistas acreditam que o buraco na camada de ozônio sobre a Antártida – causado não pelo aquecimento global, mas por um problema ambiental inteiramente diferente, a liberação de gases que destroem a camada de ozônio causada pelo homem – também pode estar adicionando energia nos ventos. A variabilidade natural também pode contribuir para o problema, embora os cientistas não acreditem que este seja o fator principal.

O nível global do mar tem aumentado desde o século XIX, mas, até agora, a Antártida influenciava muito pouco. O fator mais importante era que a água do mar se expande à medida que se aquece. Entretanto, acredita-se que o derretimento da Groenlândia e da Antártida será muito mais importante no futuro. Um comitê científico das Nações Unidas, o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática, alertou que o nível global do mar pode subir quase um metro até o final deste século se esforços mais fortes não forem feitos para controlar a emissão de gases de efeito estufa. As novas descobertas sugerem que a situação é suscetível a uma piora muito maior em séculos posteriores.

Danos inevitáveis

Os efeitos dependerão, em parte, de quanto dinheiro os governos futuros gastarem para proteger a costa de um mar que sobe cada vez mais. Uma pesquisa publicada em 2012 descobriu que um aumento de menos 1,2 metro inundaria terras em que cerca de 3,7 milhões de norte-americanos vivem hoje. Miami, Nova Orleans, Nova York e Boston estão entre as cidades altamente vulneráveis​​.

Richard B. Alley, um cientista do clima na Universidade Estadual da Pensilvânia (EUA), que não estava envolvido nas novas pesquisas, mas estudou as camadas de gelo polares durante décadas, disse ter achado os artigos convincentes. Embora temesse há muito tempo a possibilidade de um colapso no manto de gelo, quando soube das novas descobertas confessa ter ficado um pouco abaladdo.

Ele acrescentou que, apesar de um grande aumento no nível do mar ser agora inevitável, a contínua liberação de gases de efeito estufa quase certamente irá piorar a situação. Os gases poderiam desestabilizar outras partes da Antártida, bem como a camada de gelo da Groenlândia, causando suficiente elevação do nível do mar para que muitas das cidades costeiras do mundo fossem inevitavelmente abandonadas.

“Se nós de fato acendermos o estopim na Antártida Ocidental, é muito difícil imaginar que podemos desligar este fusível”, disse Alley. “Porém, há alguns outros fusíveis, há alguns outros fósforos e nós temos que tomar uma decisão agora: será que vamos acendê-los?”, finalizou o pesquisador. [Gizmodo, The New York Times]

3 comentários

  • WalterZ:

    Belo trabalho.
    Mas, ainda precisamos determianr quanto disso deve-se a causas naturais e quanto a atividade humana. Cientificamente e nao ideologicamente, claro!
    É muito importante prever precisamente como o mundo vai ser afetado para determinar qual a melhor solução.
    A redução de emissão de CO2 aos niveis necessários para parar o aquecimento global, geraria bilhões de excluido o que é pior que o aquecimento global, porque as soluçoes verdes são muito caras e precisamos encontar saidas…

    • Cesar Grossmann:

      A atividade humana produz menos CO2 que os processos naturais, o problema é que a natureza estava mais ou menos em equilíbrio antes de começar a revolução industrial — o CO2 produzido pela natureza era também absorvido, ou seja, não havia aumento do CO2 na atmosfera.

      Logo depois do início da revolução industrial o equilíbrio manteve-se por que havia ainda uma folga, mas esta folga acabou no início do século passado.

    • Cesar Grossmann:

      Não fazer nada vai inviabilizar a raça humana no planeta. Não haverá colheitas, simplesmente. Para mim, isto parece pior que gerar “bilhões de excluído”. E o preço das “soluções verdes” é o que teremos que pagar para continuar a existir como espécie. Para mim, é um preço pequeno…

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