A praga de gafanhotos é um aviso – e a notícia não é boa

Por , em 6.07.2020

Uma verdadeira praga de gafanhotos, destas que podiam estar na Bíblia, vêm assolando plantações no leste da África, algumas partes do Oriente Médio e sul da Ásia, ameaçando a segurança alimentar de 10% da população mundial.

Aqui, do nosso lado do mundo, a situação pode ficar igualmente tensa. A Argentina luta hoje contra uma nuvem de gafanhotos que já se espalhou para o Paraguai, e pode alcançar o Brasil e o Uruguai também.

Considerada a praga migratória mais perigosa do planeta, especialistas creem que o fenômeno traz uma mensagem de alerta preocupante: a de que estamos destruindo o planeta.

Do início da Era Cristã até hoje

Você já deve ter ouvido falar das dez pragas encontradas na Bíblia, sendo a oitava delas a destruição de árvores e campos por nuvens de gafanhotos.

Nos registros do historiador romano Plínio, o Velho (23-79), 800 mil pessoas morreram de fome por causa desses insetos na região que hoje engloba Líbia, Argélia e Tunísia.

E não foram só os primeiros anos da chamada Era Cristã ou Era Comum que sofreram com essa praga.

Desde o fim do século 19 existem registros de infestações similares no sul do Brasil. Um dos casos mais emblemáticos foi o de uma nuvem de gafanhotos tão densa que escureceu o dia em Santa Maria, no Rio Grande do Sul.

O evento que observamos hoje na África, em uma área que engloba o Quênia, atravessa a Etiópia e o Iêmen e chega até partes do norte da Índia, começou a tomar forma ano passado, graças a um clima cada vez mais quente e úmido. Em 2019, os grupos de gafanhotos já contabilizavam bilhões. Em abril deste ano, atingiram a casa dos trilhões. A terceira geração dessa praga bíblica deve entrar em ação esse mês, em números ainda maiores.

Enquanto essa região batalha contra o Schistocerca gregaria, a América do Sul tenta controlar outra espécie, o gafanhoto Schistocerca cancellata, que passou por um processo natural no qual deixou de ser solitário e passou a viver coletivamente. No momento, os especialistas suspeitam que esse acontecimento também esteja ligado às mudanças climáticas.

Um grito da natureza

Não há como negar que a destruição das plantações causada pelas nuvens de gafanhotos gera preocupações econômicas e de saúde horríveis, como ondas de fome.

Infelizmente, há ainda muito mais que temer. Segundo o entomologista Dino Martins, que trabalha no Centro de Pesquisa Mpala, no norte do Quênia, a praga é mesmo uma espécie de aviso, só que não bíblico, e sim da natureza.

“Por mais aterrorizantes e dramáticas que [as nuvens de gafanhoto] sejam, há uma mensagem mais profunda: a de que estamos mudando o ambiente”, afirmou ao Harvard Gazette.

Martins não tem dúvidas de que a degradação ambiental local, o excesso de pastoreio, o desmatamento e a expansão dos desertos são fatores que estão criando as condições ideais para que cada vez mais gafanhotos se reproduzam.

Pesticidas: solucionando um problema, criando outro

Atualmente, a proliferação desses insetos é controlada com pesticidas pulverizados em plantações a partir de helicópteros.

Até agora, mais de meio milhão de hectares de terra na região do leste da África foram tratados com pesticidas. De acordo com a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, isso poupou colheitas suficientes para cobrir os requisitos básicos de cereais para quase 8 milhões de pessoas.

Só que essa não é exatamente uma solução adequada – ela vem com consequências para a saúde dos seres humanos e do planeta.

Por exemplo, tratar vastas extensões de terra com pesticidas é péssimo para a biodiversidade. O ecologista Bill Hansson, do Instituto Max Planck na Alemanha, alertou que se livrar dos gafanhotos pode significar exterminar outros animais no processo também, como as abelhas.

Certamente, à medida que os agricultores ficam desesperados para preservar suas colheitas, mais deles irão pulverizar essas substâncias em suas plantações indiscriminadamente.

De acordo com o UOL, o Brasil, que ainda não tem certeza se será atingido pela nuvem de gafanhotos latina, já decretou previamente situação de emergência e publicou uma portaria com diretrizes e agrotóxicos recomendados para o combate da praga, sendo que o plano de ação escolhido cabe a cada estado.

A solução não acaba aí

Pesticidas podem até funcionar a curto prazo, com consequências relevantes, mas não solucionam a conjuntura por trás do problema: as mudanças climáticas.

O clima mundial está em transformação e algumas partes do mundo devem ser cada vez mais atingidas por chuvas. Isso significa que gafanhotos devem, acima de tudo, prosperar.

Rick Overson, que trabalha na Iniciativa Global de Gafanhotos da Universidade Estadual do Arizona, nos EUA, afirmou à NPR que nossas soluções atuais são muito pequenas em escopo.

Segundo o especialista, surtos devem continuar correndo e é difícil manter financiamento, vontade política, conhecimento e capacitação no meio de tais ciclos imprevisíveis.

“É importante abordar o drama e o espetáculo do surto atual, mas a narrativa mais sutil envolve o método lento de construir infraestrutura: se você esperar até que seja reativo e se esquecer disso até que aconteça novamente, vamos estar nesta situação para sempre”, argumentou.

Como as fortes chuvas continuam minando esforços para controlar os gafanhotos na África, Qu Dongyu, diretor geral da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura, pediu tempo e cooperação.

“Nossos ganhos foram significativos, mas a batalha é longa e está se espalhando para novas áreas. Está claro que ainda não podemos declarar vitória. Riscos dessa magnitude raramente são derrotados em poucos meses”, disse. [ScienceAlert, UOL]

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